segunda-feira, 30 de julho de 2018

Luto

De alguma forma ela tentou me consolar,
pegou minha mão com cuidado, olhou-me nos olhos,
"Se a vida fosse fácil,
a gente não começava ela com um choro".

Eu não sei se chorei quando nasci.
Sei que ali eu não estava chorando,
talvez por ter chorado muito antes,
visualizando o que viria depois.

Mas a vida não é fácil, isso é um fato.
Ao menos é assim para a maioria das pessoas,
a esmagadora maioria das pessoas,
que formam uma maioria quase unânime.

Ônibus, vôo, a primeira aula,
carteira, celular, o bilhete premiado,
empregos, oportunidades, amizades,
amores, entes queridos, vida.

Uma perda segue-se a outra,
e outra vem em seguida.
Um dia a gente se perde
e outros lamentarão.

Lamentos, lamúrias, choros, angústia,
a negação colérica da troca que deprime até aceitarmos.
As cinco fases que nos prendem ao fundo,
as fases que antecedem o próximo passo.

Tudo se mistura na incompreensão do que é certo.
Tudo se perde na não aceitação do que é certo.
Tudo se confunde no querer negociar o que é certo.
Todos tentam nos dizer que perder é só o que é certo.

Quando então aceitamos isso como verdade única,
vamos nos enganando com o que pode nos distrair.
Vamos camuflando em camadas de sorrisos falsos
a realidade triste por detrás da armadura de ferro.

"Se a vida fosse fácil,
a gente não começava ela com um choro."
Então vamos sorrindo para não chorar,
enfrentando os dias para não se entregar.

E tudo dói.
Cada lembrança, por melhor que seja,
é uma estocada no peito,
uma pancada de fazer cair.

Vai-se tateando no escuