quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Este avião

Segura a minha mão.
Não, eu sei, eu não tenho medo.
Não, eu sei, eu sou como você sabe,
eu sei de mim e do que mais.
Eu sei, isso e mais e tudo o mais, eu sei.
Sabe que eu sei do que você me diz,
que foi o que eu te disse
e o que te digo
e vou dizer,
eu sei.
Sim, segure aqui a minha mão,
eu sei ele treme e tudo para,
parece que agora vai e nunca mais,
segura aqui a minha mão
e vamos ao ar e mais além
decolar e só deixar ao vai e vem
o que nos volta ao chão
que viajamos aos ceus
e aqui estamos
de volta mão em mão
no chão
do itininerário
aqui
deste avião.

18 de dezembro de 2018

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Roteiro de atendimento

[Improvisos são permitidos em qualquer fase do atendimento, sempre pautado na empatia com o cliente]

[Chamar o próximo da fila]

Quando o cliente chega na estação de atendimento, sorrindo:

- Boa tarde (ou boa noite), tudo bem? (…) Qual o CPF, por favor?

[Quando o sistema demonstra que o cliente já tem cadastro]

Repetir o nome completo do cliente, confirmar endereço, telefones, e-mail. Atualizado o cadastro, gravar as informações.

[Quando o sistema mostra que o cliente não tem cadastro]

Informar a inexistência de cadastro, confirmando o número do CPF e solicitar documento com foto. Após encerramento do cadastro, com endereço e telefones de contato:

Sorrindo e olhando para o cliente:

- O pagamento foi efetuado através do cartão X, do Banco Tal?

Se sim:

- O(A) senhor(a) poderia me apresentar o cartão e os comprovantes da compra com o cartão? Pode ser pelo aplicativo, ou mensagens de texto das transações também.

Explicar o critério da promoção.

Se não:

- Neste ano, na promoção, 400 reais em compras com o cartão X dá direito a 2 cupons adicionais. Se for o cartão X, na bandeira Y, 4 adicionais.

Ouvir o lamento eventual com atenção e tentar confortar o cliente, passando imediatamente ao cadastro dos cupons fiscais. Após finda essa etapa:

- Senhor(a) Fulano(a), ficou então um total de X reais, emitindo “x” cupons, ficando um saldo remanescente de X reais.

Especificar saldos diferentes em relação aos cartões, quando for o caso.

Em caso de uso do cartão X, do banco tal:

- Por ter utilizado o cartão X, o(a) senhor(a) ainda ganha um cupom de desconto no estacionamento, válido para as 3 primeiras horas, que é o primeiro período.

Explicações quanto ao uso podem ser necessárias nessa fase.

Entregar os cupons fiscais, logo depois os cupons para o sorteio e indicar a localização da urna. Lembrando que não é necessário preencher nada.

Finalizando o atendimento:

- Boa tarde (ou boa noite) e boa sorte.

[Caso o cliente seja sorteado com o prêmio instantâneo]

- Senhor(a) Fulano(a), ficou então um total de X reais, emitindo “x” cupons, ficando um saldo remanescente de X reais. E o(a) senhor(a) acaba de ser sorteado(a) e ganhou um par de ingressos pro show do Cicrano. Só um momento que vou pegar os ingressos.

Entregar a folha de recibo, explicar o procedimento de preenchimento. Entregar o envelope com os ingressos, solicitar confirmação da existência do par. Finalizar:

- Tenha um bom show e boa sorte.

Depois que fiz esse roteiro é que percebi, já tarde, após muitas boas sortes desejados, que sendo limitado o número de prêmios, desejar boa sorte a todo mundo é não desejar sorte a ninguém.

Mas continuo desejando, por educação, polidez e simpatia.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Jacinildo

Jacinildo Silva e Souza, 32 anos, divorciado, pai de dois, mendigo. Viciado em álcool e crack. Abandonou a família quando o mais novo fez 16. Seguiu. Morou nas proximidades do Viaduto Sarney por 2 anos, desiludido, foi para o Ayrton Senna, "me dá mais orgulho", dizia. Vivia no Centro da cidade, embriagado, pedindo trocados para o próximo gole. Conseguia-os, invariavelmente. E bebia, bebia o que dava, comia o que sobrava, e dormia o que conseguia. A vida que podia ter. Ou, a que queria ter.

Jacinildo sabia inglês. Tentou emprego numa multinacional, ensino médio completo, inglês nível intermediário (não colocava avançado pois não tinha comprovações "diplomáticas" disso). Reprovado, pois não possuia um endereço válido. Onde morava, uma comunidade invadida, a prefeitura não reconhecia ruas e números de casas.

Tentou outras oportunidades, quatro, cinco, o mesmo motivo. Desistiu. Se não reconhecesse o local onde morava, o emprego não poderia ser digno de suas capacidades, dizia. Começou a beber mais do que bebia. Chegava tarde em casa. Até que passou a não chegar. A mulher trabalhava em dois períodos, ganhando o mínimo para criar os filhos. Jacinildo ajudava com bicos. Na média, alimentavam bem os dois rebentos, dando o mínimo de roupas e diversão. Este último quase inexistente. Jacinildo dizia a seus filhos, em verdade, doutrinava os pequenos, o que ouvira de seus pais: "A vida vai te fuder, tenha o mínimo para adquirir vaselina suficiente, para a dor ser mínima".

Laurison e Diego viveram com isso na cabeça. Laurison se dedicou o quanto pôde, se tornou gerente de uma grande loja de varejos. Diego cursou preparatórios para o vestibular e conseguiu ser aprovado em administração em uma faculdade pública.

Jacinildo vivia mendingando pela cidade. Quarenta e oito anos, e ainda em dúvida se teria o suficiente para jantar no dia que se espreguiçava no meio dos prédios do centro. Era preciso lutar pelo café da manhã primeiro. Do outro lado da cidade, Diego e Laurison acordavam, os irmãos dividiam um terreno, com duas casas, onde cuidavam da mãe, Liana, desde que o mais velho completara 21 anos e pôde financiar o imóvel.

Às 8 horas da manhã, Diego passa de terno e camisa engomada no lado par da rua São Sebastião, esquina com a Àlvares Cabral. Do lado de lá, na A Única, Jacinildo tenta vencer a batalha para um café da manhã bancado por alguém que tenha consciência suja o suficiente para saber que o seu dinheiro banca a miséria que o cerca. Diego não vê o pai há 10 anos. Jacinildo olha para todos os engravatados com desdém. Ele, de alguma forma, sabe algo que aqueles não sabem. Talvez ele tenha desvendado a forma de se vencer o jogo. Talvez esteja embriagado demais para saber que perdeu. Mas, com certeza, julga-se feliz demais para reconhecer qualquer derrota.

E seguimos tentando ganhar mais dinheiro que qualquer Jacinildo poderia gastar em dez vidas.

04 de janeiro de 2016

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Já é Natal

São pernas que correm a comprar,
andam atrás do que nem precisam,
só para gerar os cupons de acesso ao sonho
do carro que já têm,
para compensar o vazio de viver.
E enchem a urna de esperanças vazias.

Correm pernas a prestações
à perder de vistas.
Vestidos, saias, calças,
shorts e bermudas
e novos vestidos,
sapatos, tênis e sandálias,
um chinelo aqui e ali.
A nova TV, a roupa nova,
tudo para estarem bem na hora de se desiludirem
do prêmio que não veio.
Correm prestações,
dez sem juros,
doze vezes,
a cada lá e cá
pernas que compram a liberdade falsa de Punta Cana,
Natal, Salvador e outras praias,
enquanto vivem presas aos boletos.
Pernas a prazo,
pernas à vista,
pernas a perder de vista.
E o papai Noel lá,
sentado em sua poltrona sem posse,
usando suas pernas como poltrona
para crianças iludidas.

Já é Natal!

30 de novembro de 2018

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Majestade

Veja lá, no céu, o Sol, estrela brilhante,
nosso provedor, nosso poste de luz,
eternamente pendurado,
reluzente.

Veja lá no céu, que maravilha,
a festa de luzes, o calor que emana da fusão de elementos,
os raios que nos atingem feito bombas nucleares,
a vida que flerta com a morte.

Veja que lindo espetáculo,
a dança do Astro-Rei com os planetas que ele ignora,
avança, engole, um a um,
veja que espetáculo sem par
Vênus sendo devorado,
deflorado como a uma virgem em meio a uma orgia de famintos,
veja.

Veja o gigante pedaço dos restos mortais da deusa despedaçada,
lançado a velocidade incalculável,
percorrer o, agora aparente, curto caminho nos separa da extinção total.
Veja que belíssima explosão.
Veja e lembre disso.
Será a última coisa que veremos até o fim dos tempos.
O ser humano já não mais.

Logo o Sol morrerá,
mas quem foi rei, como diz o ditado,
jamais perde a majestade.
Nenhum ser humano foi rei de verdade.

17 de novembro de 2018

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Desconfiança

Quando juntou os seus em torno de si, não distribuiu armas e ódio para enfrentar o adversário. Incentivou o respeito e o amor, a tolerância e a paz.

Quando faltou o vinho para festejar, não fez discurso pomposo de que era preciso aprender com a escassez e poupar para ter no futuro. Foi lá, encheu os galões de água e transformou tudo em mais vinho, para a festa não parar.

Quando faltou comida, ele não distribuiu voucher, não ensinou as pessoas a pescarem, ou a produzirem pão. Foi lá, multiplicou e distribuiu.

Mesmo crucificado, encarando a morte e a traição, não pediu para que o Pai intercedesse com o extermínio dos seus inimigos. Pediu que seu Pai os perdoasse.

Desconfio seriamente que Jesus não era de extrema-direita.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Sinto falta da solidão

Sinto falta da solidão.
Estar só, comigo mesmo,
meus pensamentos,
meus demônios,
minhas dúvidas.

Sem ninguém para me aconselhar,
sem ninguém para me colocar pra cima,
sem ninguém precisando da minha ajuda,
sem ninguém necessitando de mim.

Sinto falta da solidão.
Do momento em que sou eu apenas,
sem ter de responder,
sem ter que conversar,
sem ter que cuidar.

Eu apenas, com tudo o que me faz eu,
e só.
Um caderno, talvez, canetas.
Várias músicas. Cerveja.
Em um lugar qualquer,
onde não haja ninguém,
onde ninguém possa me encontrar.

Sinto falta da solidão.
Mas talvez não seja isso.
Sinto falta de mim mesmo,
do que era pra mim e do que fui,
dos sonhos que tinha,
da vontade que possuía,
da esperança que perdi.

O que eu fui já está morto,
a vida muda, é preciso mudar.
O que poderia ser já não serei.
O que eu pensava de futuro morreu,
não sinto falta da solidão, eu sei,
sinto falta é de ser eu.

01 de novembro de 2018

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

E agora?

“O inimigo você elimina, o adversário você convive”

Finda as eleições presidenciais de 2018, com a vitória do capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro, fica a pergunta: e agora?

Sim, porque mesmo que você tenha escolhido o vencedor, qual o ponto principal da sua plataforma de governo mais lhe agradou? Jair Bolsonaro protocolou junto ao Tribunal Superior Eleitoral mais uma carta de intenções do que, propriamente, um plano de governo. Recheada de generalidades, não há como cobrar do candidato eleito a efetivação de sua plataforma, pois praticamente inexistente. Bordões tivemos aos montes. Mas bordões não são planos. Bordões são peças publicitárias para arregimentar maior militância.

Do outro lado, o derrotado Fernando Haddad não fugiu muito ao padrão visto em Bolsonaro. Prova disso foi a mudança de pontos específicos do plano de governo no segundo turno, visando a suavização do discurso, com o objetivo de agregar mais apoiadores a sua campanha. Não deu certo.

Vencido, Haddad discursou pela resistência, buscando se firmar como baluarte da oposição ao novo governo. Terá dificuldades nesse campo, notadamente em razão da imagem do seu partido que, galgado na luta ineficaz pela soltura de seu líder, o ex-presidente Lula, foi uma das principais bandeiras para ascensão do agora presidente eleito. O antipetismo, que já mostrou força nas eleições municipais de 2016, voltou a exibir o seu poder. Não fosse a região Nordeste, a vitória de Jair Bolsonaro seria ainda maior.

Há de se frisar o reconhecimento da derrota de forma parcimoniosa pelo candidato Fernando Haddad, mesmo com a postura enérgica demonstrada ao se declarar (como esperado) oposição. Espera-se que seja uma oposição em defesa da democracia e dos direitos do povo e não a oposição pela oposição, pela não aceitação da derrota, como fizeram os derrotados em 2014 e que resultou na crise política que hoje assistimos.

Mas a pergunta é: e agora?

Bolsonaro venceu com um discurso de extrema-direita, com promessas de extirpar os “vermelhos”, que deveriam optar por se curvar a nova política do Palácio do Planalto, com boa repercussão no Congresso, saírem do país (em uma alusão ao bordão da era militar “Brasil, ame-o ou deixo-o”) ou então serem presos. A militância mais radical, que votou em Bolsonaro por esse discurso extremado, vê-se agora legitimada e mostra-se disposta a sair às ruas com suas bandeiras antidemocráticas. Esse o perigo real para o Brasil.

Nas ruas, a comemoração veio em clima de carnaval, ato tipicamente brasileiro, como se as eleições fossem uma grande gincana escolar, onde é preciso estar sempre do lado vencedor, não importa o que esse lado represente, para poder participar da festa. De onde falo, zona sul de Ribeirão Preto (mas deve ter se repetido por todas as regiões), a euforia deu-se muito mais pela derrocada do PT que pela vitória do candidato do PSL. “Fora PT”, “Tchau PT” e outras versões de baixo calão referenciando o partido vencido, demonstravam que Jair Bolsonaro conseguiu, mais do que qualquer um, representar a insatisfação dos eleitores com os sucessivos mandatos do partido de centro-esquerda (sim, meus caro, o PT não é de extrema-esquerda como costumam propagar por aí) e os repetidos escândalos de corrupção, que roubaram os cofres públicos.

Mas e agora?

Agora são favas contadas. O Brasil tem um novo presidente que deverá governar para todos os brasileiros, indo, portanto, de encontro ao seu discurso beligerante de supressão das minorias. Se o seu bordão-mor foi “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o novo presidente precisa ser lembrado diariamente que o Brasil é feito de todos os brasileiros e não somente da sua patota de apoiadores e chegados, “os parças”, fazendo uma analogia com o grupo de puxa-sacos da maior estrela atual do futebol brasileiro. Bolsonaro precisa entender que a presidência não é a campanha, na qual ele era sempre recebido de braços abertos pelos simpatizantes. Haverá oposição e é preciso saber lidar com a oposição de forma democrática. É preciso saber que debates de ideias são o alicerce da democracia e que ele, no exercício do cargo mais importante da república, ao contrário do que fez nos debates do segundo turno, não poderá se furtar ao confronto e que “lacrar”, “mitar”, não são verbos que caibam bem a posição agora ocupada. A liturgia do cargo não deve ser contaminada pela energia do discurso panfletário de campanha. O Brasil é todos os brasileiros e é a essa massa disforme e heterogênea que o presidente deve servir, independente de qualquer diferença que possa ter.

Agora é aguardar que o bom senso e a temperança, eivados de espírito democrático, floresçam onde, até então, suas ausências eram observadas.

Que o governo governe, que a oposição se oponha, tudo regido pelos princípios democráticos, pelo respeito, pela ordem, visando o progresso.

Boa sorte, Brasil!

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Processo Seletivo

- Senhor Malhoand, precisamos contratar um novo engraxate para o lobby do hotel.

Mahloand estava sentado em sua cadeira com massageador, de frente a sua mesa de mármore carrara, cujas gavetas tinham abridores de marfim e detalhes em ouro. Era dono, fundador e presidente de uma luxuosa rede de hotéis cinco estrelas, com filiais nos cinco continentes. Ouviu atentamente e deu as instruções:

- Nós já temos a lista dos candidatos da última vez, certo? Entre em contato com os melhores qualificados no processo passado, peça que tragam novos currículos, certidões negativas de Serasa, SPC, dívida ativa, antecedentes criminais, comprovante de residência, relação de possíveis processos judiciais, principalmente trabalhistas, fotos, avaliação médica, psicotécnica, carta de referência, e já agende horários para a entrevista, depois a dinâmica em grupo, avaliação física presencial, segunda entrevista e a conversa comigo, pessoalmente.

O assistente assentiu com a cabeça e, antes de se retirar da sala:

- Antes que eu me esqueça, a sua esposa ligou e perguntou se o senhor leu os planos de governo dos candidatos que ela enviou ao seu e-mail. Perguntou também se o senhor já em uma posição sobre o escolhido, algo que vocês conversaram ontem no jantar, ou algo assim.

Mahloand desviou o olhar do monitor por um instante e com olhar de desdém respondeu:

- Ah, eu vou votar naquele lá que vai mudar tudo isso aí.

O assistente arriscou o emprego:

- Mas, senhor, ele não foi a nenhum debate e foge de entrevistas que não pode controlar.

- Igor, meu caro, é só o presidente do país, para que exigir provas e perícia dele? Agora agilize lá o processo seletivo do engraxate. O lobby não pode ficar sem um.


25 de outubro de 2018

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Bloqueio criativo

A página em branco na tela do computador
é a folha em branco que aguarda esquecida
dentro da gaveta, do armário, em cima da mesa,
amarelando, amarelando.

A pressão é a mesma,
embora dividida em duas mãos.
Os olhos perdidos no tilintar do ponto de inserção,
como ficava no vazio branco
pousado sobre a mesa.
A ideia,
onde está a ideia?

E então os pensamentos são forçados,
retirados à força, de onde não quase não os há.
Mágoa, amor, paixão,
um dado, duas raquetes,
uma dúvida sincera, um par de óculos sem lentes,
pitadas de rancor
e essa calcinha vermelha fio dental
que eu não sei bem de quem poderia ser.

A pressão da página em branco,
do barra de inserção pedindo para ser movida.
A pressão da folha em branco,
da caneta pedindo para ser usada.
A inspiração talvez não chegue.
A inspiração talvez seja uma ilusão.

Talvez não haja inspiração suficiente,
mas, mesmo na sua ausência,
o ponto se move pelo vazio branco
preenchendo de palavras aleatórias
o que antes era expectativa de ideias.

É sempre difícil lidar com a vida
e seus bloqueios criativos sem fim.
Agora eu vou dormir.

22 de outubro de 2018

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Psicopatia Compartilhada: Slowly

Quando eu era adolescente, uma das minhas diversões era comprar revistas de rock e buscar, na sessão de cartas dos leitores, pessoas dispostas a trocarem cartas com outras pessoas. Sim, eu sei, hoje parece estranho, mas não é tão estranho. Apenas a forma mudou, mas hoje está todo mundo adicionando todo mundo em redes sociais e compartilhando as suas superficialidades e vidas maravilhas recheadas de filtros.

Ocorre que, um mês atrás, eu não lembro o que estava fazendo na Google Play Store, mas, o aplicativo que eu estava atualizando ou pesquisando teve como referência esse tal Slowly. O logotipo me chamou atenção e fui ver sobre o que se tratava.

A descrição que li foi “SLOWLY lets you meet pen friends from your smartphone! Match with someone that shares your passion, write a letter and collect stamps from around the world. Speak your mind – one letter at a time!”. Um aplicativo que simula a troca de cartas, e que você escolhe os “pen pals”, os “amigos de correspondência” através das similaridades de interesses que você marca numa lista de vários e diversos. Pensei: “hmmm, ok, a premissa é boa, mas será que funciona?”. O aplicativo não tinha mais que dois meses de vida e cem mil downloads. Resolvi arriscar. No primeiro dia enviei 10 cartas para pessoas que tinham, pelo menos, 15, dos 30 interesses que marquei, em comum. Dessas 10 primeiras cartas, recebi 4 respostas. Depois escrevi mais 15. Hoje são 33 pessoas com quem eu troco cartas virtuais, e outras que eu ainda não respondi por não me sentir tão confiante ainda para escrever em inglês. Mas que responderei em breve.

O aplicativo permite que você escolha até 30 interesses, vários idiomas para recebimento de cartas, limite idade, identificação sexual e ainda que restrinja países dos quais você não queira receber cartas. O usuário cadastra um nick e escolhe um dos avatares oferecidos. A partir daí é você e o mundo que esteja interessado em mais que apenas meras palavras trocadas em redes sociais.

O envio e recebimento das ‘cartas’ enviadas depende diretamente da distância que você está na vida real do seu correspondente. Com uma eficiência bem maior que a dos Correios, obviamente. Para a Holanda, por exemplo, o tempo de envio e recebimento é de um dia. Recife e Maceió, 6 horas. Monte Alto, uma hora. Considerando o envio a partir de Ribeirão Preto. Então ele acaba tirando a pressão da resposta imediata, que o uso de mensageiros nos impõe.

Tem me sido uma grata surpresa o nível das conversas que tenho tido por lá. São pessoas incríveis, pessoas reais, com problemas, com vidas, sem filtros, sem a necessidade de likes, curtidas, etc. De certa forma, por lá, as pessoas voltam a ser mais humanas do que geralmente as redes sociais nos permitem ser. Ainda que permaneçamos em uma certa bolha, já que temos os interesses em comum disponíveis para a escolha dos destinatários, não é uma bolha formada por um algoritmo. E mesmo que os interesses sejam comuns, o ponto de vista nem sempre converge e todo mundo conversa sem precisar discutir, sem precisar lacrar, porque é uma rede social de A para B e de B para A. Ninguém lê o que se escreve entre os correspondentes. É uma conversa franca, entre duas pessoas, sem público para quem se queira, de repente, apelar para o apoio por meio de “mitagens”.

Para quem gosta de conversas reais, com pessoas do mundo todo dispostas a sair do senso comum das redes sociais e suas superficialidades, o Slowly é um aplicativo e tanto. E é a psicopatia compartilhada de hoje.

Ah! E é totalmente gratuito e sem anúncios.

SLOWLY - Play Store

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ser humano

Eu já viajei tanto pelo mundo,
já morei em tanto canto,
tanto vi com meus olhos cansados,
que o meu coração me pergunta, perdido,
onde é o meu lar.

Já tive tantos vizinhos,
tantos amores aqui e acolá,
tantos amigos pelo caminho,
que o meu coração me pergunta, solitário,
onde é o meu lar.

Já atravessei tanta colina a pé,
pulei cercas imaginárias sem papel,
fugi correndo para não morrer,
que o meu coração me pergunta, clandestino,
onde é o meu lar.

Eu já vi tanta gente nessa vida,
tanta gente deixei de ver,
outras esqueci, tantas vou conhecer,
que o meu coração me pergunta, carente,
onde é o meu lar.

Talvez por estar tanto
e, estando apenas, nunca ficar,
o mundo todo seja o meu ninho,
e todo ele seja meu lar.

15 de outubro de 2018

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Eu tô puto!

Olha, de verdade, perdoem-me meu francês, mas eu tô puto! Culpa desse segundo turno que se apresenta.

Sinceramente, seja qual for o vencedor, quem perde é o Brasil. Serão mais quatro anos de uma polarização que fica empurrando o Brasil num pêndulo de um lado pro outro, de um lado pro outro e continuaremos estagnados, sem nenhum passo a frente.

Mas isso já é de praxe na política brasileira. Quando o partido dito de esquerda assume o governo, enchendo de esperanças os seus seguidores e apoiadores, logo faz conchavos e acordos para se estabelecer no poder. Os partidos de direita tendem sempre a pautar suas políticas pela lógica do mercado, como se o mercado já tivesse, de fato, resolvido os problemas de qualquer país que seja. De tão acostumado a não mais esperar nada, eu apenas sigo.

Mas eu tô realmente puto por termos que escolher entre dois candidatos que, se a gente parar para reparar bem a fundo, acabam se equivalendo.

Um é um porra louca, fala pelos cotovelos, fala muita merda, possivelmente levando a sério o ditado de quinta série que diz que “é falando merda que se aduba a vida”, e depois tenta se corrigir, rindo espalhafatoso. Como um bufão, tentando agradar a sua plateia. É triste ver isso.

O outro possui a polidez da academia, mas não se arrisca a dar um passo sequer pelas próprias pernas, sempre indo à cela do seu mentor para descobrir o rumo seguinte a ser tomado. E dispara a falar merda, tudo para defender o seu superior, sem abrir margem para uma mea-culpa dos erros que seu partido cometeu e que deixou tanta gente enfurecida. É triste ter que assistir a isso.

O que mais me deixa puto nisso tudo é que ambos, cada um com o seu motivo, ainda não me convenceram da existência de propostas sérias para o Brasil. O polido, recentemente, até voltou atrás de uma ideia radical, para tentar atrair apoio do centro. O porra louca não fala, não deixa falar, e vai deixando com que falem por ele, façam por ele, mas depois não assume a culpa de nada o que acontece.

Quando o porra louca navegava ali na sua marolinha de 20% de intenção, eu lia colunistas, jornalistas, velhos senhores e senhoras de bastante vivência na grande mídia dizendo-se assustados com o tanto de apoiadores que as ideias radicais tinham entre a sociedade. Foi-me triste ler e ouvir esse tipo de comentário, que demonstra uma total desconexão do jornalismo com a realidade do país. Sim, até ali, na casa dos seus 20%, eu acreditava que, de fato, aqueles eram eleitores que tinham ideias como a do candidato porra louca. Mas o crescimento, dito por alguns como baseado em uma rejeição ao partido do candidato marionete, mostrado com o encerramento das urnas do primeiro turno, esse me assustou.

E me assustou não tanto pela mensagem transmitida pelo candidato dos “L’s” deitados invertidos (se opondo ao campo adversário, do L em pé). Sabe quando você só espera o pior e vai só se preparando para ele? Pois bem. O acirramento dos ânimos, a crescente onda “conservadora”, e aqui coloco entre aspas porque se formos analisar os eleitos no Legislativo com essa plataforma dita conservadora, veremos que conservadorismo é o que menos existe ali, isso tudo eu já esperava. Só que eu sou uma pessoa que fica absorta durante o período eleitoral. Eu passei horas e horas assistindo debates, sabatinas, entrevistas, lendo planos de governo, lendo material de propaganda política, quase joguei por terra o aniversário de 5 anos de namoro, completados no dia da eleição, para chegar ao fim do primeiro turno e ver, como líder, um candidato que não falou absolutamente nada em termos de propostas reais para o país. E não é um país onde tudo está às mil maravilhas! É um país à beira do colapso. A economia em frangalhos, reformas que precisam ser feitas e o discurso do líder do primeiro turno é arma de dedinho e o antilulopetismo. E só!

Não se recupera um país com o comércio de armas. Há outros comércios mais urgentes na lista das urgências. É preciso educação de qualidade, e não essa cujas escolas parecem cada vez mais com presídios (estruturalmente já são quase idênticos), nas quais os professores não são respeitados, vivendo diariamente o medo de serem atacados (carcereiros?); nas quais o tráfico seduz muito mais pela possibilidade do dinheiro rápido e de um certo status de poder (lembra um outro tipo de prédio); nas quais se entra só para passar o tempo necessário, com salas de aulas abarrotadas, para políticos encherem a boca ao dizer que 100% das crianças estão na escola (superlotação também tem em outros lugares aí).

O Brasil votou com o ódio, e mandou para o segundo turno as duas faces desse ódio. E por favor, parem de chamar de fascista toda e qualquer pessoa que não concorda com o que você diz. Nós conseguimos a façanha de banalizar o fascismo. Possivelmente é a palavra que mais leio nos meus dias últimos.

Não me venham dizer que o marionete vai fazer diferente do que já fizeram. Em 13 anos de mandato executivo você não tem o direito de fazer nada menos que aquilo que esperam os seus concidadãos. Você não tem o direito fazer pacto com o capeta e depois choramingar a alma perdida. Você não tem o direito de bater no peito prometendo mundos e fundos para a resolução dos problemas, se tudo o que pautou a sua atuação foi a manutenção do poder, dando crédito fácil a quem não tinha sequer noção de como se calcula juros simples.

Eu tô muito puto.

E não me venham dizer que o porra louca representa algo novo. Com quase 30 anos de mandatos, você tem tempo o bastante para fazer o novo, e não ser mais um encostado, recebendo votos da classe que diz representar, mas que, no seu estado, sofre as mazelas de ter que enfrentar o narcotráfico sem qualquer guarida dos seus governantes. Com 30 anos de mandato, votando projetos de todo tipo (orçamento, inclusive), você não tem o direito de sair propagando, aos risos, que não sabe nada de economia, mas que por isso você chama o seu assessor, usando o nome de uma rede de postos que ganhou publicidade gratuita (ou não, né?!) por meses seguidos. Você não tem o direito de passar uma campanha inteira sem dar qualquer explicação mais prática do que pretende fazer no governo.

Então lá vamos nós para um segundo turno cujo voto será definido pela rejeição, e só. Segundo turno que terá, a se confirmar as pesquisas, e seguindo-se a recomendação médica (que não deve, em hipótese alguma, ser desobedecida, visando a plena recuperação), um candidato que não confronta suas ideias (até por parecer, a se comentar o seu “plano de governo, possuir apenas intenções) com adversários e de quem não saberemos nenhuma proposta sólida para o enfrentamento dos reais problemas do país, para além de armas nas mãos da população de bem, que anda se odiando em cada esquina.

E eu tô muito puto por isso.

A eleição vai acabar. O Brasil vai ter que caminhar. As coisas tendem a piorar. Eu só espero que o vencedor amenize o discurso. Arrefeça os ânimos dos seus seguidores mais cegos e acéfalos. E que tentem passar pelos próximos anos sem maiores desastres.

Mas eu vou continuar puto.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Um curtinho sobre fome

Eu estou com fome,
mas quem é que não está?
A vida é um eterno caminhar
de pessoas famintas,
buscando por onde alimentar
os seus próprios desejos.

E ninguém sabe ao certo
o que desejos comem.

04 de outubro de 2018

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Alice no país das maravilhas

Ela nasceu no chão da sala,
vítima talvez do descaso,
uma negativa repetida outras vezes,
o não que negava a loucura,
mas ela estava lá,
crescendo,
desenvolvendo o que dava,
dentro da barriga apertada pelo cinto
repetidas vezes.

Um treco saindo para o mundo,
sem respirar,
sem respirar,
a vida nova já perdida,
até o choro,
que outro choro se segurou para não seguir.

Foi batizada.
Cresce feliz,
encapetada
como toda criança esperta,
que logo questionará, adolescente,
o mundo a sua volta,
as decisões que tomam por ela.

E num dia desses,
lá para o futuro,
passeando pelos becos
na região proibida da cidade,
verá um livro com seu nome
e então se questionará
"Onde é esse tal país
cujas maravilhas prometem
com meu nome na capa?".

O futuro é incerto para essa Alice.
Talvez não haja maravilha alguma.
Talvez não haja sequer país.

27 de setembro de 2018

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Sete Anjos do Apocalipse

Era meio dia, um sol de rachar concreto de areia do Sergio Naia, e ele estava lá, com seu terno preto, sua corneta, a Bíblia surrada embaixo do braço suado, suor por todo o rosto, em senhor de cabelos grisalhos, negro parrudo, voz imponente, conclamava, aos berros, o arrependimento dos infieis que se afastaram da lei divina. Todo dia ele fazia a mesma coisa, por horas e horas. Ninguém parecia ligar. Ele não ligava para quem não ligava. Continuava a gritar, tocar sua corneta e balançar o livro ensebado no ar.

- ARREPENDEI-VOS, DESCRENTES! O FIM ESTÁ PRÓXIMO! ARREPENDEI-VOS E PROCUREIS O SENHOR JESUS CRISTO, NOSSO SALVADOR!

FÓÓÓÓÓÓÓÓ, aquela corneta maldita, que me jogou ao chão, certa vez, tamanho o susto. Ele não escolhia hora, não importava se tinha gente perto, tocava com força, como um Armstrong, olhos esbugalhados, bochechas quase estourando. FÓÓÓÓÓÓÓÓÓ.

- O FIM ESTÁ PRÓXIMO!!! ELE ESTÁ VOLTANDO! OS ANJOS DO APOCALIPSE LOGO ESTARÃO ENTRE NÓS E SÓ OS ARREPENDIDOS SE SALVARÃO!

E era isso, todo dia, na hora do almoço. Eu sei que poderia escolher outro restaurante, mas aquele era o mais perto do trabalho, e o mais em conta. Ele que poderia escolher outro lugar para o seu culto ao fim dos tempos. Esperava que isso ocorresse. Nunca ocorria. Todo dia, lá estava ele, o seu terno, o seu livro e a sua maldita corneta.

Certa vez, eu estava passando por ali, era meio de tarde, um dia fresco, se bem me lembro, e uma jovem, devia ter seus 16 anos, passou junto a mãe por ele, que não perdeu a oportunidade.

- ESSAS JOVENS, VESTIDAS COMO PROSTITUTAS, ARREPENDEI-VOS! AINDA HÁ TEMPO! O FIM ESTÁ PRÓXIMO!

Aparentemente, a mãe da garota percebeu a indireta, voltou, parou na frente dele, com olhar de fúria, mesmo distante eu sentia o ódio, encarou-o por alguns longos segundos e mandou um tapa na cara.

- Prostituta é a senhora sua mãe, seu filho da puta. Tome conta da tua vida e deixe os outros escolherem o caminho a seguir. - E foi-se, puxando a filha.

Ele ficou uns segundos absorvendo o impacto. Arrumou-se, sem graça. Ajeitou a Bíblia. Segurou a corneta com força. Respirou fundo, uma, duas, três vezes. Encheu os pulmões de ar. FÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ.

- ESSA GERAÇÃO ESTÁ CONDENADA!!! MÃES QUE DEFENDEM A DIFAMAÇÃO DAS FILHAS. ARREPENDEI-VOS. O FIM ESTÁ PRÓXIMO. OS ANJOS DO APOCALIPSE CHEGARÃO E LEVARÃO TODOS OS INFIÉIS PARA O INFERNO.

Em semanas, aquilo havia sido a melhor coisa que me acontecera. A mãe defendendo a honra da filha. A armadura impenetrável do homem crente em uma profecia que estava longe de ser concretizada. O tapa. O momento constrangedor. Aquilo tudo dizia muito sobre a nossa sociedade. Mais do que qualquer um notara. E os dias seguiam. FÓÓÓÓÓÓÓÓ.

Certo dia, fui almoçar, um silêncio. Pessoas transitavam, para lá e para cá, se trombando, conversavam entre si, mas, um silêncio. Olhei em volta. Silêncio. Entrei no restaurante, fiz meu prato, desta feita, sentei-me no balcão, olhando para a rua, um silêncio. Ele não estava lá. Um silêncio profundo. Nada de corneta. Nada de fim.

Longe, muito longe dali, os céus de Jerusalém se enegreciam em pleno fim de tarde, a uma velocidade assustadora. Raios partiam os céus ao meio, num clarão de assustar. Três raios desceram feito míssil, cada um atingindo o templo de cada uma das três maiores religiões do mundo, cujo berço se fazia ali. Aparentemente, o fim do mundo deveria começar de onde foram escritos as profeciais sobre ele.

O céu abriu-se em escarlate. Desceram, então, os sete anjos do apocalipse, e por não estarem acostumados a gravidade terrestre, viram a aceleração da descida aumentar drasticamente a velocidade de chegada e se espatifaram no chão.

Os céus se fecharam. A tarde voltou ao normal. E enquanto eu pagava a conta do almoço, ouvi lá da rua.

FÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ.

Não houve o fim dos tempos com aqueles anjos. O fim estava próximo, ou talvez, nos próximos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Outra do Clóvis

Atravessei o corredor até a metade,
parei,
apertei o botão,
esperei.
Esperei...
esperei...
esperei...

(...)

Esperando,acordei suando, na minha cama.
Eu nem estava no apê dela.
Sonhei sozinho em casa,
a saudade que senti
de estar com ela.

E foi o Clóvis quem me acordou do sonho,
enquanto tocava Pink Floyd no rádio.

14 de setembro de 2018

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Aos 33

Os olhos começaram a falhar já na adolescência.
Eram olhos de águia, lembro-me bem.
Vizualizavam o ônibus que vinha a duas,
três, quatro quadras antes do ponto.
E então foram piorando.
Hoje ressacam.
O olhar torna-se turvo.
O cansaço é recorrente.

Por ser criado para ser o exemplo,
fui o exemplo do que pude ser.
Sempre estudei, li e busquei saber mais do que me cobravam.
Da escola pública, fui para uma faculdade pública.
A depressão começou naqueles dias.
Depois veio o que me tirou do sonho.

Vinte e dois, auge,
festa, cervejada,
uma brincadeira errada,
um chute que saiu pela culatra,
o joelho esquerdo.
Meses de incógnita,
médicos e médicos consultados,
e o joelho saindo do lugar
uma e outra e mais vezes.
O joelho direito se desgastou
por poupar o esquerdo.
Então os dois começaram a doer
mais do que eu pudesse aguentar.

O sonho da faculdade pública se foi.
Ficou a luta para o término do curso,
sem custos.
Prova, nota,
bolsa integral.
Erro de professor,
a raiva, a perda.
Quase desistência,
insistência,
outra bolsa integral.
Tudo pelo sonho compartilhado com quem,
perto de ver o sonho concretizado, morreu.

Vinte e muitos,
rinite,
dermatite,
depressão.
Os joelhos doíam mais do que pensava.
As costas passaram a sentir o peso dos sonhos não realizados.
A imagem do pai, ídolo, patrão, melhor amigo,
morto na cadeira de trabalho,
faziam-se mais presentes do que se queria.
O sonho compartilhado se foi,
pela confiança cega em quem não se devia confiar.

E a falta de vontade era toda a falta de vontade.
Na ânsia de não perder os dias com a mãe,
deixei-me ficar em casa mais do que deveria.
O conflito entre avó e mãe.
Mãe e filha.
Uma cuidando do filho da outra,
que dizia cuidar do resto,
e não cuidava de fato de quase nada.
A depressão pesando mais e mais.

A não vontade de continuar passou a ser amiga de copo.
Todo gole a mais era uma sessão a mais de choro
e declaração pública do vazio sentido,
da depressão presente.

Logo vieram as demais dores.
As costas se agravaram.
Chegaram as do pescoço.
Pernas. Pés.
Mãos paralisadas.
Braços dormentes.
E ela, sempre ali, à espreita.
O choro recorrente das noites de álcool.
Ele, o quase único amigo.

E aí vieram os filhos que não pedi e que nunca os tive.
Virei o substituto daquilo que não puderam ter.
Fui me assumindo assim, por não saber ser de outra maneira.
Mas logo tudo pesa, com ela ali sempre de mãos dadas.
Tanta coisa na cabeça,
tanta besteira que nem posso dizer.

Às vezes quero fugir com eles.
Tirá-los do ambiente tóxico criado ao redor.
Dar a eles um lugar onde eles sejam as estrelas,
e não outras pessoas de um lado de lá de uma conexão,
uma tela brilhante que cabe na palma da mão.
Eu queria ser mais pra eles,
porque sei que, no fundo, quem deveria ser por eles
apenas quer ser um pouco mais que o outro que deveria ser por

eles.
E isso é pouco demais para o tanto tanto tanto que eles

realmente merecem.

Mas existem os outros dias.
Os dias em que eu queria fugir deles.
Sumir.
Desaparecer.
Esquecer.
Então entendo que não é deles que quero sumir,
é da origem deles.

Um eu neguei ser padrinho,
por não querer ver uma criança sobre meus cuidados,
ser batizada numa igreja que permite padres estuprarem crianças

sobre seus cuidados.
A outra eu vi negarem a existência fetal com total cara de pau,
e nascer no chão da sala, como se não fosse nada,
"tem um treco saindo de mim", sempre lembrarei essa fala,
e que se não fosse por mim, não respirava,
seria mais um número na história de quem gritava.
Mais um, porque seria o segundo caso.

E eu ainda só não dei fim nisso tudo por conta Dela.
Se eu não soubesse que logo me faria casado,
se eu não tivesse alguém como Ela do meu lado,
eu nem estaria aqui pra esse desabafo.

Fico cá pensando, eu com meus 33 anos
sem vontade de quase nada, sem ter emprego e me embriagando,
que, talvez, tenha sido a desilusão no mundo
que levou, 1985 anos atrás, o ícone do cristianismo,
ciente de tudo (já que deus) que se fazia contra ele,
deixar com que as peças se movessem,
e que o julgamento viesse,
que a condenação sobreviesse,
e que sua morte se cumprisse.

Talvez ele já estivesse cansado demais, como eu.

Mas, para o azar de meu parceiro de idade,
não foi dado a ele o direito de amar alguém.
E ele morreu sozinho, na sua cruz, agonizando por toda a

humanidade.
Eu também me importo com a humanidade,
mas não morreria por ela.
Ela é diversa demais, com gente perversa demais,
para que eu pudesse morrer por todo mundo.
Eu não sou tão inocente assim.
Se eu for morrer,
eu vou morrer por mim.

Mas não ainda aos 33.

14 de setembro de 2018

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A Pátria Mãe Nada Gentil

Tiros!
Tiros contra uma caravana.
Tiros que tinham objetivo, não alcançado.
Tiros que feriram a combalida democracia.
Tiros!

Esquerda, direita
esquerda, direita
direita, esquerda
direita, esquerda

Uma mão salta da multidão
e de inopino atinge o candidato
que, nos braços do povo,
erguido por seus adoradores,
curva em dor.

Facada!
Facada no candidato.
Uma facada que tinha objetivo, alcançado.
Uma facada que feriu a agonizante democracia.
Facada!

Direita, esquerda
direita, esquerda
esquerda, direita
esquerda, direita.

E pedem guerra,
e pedem vingança.
E dizem que é falso
e riem do ato.

Direita, esquerda
esquerda, direita,
direrda, esqueita,
esqueita, direrda.

E deu no jornal:
“A democracia está à beira da extinção”.

Está tudo errado no Brasil.
Está tudo errado no Brasil.
Esquerda, direita
direita, esquerda…

07 de setembro de 2018

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Sem manual

O grande problema da vida
é que você já nasce num mundo pronto.
Te empurram do carro em movimento
num lugar onde nunca esteve,
sem conhecimento algum da vegetação,
sem conhecimento algum de geolocalização,
e você precisa achar o seu rumo.
Mas, o seu rumo deve estar dentro dos rumos pré-existentes,
mesmo que você não saiba os rumos pré-existentes.
E quando você tenta criar um novo caminho,
desbravando com as mãos a mata fechada,
eles virão atrás de você,
com foices,
facas,
pistolas,
fuzis,
bazucas
e tanques,
tentando te fazer desistir,
minando a sua vontade,
até que não exista mais nada
até que as mãos já não consigam abrir caminho,
até que o que reste seja se entregar
e voltar de mãos dadas ao caminho que eles traçaram.
Sem se esquecer que suas mãos estarão atadas
e a sua boca amordaçada.
O grande problema da vida
é que é quase impossível ser você mesmo,
mais ainda:
é praticamente impossível descobrir quem você é de verdade.

07 de outubro de 2015

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Nós outros

Mostrar
mais do que sentir.
Fotografar
mais do que viver.
Compartilhar
mais do que saborear.

No Instagram,
no facebook,
todo amor é eterno,
toda vida é perfeita,
até que as fotos começam a sumir,
até que os posts desapareçam,
até que se caia na real.

E não mais se pode sentir,
e não mais se pode viver,
e não mais se pode saborear
o que havia para sentir,
viver,
saborear,
amar.

E assim vamos vivendo
a vida daquele que vemos nos nossos próprios posts,
e que não somos nós de verdade.

23 de setembro de 2015

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Pequeno poema sobre a lua cheia

É normal ficar com mais tesão
durante a lua cheia,
pergunta meu coração.
Já meu pau não pergunta nada,
tá duro, torado na veia,
doido pra dar uma trepada.

24 de agosto de 2018

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Eu (nós), cão (cães)

Por que gostamos tanto de cães?

Porque somos exatamente como cães!

Não acha? Ok, vamos pensar.

Pense em cães sem donos. Livres, vivendo pelas suas próprias razões e instintos.

O que você vê?

Caos! Animosidade! A lei do cão, literalmente, sendo a lei do cão. O maior mata o menor, o menor foge, se esconde, tenta sobreviver. Se alia a outros menores para tentar matar o maior. É a lei da selva. E os covardes sucumbem aos maiores, sendo seus servos.

Nós humanos somos exatamente assim. E a democracia mesmo não serviu para extinguir essa prática. Com o capitalismo, o maior virou o mais rico, e sendo mais rico, não importa o tamanho dos mais pobres, você massacra. A não ser que os mais pobres se juntem a muitos mais dos mais pobres e, em número, eles consigam massacrar o mais rico (Revolução Francesa?).

E cães, querendo ser livres à sua maneira, na sua liberdade limitada, procuram donos, que lhes dão comida, abrigo, mesmo que tenham que sobreviver às custas de mimos e gracinhas aos seus servos.

E humanos, querendo ser livres à sua maneira, na sua liberdade limitada, procuram salvadores da pátria, políticos, milionários, “exemplos”, que lhes possam dar um motivo para continuar lutando contra o inefável destino, lhes dando a inesgotável esperança, a ilusão de que possam alcançar o inalcançável, só porque alguém alcançou. Porque a elite precisa fazer de toda exceção a regra, e o fazem. Porque toda a regra só enxerga a exceção. E milionários se tornam nosso exemplo. Não importando o que fizeram. Não importando quais atos praticaram para atingir a sua riqueza.

Os fins não justificam os meios, porque os meios são ocultados, de forma patrocinada, quando atingem-se os fins. E quando o que se vê são apenas os fins, foda-se os meios. Ele fez por merecer. Ele merece o que tem. Todos merecem o que têm quando a riqueza é atingida.

Nós somos cães! Nós necessitamos ser domesticados! Precisamos de um dono, um líder, alguém que nos possa indicar o caminho certo. Porque sem eles, corremos atrás do próprio rabo, somos inaptos, inúteis. Nós somos filhotinhos atrás de quem nos possa alimentar.

E se somos, então, cães, por que, afinal, domesticamos os cães de verdade?

Porque no fundo, ninguém quer assumir ser escravo, e todo escravo só quer ser o que seu senhor o é.

Viva a “amizade” entre espécies.

Salve os animais de estimação.

Porque eles não são escravos, afinal, sem nós, eles não sobreviveriam.

Como não sobreviviam os escravos, antes da existência da escravidão e seus senhores.

Viva os animais de es-ti-ma-ção! Sejam de que espécies forem, viva!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Mês do Cachorro…

Não, o seu cachorro não te ama.
Não, o seu gato não te adora.
Eles fazem, por muito menos,
e dando muito menos,
o que eu faria por ti.
Sim!

Dê-me casa,
os ingredientes para fazer
o que iríamos comer.
Dê-me o álcool da criatividade,
dê-me casa.
E quando teus passos atravessarem o corredor
e quando o som de teus passos tocarem os meus ouvidos,
serei eu o teu cão, eriçado, na porta
a secar as mãos no avental,
como um cão real abanaria o rabo,
esperando-te abrir a porta,
esperando-te sorrir pra mim,
e sorriria.

E sentaríamos juntos
e ouviria o teu dia,
e comeríamos o manjar dos deuses,
todos os dias,
e eu te banharia o cansaço,
e você me banharia os temperos,
e deitaríamos o desejo num orgasmo sincronizado
(nem sempre -
mas sempre um
e noutro dia o outro).

A vida seria justa,
sem latidos a atrapalhar os vizinhos,
sem merdas a recolher com sacolas.
Apenas eu e tu,
você e eu,
amando-se um ao outro,
justamente como quis Deus.
Porque nenhuma passagem bíblica
citou ser um ser humano
mãe ou pai de um animal.

14 de agosto de 2018

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Seguro de vida

Todo mês uma parte do suor
destinado para a mensalidade
do que nos prometem
para depois de não mais haver suor.

Todo mês.

Uma parcela do que poderia ser aproveitado
para viver a vida mais vivida do que vivemos,
gasto em um pseudo-investimento
para o pós-morte.

Seguro de vida.
Seguro pós-morte, isso sim!
Mas o nome soaria estranho,
a morte não vende tão bem.

Seguro de vida,
que só é pago se a morte for bem confirmada
e atestada
e carimbada
e ocorrer nos estritos limites do contrato.

E pagamos enquanto a vida nos deixa,
tudo para que os nossos entes queridos
possam viver, com um conforto a mais,
a certeza inexorável
de que estamos mortos,
irremediavelmente mortos.

07 de agosto de 2018


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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Acidente

E estou aqui com ela
que dorme ali do outro lado
no colchão de lá,
minutos depois de anunciar
que já iria dormir.

Minhas costas reclamam posição,
meu pescoço reclama posição,
a minha alma custa a encontrar lugar
no corpo em que habito e insisto.
Eu não consigo dormir.

Viro de um lado a outro,
misturo travesseiros,
rolinhos e almofadas,
passo o pé nos duzentos fios do lençol,
tento.

Uma freada. Uma batida seca.
Lá fora as luzes insistem em não se apagarem.
A noite é já e a claridade invade a sala
onde os colchões recebem os corpos cansados.
Ela dorme. Eu procuro entender.

Uma sirene. Vou a sacada. Tento entender.
Outra sirene. Estico a cabeça fora da grade,
vejo luzes, sirenes ecoam.
Volto a deitar. Mais sirenes.
O que há? O que aconteceu?
Procuro sem sucesso.
As luzes brilham longe.
Minha câmera não alcança,
fotos sem nitidez.
Procuro sem sucesso.
Vou tentar dormir.

No dia seguinte apenas uma nota genérica
sobre o acidente na Presidente Vargas,
uma morte.
E nenhuma menção a minha insônia
e às especulações da minha mente doentia
sobre o que fora aquela freada seguida de batida
e luzes na madrugada de um domingo.
Mas nem foi por isso que eu não consegui dormir.

02 de agosto de 2018

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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Página 94

Nono andar. Página 93. Chamo o elevador e espero. Página 94. As portas se abrem. Entro. Aperto o botão, espero. Ainda na página 94. Ainda na página 94 o elevador para no quinto andar. Ainda na página 94 um senhor entra, todo cuidado. Verifica o botão, todo cuidado, espera.

Ainda na página 94 as portas se fecham. O elevador põe-se a descer, quarto andar. Com dificuldades ele tenta abrir um pote, com dificuldades olha desconsertado para mim, ainda na página 94, que sorrio. Com dificuldades, venço a antissociabilidade agravada pelo livro em mãos (também se agrava com fones de ouvido) e me disponho a ajudar.

Fecho o livro na página 94. Estendo as mãos. Pego o pote e me coloco a tentar abri-lo. Com dificuldades, não tantas quanto às dele, abro o pote e  o devolvo. O elevador está parado no subsolo. Ele agradece com o olhar terno dos senhorezinhos carentes de alguém com quem estar na velhice de seus dias. Sorrimos. Nenhuma palavra trocada. Sem nenhuma dificuldade nos despedimos.

Ele para um lado, eu para o outro. Nos separamos com o resquício da presença breve. Todo contato humano permanece vivo até que nos esqueçamos. Abro o livro na página 94. Pego o que preciso e volto ao elevador. Aperto o botão, página 95, estou voltando ao nono andar.

31 de julho de 2018

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Cuspir no prato que comeu

Durante uma coletiva de imprensa:

- Deputado, o senhor foi membro ativo do partido que hoje é seu principal alvo de críticas. Inclusive, muitas das políticas implementadas pelo partido teve o senhor como defensor ferrenho. O senhor não acha que isso é cuspir no prato que comeu?

- Em primeiro lugar eu quero dizer que não há problema algum em mudar de opinião. A gente vai envelhecendo e evolui.

- O senhor acha então que as ideias anteriores eram retróg…

- Deixa eu terminar de responder e aí você pode fazer suas considerações. Continuando, em segundo lugar, não sei o porquê de tamanho desespero em se cuspir no prato que comeu. A gente engole catarro toda vez que fica gripado e ninguém fica por aí alardeando “comeu o catarro que produziu”. Aliás, o problema não é cuspir no prato que comeu. É comer de novo no prato cuspido. Por isso eu sempre recomendo lavar bem o prato depois de cuspir. Sempre dá pra aproveitar. Até mesmo os descartáveis. Próximo!

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Luto

De alguma forma ela tentou me consolar,
pegou minha mão com cuidado, olhou-me nos olhos,
"Se a vida fosse fácil,
a gente não começava ela com um choro".

Eu não sei se chorei quando nasci.
Sei que ali eu não estava chorando,
talvez por ter chorado muito antes,
visualizando o que viria depois.

Mas a vida não é fácil, isso é um fato.
Ao menos é assim para a maioria das pessoas,
a esmagadora maioria das pessoas,
que formam uma maioria quase unânime.

Ônibus, vôo, a primeira aula,
carteira, celular, o bilhete premiado,
empregos, oportunidades, amizades,
amores, entes queridos, vida.

Uma perda segue-se a outra,
e outra vem em seguida.
Um dia a gente se perde
e outros lamentarão.

Lamentos, lamúrias, choros, angústia,
a negação colérica da troca que deprime até aceitarmos.
As cinco fases que nos prendem ao fundo,
as fases que antecedem o próximo passo.

Tudo se mistura na incompreensão do que é certo.
Tudo se perde na não aceitação do que é certo.
Tudo se confunde no querer negociar o que é certo.
Todos tentam nos dizer que perder é só o que é certo.

Quando então aceitamos isso como verdade única,
vamos nos enganando com o que pode nos distrair.
Vamos camuflando em camadas de sorrisos falsos
a realidade triste por detrás da armadura de ferro.

"Se a vida fosse fácil,
a gente não começava ela com um choro."
Então vamos sorrindo para não chorar,
enfrentando os dias para não se entregar.

E tudo dói.
Cada lembrança, por melhor que seja,
é uma estocada no peito,
uma pancada de fazer cair.

Vai-se tateando no escuro com olhos cegos,
procurando uma muralha de força
onde se possa escorar as fraquezas, as dúvidas,
encontrar a vontade para prosseguir.

E assim a gente vai tentando esconder a dor
na vista da sacada de um apartamento
que dá para o trânsito congestionado
de uma avenida famosa da cidade.

Mas a verdade é que, no fundo, a dor nunca sai de nós.

25 de julho de 2018

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quinta-feira, 26 de julho de 2018

Há jovens e jovens no nosso tempo (e deve ter havido em todos)

Que tempo o nosso no qual tratamos como coitadinho
o 'jovem' de 26 anos, dez de carreira,
que ganha milhões (chegou a bilhão?) e milhões,
com uma equipe toda a seu redor para fazer todo o resto da vida,
para que ele se foque apenas no que precisa fazer
(o que fazem de graça tantos outros jovens, mais jovens até),
e tratamos como animais os jovens, bem mais jovens,
que se matam para ganhar migalhas de miséria
e, no afã de terem o que não podem ter,
são cooptados por outros jovens, pouco menos jovens,
que desfilam escondidos nos becos escuros com seus dentes de ouro,
e dinheiros nos bolsos onde guardam as chaves dos carros
e nomes de garotas, e dos que não pagam.

E os jovens mais jovens devem morrer pelos seus erros,
mas o jovem de 26 anos, dez de carreira,
centenas de milhões de dólares na conta,
dezenas de parças que fazem todo o resto da vida,
sofre demais em seu jatinho particular,
sobrevoando a favela que lá embaixo grita sem ninguém ouvir.

É difícil ser Neymar.

25 de julho de 2018


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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Talvez

Talvez tenha sido o tempo.
Talvez tenha sido o método.
Talvez o desconhecimento
sem a capacidade de reconhecer-se incapaz.
Soberba demais.
Talvez tenha sido mais que isso
e talvez não tenha sido nada disso.

Talvez a vontade de acertar
atropele a capacidade de fazer.
Talvez o querer ser mais
do que realmente se pode ser.

Eu só queria fazer tudo certo.
Eu só queria que tudo saísse como o desejado.
Eu só queria não ter errado.

E eu que venho errando desde que me reconheço adulto,
ainda me abalo sobremaneira no erro de um peixe que quis fazer
e não consegui, ou não soube.

Talvez eu devesse parar de tentar.

19 de julho de 2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

A última foda

Outro dia estava conversando com conhecidos (conhecidos porque, de um dado momento para os atuais eu notei que chamava de amigo quem já tinha sido há muito, ou nem mesmo foi, e notei que os amigos me faltam, como faltam-me saldos positivos nos três cartões de créditos cujas faturas me machucam mês a mês). Bem, estava com esses conhecidos, na festa de aniversário de um deles que nos reuniu num bar, e, versando sobre minha afetada vida sexual daquele momento, percebi que a grande maioria dos conhecidos do sexo feminino me achavam um grande possuidor de fêmeas. Era incrível, eu que tinha tido poucas experiências sexuais, apesar de saber falar muito bem sobre o assunto (leitura é algo que sempre prezei), era visto com um ás do sexo. Invejei a imagem que eu passava. Ao menos a imagem de bêbado eu achava que fazia jus.
Das poucas experiências sexuais que tive, não, deixei-me corrigir. Das poucas mulheres com as quais tive contato considerado sexual, de uma forma ou de outra, várias foram as situações sui generis.
A virgindade perdida no trabalho de meu pai com uma funcionária recém-contratada da empresa (que descobri depois ser a filha do chefe), a broxada seguida de um copo de leite morno (tinha no cardápio do motel) que me custara mais de quatrocentas pratas, até mesmo a quase enrabada com um dildo monstruoso, três vezes maior que meu pau (possivelmente quatro) quando topei uma festinha com uma amiga lésbica (nunca tentem festinhas com lésbicas, prefiram as bissexuais ou as afetadas), cada experiência era única e foram únicas. Eu sei, eu sei, as pessoas citadas acima acham que isso era rotina na minha vida, talvez eu seja um exímio contador de histórias.
Mas, hoje, enquanto cagava lendo uma entrevista com um famoso jogador de futebol que descobrira um câncer fatal e que havia solicitado a suspensão do seu tratamento para poder disputar o último jogo da sua carreira, um clássico local. Comecei então a pensar como seria saber a hora da morte. Daí minha cabeça pervertida me levou a sexo, o que me parece bem estranho agora, considerando que coisas saiam do meu cu, alargando-o. Bem, fato é que comecei a pensar como seria a experiência do último sexo consciente.
Minhas últimas trepadas haviam tido uma elevada dose emocional. Eu tenho andado bastante emotivo nos últimos anos, tenho até evitado beber para não exacerbar ainda mais essa emotividade (e tenho falhado bastante nisso). E fiquei martelando isso enquanto borrava o papel higiênico branquinho e dava a descarga. Lavei as mãos e me dirigi a cama, onde deitei dúvidas eram disparadas como uma metralhadora sem controle.
Como seria a última foda da vida, sabendo-se aquela a última? O sexo teria o mesmo gosto? A buceta se tornaria um órgão ainda mais mágico do que já é? O pau entristeceria pelo fim sabido ou se desdobraria em artimanhas para aproveitar a última alegria? O orgasmo viria rápido? Seria prolongado até a última hora? Haveria choro após o gozo? E a quantidade de porra? Dependeria da causa mortis as reações? Haveria choro? Experimentar algo novo ou ficar no que já se conhece para evitar erros? Preliminares longas ou sexo curto e grosso? Quem escolher? Uma mulher qualquer que não saiba de ti? Alguém do passado? Haveria choro?
Dormi ainda em meio ao tiroteio e acordei com os pensamentos ainda frescos na memória. Tomei um banho rápido, um café preto com um pedaço de pão amanhecido e saí.
Contei isso para minha mãe, em seu túmulo. Mamãe morrera havia dois anos. Nada disse após o fim dos devaneios. Estivesse viva, provavelmente, teria me mandado tomar no cu.

04 de setembro de 2015

segunda-feira, 16 de julho de 2018

É como voltar ao ponto de partida

Clóvis de Barros diz que felicidade é o momento que você não quer que acabe, um momento que tudo está tão bom que você quer que dure para sempre. Sabe quando você está num lugar e não quer sair por nada? Um lugar que te parece natural estar e que você poderia jurar que a felicidade mora ali? Então, é mais ou menos como me sinto aqui. Ela sabe disso, ela sabe. É por isso que sempre diz não entender o porquê de eu gostar tanto. Ela sabe que eu fico feliz, como uma criança morando no brinquedo desejado, mesmo não entendendo o motivo. Mas talvez seja porque eu estava em um lugar que não queria, muito muito tempo atrás, e acabaram me tirando à força. Eu não queria sair. Não queria. Para mim não era a hora. Eu ainda queria curtir um pouco mais. Deixar fluir e, se fosse mesmo necessário, aí eu sairia, quando fosse a hora. Quando eu achasse que fosse a hora. Mas me tiraram à força, não tive como resistir. Eu realmente não tinha como resistir. Tiraram-me à força e então tudo acabou. É por isso que eu gosto tanto daqui, sabe? Acho que me lembra mais ou menos aquele ambiente que me vi forçado a deixar. Até dizem que seria mais natural se me tirassem de lá para algo como isso. Mais natural, dizem. Então eu gosto daqui. E gosto assim. Ficar parado. Só deixando estar. Visualizar o inimaginável. Deixar a mente passear no tempo dela, no espaço dela, na transcendência dela, e intranscendência também. Ela só quer ser livre. E aí eu fico aqui. Parado. Olhando para o nada, mas analisando tudo, pensando em tudo. De fora podem pensar que nada está acontecendo, mas aqui tudo acontece. As coisas fluem. São pontos de vistas diversos se você pudesse ver com meus olhos. E deve ser por conta daquela vez. Da vez primeira que me tiraram de onde eu queria estar, e me forçaram a estar onde eles achavam que eu deveria estar. É uma merda ser forçado às coisas. É uma merda não poder escolher. Por isso toda vez que eu tenho oportunidade eu procuro aproveitar. Isso aqui me faz voltar no tempo. Quando o tempo ainda não era tempo. Quando o mundo não era mundo. Quando eu não me era e era todo eu em potencial. Quando tudo era possível e todas as possibilidades eram possibilidades infinitas. Eu gosto daqui. Não importa se estou sozinho, se não estou. Não importa o que está lá fora, aqui dentro sou eu, de volta ao que poderia ser. É estranho, mas é natural. É diferente, mas é quase igual. É difícil de explicar para quem não viveu o que eu vivi. Para quem não nasceu de fórceps como eu nasci. Eu estava onde queria e me tiraram de lá. Hoje eu aproveito isso aqui, e não saio dessa piscina por nada, a não ser por minha própria vontade. Eu gosto demais disso aqui. Ô se gosto!

15 de julho de 2018

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Clóvis

Ela passava por um momento difícil. Acabara de perder o pai, a família mudara-se tentando evitar as inevitáveis lembranças e eu era um contraponto na tristeza geral que assolava os, também, meus (sim, pois quando se está num relacionamento, a família do outro torna-se sua família e, aceitar esse fato, melhora, substancialmente, a aceitação de todos os eventuais – na sua opinião – defeitos que de lá vem). Apesar de certa relutância (eu não lido muito bem com a situação toda), senti que já passava da hora de dar alguma contribuição para aqueles que, logo, seriam, oficialmente, minha família.

Depois de ajudar com a mudança, e auxiliar no que podia com meus dotes de marido de aluguel (que são quase nulos, mas, poeta que sou, finjo bem saber do que nada sei), passei o dia da mudança, exausto, na nova residência.

Em dado momento, necessitando da bolsa dela que ficara no carro, na garagem, ofereci-me para descer, posto que todos já estavam em seus pijamas. Peguei a chave, calcei meus chinelos, atravessei o corredor até sua metade, onde ficam os elevadores, chamei.

Espera. Espera. Espera. Entra. Aperta SS (que não é um botão que te leva ao escritório da polícia nazista). Subsolo. Desce. Desce. Desce. Chega. Abre a porta, saio. Caminho os 30, 40, 50 metros até o carro. Aperto o botão do alarme. Nada! Aperto novamente. Nada. Outra. Nada. Luzes no subsolo. Alguém está vindo. Aperto. Aperto. Aperto. Luzes mais fortes. Aperto. Clic clic. Destravou. Abro a porta. Pego a bolsa. Fecho a porta.

Aperto o botão da trava do alarme. Clic. Ufa! Fecha. Luzes mais e mais próximas. Carro preto. Casal dentro. Param. Do lado da vaga. Vizinhos? Vizinhos! Passo pelo carro, aceno com a cabeça para o motorista. Homem. Sigo ao elevador. Chamo.

Espero. Espero. Chega. Ouço alarme do carro preto. Passos de salto alto. É a mulher. O elevador chega. Abre. Seguro. A mulher entra no meu campo de visão. “Quer aproveitar?”. Ela aceita. Ele vem em seguida. O homem e sua camiseta. Entram, eu entro. Mesmo andar. Elevador fecha.

- Vocês mudaram recentemente? - pergunta ele. Sisudo. No canto do elevador. Reticente.

- Sim. Eu sou namorado de uma das moradoras, estava ajudando. - respondo solícito.

- Sejam bem vindos. - o casal bem recebe em uníssono.

- Gostei da sua camiseta. - diz o homem, apontando para minha camiseta da cerveja verdade puro malte patrocinadora de grandes eventos esportivos.

- E eu gostei da sua. Digo apontando com o queixo a sua camiseta de uma das maiores bandas de rock do mundo. E acho que a sua é melhor, tento ser gentil.

- Não, a sua é. Ele devolve a gentileza.

- É, talvez as duas juntas então.

- Nossa! - ele se empolga, citando um álbum ao vivo da tal banda como acompanhamento para latas da cerveja da camiseta.

- E você já tomou muitas hoje, né, Amor? - tenta desempolgar a centrada mulher.

O elevador para. Ele se empolga, vem na direção de onde vou, após ter dado boa noite.

- Vamos lá dar as boas vindas.

- Não, Amor, já tá tarde.

A cara da frustração. Rio empático ao seu sentimento. Um vínculo estava criado. A cerveja e a banda. Estampadas em camisetas que talvez não tivessem a intenção de criar tamanha empatia e cumplicidade instantâneas.

Entro no apartamento sorrindo da situação. De dentro ouviram as conversas e risadas do corredor, questionam-me. Conto o que acabo de contar e riem todos. Eu havia, em tese, feito o primeiro contato com novos vizinhos. A primeira ‘amizade’.

Mal sabiam eles, como eu mal sabia, o que ainda estava por vir.
Clóvis seria um personagem muito mais constante nas histórias que vivi naquele condomínio. A banda, a cerveja, ainda seriam protagonistas maiores que apenas marcas estampadas em nossas camisetas.


12 de julho de 2018

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Água

A garrafa d’água
sua triste ao lado da cama.
É só água
e tristeza.

A garrafa é de plástico,
possivelmente contém aqueles produtos nocivos à saúde.
A tristeza é de ferro,
e contém outros produtos, também nocivos.

E a vontade está longe
repousando em outra cama.

Água para noite sem sono.

Que sono a água traz?
Afogar-me?
Falta água.

Água pouca
para um sono sem fim (ou do fim?).


30 de julho de 2014

05 de julho de 2018


Perdoem-me o sumiço. O bloqueio me pegou de jeito.

Canal do blog no Telegram: t.me/psicopatia

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Ser o suficiente

Eu sou bom em ajudar pessoas, sabe? Eu sou.

Se eu fosse um coach, a dica primeva seria: faça tudo aquilo que eu não faço. Tente seguir o que eu digo.

É isso, faça o que eu digo, não faça o que eu faço.

A minha vida tá uma merda.

Mas no plano ainda pode dar certo. Poderia, se eu tivesse uns 20 anos. É que eu acho que eu ainda posso ter 20 anos. Mas tenho mais de 60, quando marco 33. É que eu tô meio cansado.

Eu olho pro mundo, esse mundo aí, com Trump, Temer, Troudeau, Neymar, Pepe, Thiago Silva, Lula, Ciro, Bolsonaro e penso "Puta que pariu, mas que porra de mundo é esse?". Cansa essa situação toda.

E aí são os mesmos leitões, garças, furões, os mesmos todos animais de sempre os mesmos mesmismos de sempre e o mesmo cansaço. E tudo o mesmo e nada muda e eu canso e continuo cansando, porque nada muda, nem o cansaço e cansaço que não muda cansa mais e mais e eu sigo cansando.

E como é chato olhar pra esse mundo de gente morrendo, gente de luto, gente pensando na saudade de gente que morreu e que antes de morrer pensou na saudade da gente que não morreu ficaria pensando na gente que morreu e cujo luto rende-se a eles. E eu canso disso tudo, porque passei por isso e só sinto raiva.

Eu não sei.

E é tanto lamento de um lado e de outro, por motivos todos iguais e distintos, e eu, que ninguém ouve o lamento ou nem sabe, porque eu não lamento, vivo com eles e tento seguir, eu que vou morrer sofrendo o que sofro enquanto tento salvar os que sofrem dos seus sofrimentos.

Sabe, eu canso de ser eu, porque sei o que eu sofro.

Mas não canso de ser o eu que ajudo os que sofrem, pois quando ajudo os que sofrem eu não sou o eu que sofre o que sofro, eu sou o que sofreu o que sofri, tentando ajudar os que sofreram algo parecido, e no meio do sacrifício de equilibrar a dor e o conselho, eu vou tentando fechar feridas dos dois lados, mesmo sabendo que não posso, em definitivo, fazer os milagres que esperam os olhos que me observam.

Eu nunca sou o suficiente.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Eterna

Eu cago na boca de Newton,
eu urino na cabeça de Einsten,
eu jogo amendoins na jaula de Darwin,
e faço bigodes nas fotos de Marie Curie.
Eu desenho pintos na boca de Aristóteles,
eu cuspo na cara de Galilei,
eu atiro ovos no peito de Pasteur
e chamo bombril a barba de Maxwell.

Eu sou a ignorância,
o deus maior,
a força verdadeira e natural
da natureza humana.
Vocês podem tentar me matar,
podem encher escolas,
podem escrever livros,
podem lançar documentários,
produzir palestras,
eu remanesço.

Eu vivo incrustrada debaixo da unha suja
de quem se deixa ser pensado.
Eu sobrevivo incólume na dobradiça peluda ou no peitoral másculo
de uma ou outra feminista, um ou outro machista.
Eu me mantenho austero na mancha branca de alvejante
da camisa vermelha velha e surrada do esquerdista parado no tempo.
Eu resisto bravamente em meio aos coliformes fecais
das notas verdes e encardidas dos dólares encarcerados em cofres.
Eu permaneço saliente nas orelhas amarronzadas
dos livros ditos sagrados dos defensores da tradição de morte.
Eu subsisto.
Eu me conservo.
E o seu absurdo por me saber assim,
só confirma a minha tese:
Eu sou eterna.

05 de junho de 2015

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Milho

Você come arroz, feijão, bife, batata frita,
salada de tomate.
Ele come risoto de limão siciliano, filé mignon,
legumes cozidos no vapor.
Ela come foie gras, escargot,
espuma de legumes.
Aquele come feijoada, couve, torresmo,
laranja.
Cada um come o que o dinheiro pode comprar.
Cada um come o que acha conveniente.
Cada prato com seu jeito.
Cada jeito com seu preço.
E vem a natureza e despeja tudo pelo cu,
sem jeito, sem forma.
Transforma o caviar
em irmão gêmeo da dobradinha.
Tudo vira merda.
Nada resiste ao poder homogeneizador do cu,
menos o milho.
O milho vive a sua própria natureza,
ele não se mistura.

28 de maio de 2015

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Suicídio

Passei boa parte do dia, e por boa parte do dia lê-se ‘poucos minutos menos que uma hora’, o que, para o que falarei a seguir, é um tempo considerável, eis o que vem a seguir, pensando em suicídio.

Estou com um frio fora do comum para o que me é comum sentir frio. Sinto que adoecerei em breve, nos próximos dias, ou horas. Meu mouse com problemas forçou demais meu braço direito, o pulso dói e quase me impede de digitar.

Hoje tudo atrasou, não me deixaram prosseguir no trabalho (preciso me desligar das pessoas, na verdade, preciso me desligar do trabalho), e pensei por alguns minutos, novamente, em suicídio.

A vida me parece superestimada, às vezes, mas sei que a vida, em verdade, é subestimada. É o capitalismo, talvez, que superestima a posse, a propriedade, e vamos nos empossando de coisas inúteis, uma atrás da outra, e perdendo a propriedade sobre nossas vidas.

Gosto de poucas pessoas, mas nem sempre gosto de conversar com elas. Não digo, não revelo, com medo de magoa-las. Por medo de magoar a outros eu fico me magoando, sofrendo. Eu deveria abandonar tudo e sumir. "Não me amem", escrevi outro dia. No fundo eu queria dizer isso mesmo, disfarcei quando me questionaram.

O pulso dói demais, e ainda pulsa. Mas pensei em suicídio hoje. Fico triste quando começo a relevar esse tipo de pensamento. Não é algo fácil de se conviver esse desprendimento da vida. E vou tentando. Não o suicídio. Mas, sim, evitá-lo. Vou tentando viver. Acho que estou precocemente cansado. Nunca fiz nada diferente do que faço hoje. Meus 30 anos me pesam como a uns 70, ou 80. Dizem agora que a vida começa aos 50 e eu já estou morrendo vinte anos antes.

Talvez não seja nada. Talvez eu só precise beber mais.Mas a cerveja anda excessivamente cara, pelo menos a boa cerveja. E não existe cerveja após o suicídio, ao que parece.

Melhor continuar tentando.

12 de maio de 2015 (revisado em 04 de junho de 2018)

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Harmonização

Salada de beterraba.
Uma garrafa de tequila.
Um bar repleto de oportunidades.

O sono ébrio do esquecimento.
O tapa na cara do sol escaldante.
A merda vermelha
espalhando dúvidas
em cada prega intacta
que não se tem coragem de tocar.

Definitivamente,
beterraba não harmoniza com amnésia,
em nenhuma de suas formas.

11 de maio de 2015

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Carta poema (porque era o nome do arquivo)

"Na cama, na hora do sono,
todo pensamente vem pra te despertar"


Acabou a cerveja.
Felicidade líquida, efêmera. Desce pela goela. Cai no bucho, é mijada. Fim do ciclo? Não. Deixa o capeta percorrendo no corpo. Marvada.
Beber sozinho, eis o meu dilema.
Morrer sozinho, eis o nosso destino.
Os olhos cansados, com o corpo.
A alma desperta, com a pena.
(porque é mais bonito falar pena
ao invés de assumir que tudo não passa de uma tela em branco
em um computador qualquer, de teclado carcomido e sujo)
Lágrimas de travesseiro.
Tanto se perde, pouco se conquista.
Vida.
Pouco vivida.
Pouco por viver (nunca se sabe, melhor não arriscar).
Triste fim. Triste começo.
Meio que não acaba mais,
até terminar pra sempre.
Mundo que não muda.
Humano que piora.
Acaba logo
e nos livre de tanta estupidez,
nos liberte de tanta dor.
Acabou a cerveja
e a vontade de buscar mais morreu com o último gole,
horas atrás.
Melhor deitar.
Melhor tentar sonhar,
pois viver tá foda,
morrer só mais depois.
Venha pra cama.


10 de janeiro de 2014
26 de maio de 2018

segunda-feira, 28 de maio de 2018

O menino Brasil

Brasil era um menino de classe média, morador de uma cidade qualquer em um país dos trópicos.

O pai de Brasil trabalhava em uma fábrica de miniaturas de caminhões. Brasil, que adorava caminhões, passou a ganhar diversos modelos das miniaturas feitas pelo pai na fábrica. A frota foi crescendo e, em pouco tempo, Brasil tinha dezenas e dezenas de pequenos caminhões. E fazia tudo com seus 'truckzinhos'.

Um dia, na escola de Brasil, a professora de geografia organizou a Feira de Modais. Brasil ficou feliz em poder mostrar seus caminhões. A professora, no entanto, advertiu que seria bom se aparecessem com outros modelos. Brasil então pensou 'vou pedir um trenzinho para mamãe'.

Chegando em casa, Brasil contou sobre a feira para sua mãezinha e pediu o trenzinho. Sua mãe enfurecida disse que ele não tinha o direito de pedir mais nada, que ele já tinha caminhões suficientes e que a família não tinha dinheiro para comprar outros veículos, só para uma Feira da escola. 'Mas os outros meninos vão levar barcos, aviões, eu quero um trenzinho, mamãe'. 'Você não é os outros, Brasil'.

No dia da Feira, Brasil apareceu com suas dezenas e dezenas de caminhões, que ficaram emperrados nas poucas vias que a escola havia construído. Os outros meninos riam e se divertiam com seus barquinhos, aviões, trens.

Brasil realmente não era os outros. Ficou triste, parado num canto, com seus caminhões.

26 de maio de 2018

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Andei pensando em morrer mais do que gostaria de admitir

A página em branco, de certo modo, reflete o que se passa aqui dentro, onde as ideias são criadas, onde a vida se desenrola. Nada. Nem um sopro de inspiração. Nem uma minguada frase para o desenvolvimento posterior. Nada.

Dizem que depois da tempestade vem a calmaria. No meu caso, em momentos como este, penso que a minha tempestade veio seguida de um desastre nuclear. Uma Fukushima que não encontra seu caminho de recuperação. Nada.

Área arrasada. Nada.

Mas mesmo em meio ao nada, algo pode surgir. E surgiu. É a alegria única. A força motriz que impede que o organismo pare. O ar que não me deixa morrer asfixiado. O motivo do sorriso perdido em meio a um oceano de tristeza. Por ela apenas, praticamente, é que a vontade não se torna negativa. Por ela apenas, praticamente, é que ainda penso em prosseguir.

Mas é cada dia mais difícil. Falta-me força. Falta-me vontade. Sobra-me desmotivos. È como se eu caminhasse olhando aos céus, procurando alcançar aquele ponto luminoso que tenho como a saída do poço em que caí. No entanto, a cada passo, olhos voltados para a luz, a luz parece ficar mais e mais distante. Eu ando pra trás. Eu deixo-me ir.

O tempo passa sem me dar pela passagem. Não sei que dia é hoje. Não sei o que fiz ontem. Não posso dizer quanto tempo estou assim. Parece que ontem foi o que tudo foi nos últimos anos, e o dia de hoje é um eterno não chegar de amanhã. Eu tento me convencer de que posso mudar, de que posso sair daqui. E vou deixando de tentar, convencendo-me que talvez eu não tenha mais forças. Pior, talvez eu não queira mais sequer tentar.

Os que me estão próximos são como âncoras me puxando ao fundo. Dizem o que eu sei em cansaço. Repetem a mesma ladainha, como se pela repetição o milagre ocorresse. A droga que não funciona para combater determinada doença não a combaterá pela repetição da dose. Por mais antibióticos que se tome, a infecção viral não vai se curar. Não pelo remédio, ao menos.

Isso sem falar nos elogios vazios, nas qualificações sem base. Só faz piorar. Só faz parecer que o gênio que tanto propagam é, em verdade, um fracote que deita e chora em posição fetal diante dos problemas reais da vida. E repetem. E repetem. E tornam a repetir. Como marteladas que se dá em cabeça de prego já totalmente fincado na madeira mole.

O choro já nem me vem. Engasgo-me, chego a quase sentir ânsia. Não por não querer chorar. Quiçá por querer demasiado.

Mais de semana sem conseguir sentar e escrever algo que me dê prazer.
Falta-me a inspiração.
Falta-me a vontade.
Chego mesmo a pensar que falta-me o álcool.

O que não me falta é essa vontade de querer abandonar tudo e deixar com que o mundo siga sem mim.

E mesmo nisso, falta um pouco de vontade para completar a vontade total.

Para quem perguntar, eu vou continuar afirmando que estou bem e manterei o bom humor forçado de sempre.

Talvez hoje eu chore, enfim.


24 de maio de 2018

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Estatuto do Desarmamento

Na sala da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, um debate acalorado acerca da flexibilização do Estatuto do Desarmamento. De um lado, a bancada da bala defendendo o fim da proibição extensiva da venda e porte de armas de fogo, de outro lado, os opositores defendendo a tese de que mais armas apenas aumentaria a violência, com mortes fúteis podendo ocorrer, por exemplo, por causa de uma discordância no trânsito.

O Senador Capitão Treisoutão pede a palavra e após um discurso efusivo finaliza:

- As armas são apenas instrumentos e, nas mãos do cidadão de bem, cumprirão  a sua função, que é a de garantir a segurança da família brasileira. Portanto, nobres colegas senadores, como vimos, não são as armas que matam, são as pessoas.

Vaiais misturadas a palmas e urros.

Finda a discussão, passou-se à votação.

Por maioria esmagadora o projeto foi alterado, aprovado e encaminhado para o plenário. Em seu artigo primeiro fez-se constar:

"Art. 1º - Fica terminantemente proibido o porte de pessoas por qualquer arma de fogo no território brasileiro, nos moldes desta Lei, que passa a vigorar a partir da sua aprovação."

As armas protestaram.


03 de maio de 2018

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Sentença

Sua irmã apresentou a filha recém-nascida, toda enrolada em sua roupinha com aquele cheiro acolhedor que só os bebês possuem e que se perde com o tempo. As mãozinhas enrugadas seguraram o seu dedo, ela olhou fixamente para os olhinhos que custavam abrir e sentenciou:

- Ela vai morrer.

A irmã subitamente puxou para si o pacote de vida fresca e abraçou-o forte, o tempo fechou, nuvens carregadas cobriram o sol que brilhava há instantes, o cunhado partiu para cima da jovem "O que você disse?", "Você está louca?" vociferou a mãe de primeira viagem.

- Todos vamos morrer, disse.

Os olhos enraivecidos viraram mãos pesadas a empurrar para fora da sala a jovem tia, "Saia já sua maluca!", "Vamos, fora!", e outros tantos gritos seguidos de xingamentos.

Eis que a maior obviedade, o fato mais absurda e repetidamente comprovado na história da humanidade havia sido rechaçado por quem estava distante da realidade.

Ela saiu a caminhar pela rua, ouvindo um rock antigo, enquanto as primeiras gotas caiam sobre todos. Como a morte um dia cairá.


23 de abril de 2018

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Câncer Terminal

Ajoelhou-se, olhou pro céu, pensou em Deus e chorou. "Não, não vão dizer que uma ideia inventada foi o responsável, que essa ideia quis assim. Não mesmo". Apontou a arma para sua cabeça e gritou "Seja o que Eu quiser".

Morreu ao lado do bilhete com as mesmas últimas palavras escritas. Livrou-se do sofrimento por conta própria.


23 de abril de 2018

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Todos os dias

Todos os dias,
pelos caminhos e descaminhos da vida,
eu vejo e penso em coisas que preciso.
O café para as manhãs de mau humor
e as tardes de sobrevivência.
A cadeira nova para aliviar a dor nas costas
que meu velho e carcomido assento provoca.
O fone de ouvido para as músicas
que me distraiam do mundo que corre lá fora.
Os óculos novos para as retinas desgastadas.
O tempo que passa e que se vai.

Todos os dias
pelos descaminhos e caminhos da vida,
eu vejo e penso em coisas que preciso
para sobreviver.
Mas nem tudo o que preciso eu quero,
nem tudo que me traz sobrevida
me faz realmente viver.
E todos os dias desejo outra vida,
a de dormir ao teu lado
e acordar com você.

23 de abril de 2018

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Sobre sono e depressão

Eu durmo, mas não sou muito fã. Acho que nunca fui.

Dormir sempre me pareceu como uma espécie de perda de vida. Você dorme, o mundo não para, as experiências estão lá, acontencendo, enquanto você está fora de tudo. Eu nunca gostei muito de dormir.

No começo da vida universitária, longe do controle dos pais, passava dois, três, até quatro dias acordados, ou então sob a égide da doutrina dos cochilos.

Por isso, quando durmo demais alguma coisa não está legal comigo. Algo de errado está se passando. Começo agora a perceber que esse é um padrão que se repete há, pelo menos, uns quatorze anos. Quase a metade do que vivi. Foi no princípio de meus surtos depressivos, quando eu já colocava em dúvida várias das decisões tomadas e caminhos seguidos. De lá pra cá, em especial nos últimos anos, as coisas só pioraram.

O sono em excesso representa a tentativa da busca pelo isolamento, pela paz interior através do convívio com meus eus.

Quando durmo demais, em verdade, estou tentando comunicação comigo mesmo, pois só no sono, no exílio dos sonhos, consigo reunir-me em paz. Pelo menos era assim.

Mas nem assim consigo mais me reencontrar. Nem assim.


19 de abril de 2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Roupa de dormir

Tinha acabado de tomar o banho pré-soninho e andava pelo quarto quando sua mãe perguntou:

- Posso saber onde está sua roupa de dormir?

Olhando terno para os olhos da mãe questionadora, apontou para o corpo dizendo:

- Minha roupa de dormir é minha pele sedosa. Hoje eu vou dormir nu.

E ele só tinha cinco anos de idade.


11 de abril de 2018

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Eu não sou bem

Aí digo a ela que não estou bem.
Minto para ela se sentir bem.
Porque é mentira dizer que não estou bem,
há tempos "estar" deixou de ser o verbo correto.
Eu não sou bem.
Não sou bem há quatro, cinco anos,
não me vejo mais a sorrir sincero,
não me vejo no futuro distante,
não me enxergo velho com netos e a família reunida
num almoço de domingo,
com as crianças correndo, chorando e gritando,
e os velhos sentados,
rindo do tempo que passou
e que passará.

Eu não sou bem.
Mas quando estou com ela eu fico.
Eu esqueço do que me faz mal.
Eu esqueço de tudo o que vivo.
Eu esqueço da minha incapacidade
de pensar o futuro,
de superar isso tudo,
de me ver outra vez feliz.

Eu não sou bem,
e só espero que isso um dia possa mudar,
antes que não haja tempo,
antes que o tempo acabe,
antes que eu me desista.

10 de abril de 2018

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Eu não sei

Há quanto tempo eu não sei o que me é ser bem?
Há quanto tempo eu me perdi da sanidade
e deixei-me trilhar esse caminho obscuro
onde dia, noite, tarde, primavera
é tudo um intenso inverno que não passa,
que não me deixa?

E esse cheiro? E essa dor?
E essa falta de vontade?
Essa falta de vontade.
Tudo é falta de vontade.
Tudo é não mais querer.
E tem tanto por querer lutar.
E tem por quem viver.

Mas o que eu posso dizer
se já nem sei há quanto tempo
eu não sei o que me é ser bem,
se eu já nem sei há quanto tempo
eu me perdi da sanidade.
Apaguem essa luz!

08 de abril de 2018

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Trezentas contra uma

Ele era um defensor ferrenho do início da vida já na fecundação e, por isso, militava ferozmente contra o aborto em qualquer circunstância. Também vociferava contra os menores infratores, dizendo que deveriam ser presos e que, eventuais defensores 'dessa corja', deveriam levar os 'bandidos pra casa'.

Certa feita, numa mesa de bar, sentado com amigos de longa data, círculo que foi desfeito após o colegial e que agora se reencontrava, quase vinte anos passados, ao ouvir um amigo defender o aborto em algumas ocasiões, levantou a voz a defender seu ponto de vista.

Outro amigo, depois de uma golada generosa na cerveja gelada que molhava cada palavra ali dita, resolveu então questionar o caríssimo companheiro:

- Então você defende que a vida começa com a fecundação, certo? Transou, o óvulo encontrou o espermatozóide veloz e matreiro, pá! Vida, e a partir daí já nasce todos os direitos inerentes a ela e, por isso, deveríamos defender esse embrião, a ferro e fogo, em nome de Jesus.

- Exatamente! A vida começa a partir da fecundação e ponto. Aí vem esses esquerdopatas-comunistas-gayzistas-abortistas dizer que é relativo, que é só um conjunto de células, que não é vida ainda. Um absurdo.

- Ok, ok, eu entendi seu ponto. Agora eu te pergunto, imagine a situação hipotética de um incêndio em um prédio. Você está lá e pode salvar apenas um: uma mulher, que está presa numa sala e morrerá se você não ajudar, ou um balão criogênico com trezentos embriões fecundados apenas esperando a data do procedimento de implantação no útero das futuras mamães. Qual você salva?

- Como qual eu salvo? Eu salvo a mulher, oras.

- Então você salva uma vida em detrimento de trezentas?

- Não, claro que não. Eu salvo a vida que...

Eu já nem ouvi o resto da argumentação. Tomei o gole que me restava da cerveja, deixei um dinheiro extra na mesa e fui mijar, antes de ir embora.

Esses encontros de antigos colegas nunca resultam em nada positivo mesmo.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Sono

à Lady Anne MSR Celani

Vê-la dormindo,
deitar os olhos sobre seu corpo nu,
descansar a vida do dia-a-dia
na paz do seu repouso.

Sentir no íntimo
a sorte de poder tê-la comigo.
Sentir o sonho real
desenhado na sua pele.

Os olhos de tão pacíficos
choram a real possibilidade
de uma impensada felicidade.

Quanto fiz de bem, sem saber,
para merecer o que recebo
e receberei, em breve,
toda noite,
ao meu lado,
na cama de minha paz serena.

Quanto riso sem fim.
Quanto arrepio sem fim.
Quanto amor.

O mundo lá fora pegando fogo,
eu e ela também em chamas.
Mas cada fogo tem o seu espírito.
Cada chama tem o seu propósito.

O nosso é ser feliz,
como der,
sempre,
até que o fim nos chegue,
quando a chama da vida se apagar.

E quanta paz em seu corpo nu
dormindo o sono do pós-orgasmo.
Que linda será a vida
quando esse for o quadro
que meus olhos fitarem,
antes do corpo se entregar ao sono que agora me falta.

02 de abril de 2018

quinta-feira, 29 de março de 2018

E se chover

E se chover?
O que a gente vai fazer
das roupas penduradas no varal?
Todo o sentimento estendido no quintal,
secando ao vento de fim de verão.

E se chover?
O que faremos dessa vontade de ir lá fora
e brincar ao sol
que se escondeu
por detrás das nuvens?

E se chover?
A gente fica aqui no quarto
ouvindo os pingos musicarem nossos atos,
eu te beijo,
tu me beijas
e dormimos abraçados
ouvindo a chuva na janela.

E se chover?
Você irá me acompanhar
de mãos dadas a bailar
sob a chuva que cai
trazendo a esperança
(ainda que falsa)
de que dias melhores virão,
eu que sou tão pessimista.

E se chover
a gente vê o que faz
eu e você
e ninguém mais,
sem nada por fazer
ou tanto faz,
se chover,
se chover.

27 de março de 2018

segunda-feira, 26 de março de 2018

Como se eu fosse um rio

E é como se um rio
que corta uma grande cidade.
Eu levo a vida,
quero levar a vida,
dar cor ao mundo que atravesso,
saciar a sede dos que me alcançam.
E que meus braços se entremeiem as casas,
ruas, vielas e avenidas
e banhe os corpos cansados
renovando-lhes o ânimo,
que usem do que lhes trago para o seu deleite,
para o café do dia-a-dia,
para o arroz, feijão,
o pão nosso de cada dia.
Eu sou o rio que corta uma grande cidade
e nele despejam os seus moradores
toda a sorte de dejetos que não querem para si,
o esgoto,
o lixo,
os corpos dos assassinatos,
sofás,
pneus,
carros.
Eu quero levar a vida, o riso, a alegria,
e levo comigo o ódio,
o rancor,
a raiva,
o desprezo,
todo o lixo que não querem na vida
e que despejam sem pensar
no rio que corta a cidade.

26 de março de 2018

quinta-feira, 22 de março de 2018

Quando o comunismo triunfará

Marx, quando descrevia o advento entre os povos do comunismo, previu que este só se daria com o fim do capitalismo, após o seu esgotamento.
Durante os tempos, quiseram forçar essa chegada e deu no que deu. Ou seja, não deu.
Em breve as nações possuidoras de arsenal nuclear não mais conseguirão resolver suas desavenças pelos meios diplomáticos, a guerra última chegará, e o capitalismo se fará esgotado.
Assim, com a Terra desolada, não restará alternativa aos sobreviventes (se existirem) que não a vida pelo comunismo, sem patrões, sem classes, todos lutando única e tão somente pela sobrevivência.
Marx então desfilará triunfante sobre o mundo devastado de quase ninguém.

02 de março de 2018

segunda-feira, 19 de março de 2018

E da água faz-se vinho

E Jesus transformou a água em vinho e a festa retomou seu curso.
Mais tarde, já com o sol despontando no horizonte, Jesus teve que multiplicar as barricas, para que as donas fossem até o poço pegar mais e mais água.
Levou um tempo, dado a tremenda dor de cabeça que afetou o profeta, afinal, todos sabemos, vinho dá uma baita ressaca.

02 de março de 2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

Cem anos

A gente brinca e ele me diz que ainda seremos parceiros
daqui cem anos.
Eu rio da sua inocência,
de achar que o tempo pode chegar assim para nós,
como se fossemos imortais.
Ele tem apenas cinco anos e, criança,
acha que cem anos pode chegar sem problemas.
Eu tenho trinta e três
e cada dia que passa
sinto como se dez anos tivesse passado.
E a cada dez dias completamos mais cem anos de parceria.
Sentirei saudades disso em breve.

02 de marços de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

Durante, sem antes, e depois

O que você achou?
Não sei ainda. É tudo muito novo pra mim. Ainda me excito pensando no que aconteceu, mas não sei de onde tirei coragem.
Você sabe de onde.
Sei mesmo?
Sabe, você sabe que sabe, nunca tinha te visto tão molhada daquele jeito.
É, eu não sei, talvez tenha sido a novidade.
Novidade, sei. Você é pior do que eu, percebi isso.
Pior? Como assim pior?
Você sabe como, percebi isso logo de cara.
Mas você fez o que sempre faz, só que com outros instrumentos.
Seus mamilos estavam ficando roxos.
Eu sei, mas, eu me acostumei, de certa forma.
Sua buceta nunca ficou tão melada.
Ah, mas a situação era nova, eu gosto de testar coisas novas.
Não era nova. Eu já havia te chupado daquele jeito.
Não. Quer dizer, pode ser que daquele jeito sim, mas não naquela situação.
Te excitou a situação, foi?
Talvez.
E quando eu meti os dedos?
Você sabe que do jeito que introduziu me faz tesuda logo.
Eu sei mesmo?
Você sabe que sabe.
E o polegar no clitóris?
Polegar? Não foi o polegar, você tava usando as duas mãos?
Eu? Claro que não.
Estava! Estava prendendo o clitóris entre dois dedos. PUTAQUEPARIU, que tesão aquilo.
Você notou até quantos dedos?
Eu notei três, o médio e indicador prendendo e o polegar esfregando.
Safada!
Você que é safada! Foi sentir ele duro que caiu de boca.
E como não cair de boca num clitóris pedindo a minha língua?
Delícia!
Tesuda!
Safada!
Obrigada!
Pelo quê?
Você sabe, por me fazer gozar?
E eu não gozei?
É que...
Cale a boca, sua puta.
Adoro quando fala assim.
E eu te amo.
Eu também.

E durante esse tempo todo, eu, de pau duro, apenas observava, quieto, no canto do quarto.

Acordei com sede, sentindo um calor infernal.


22 de fevereiro de 2018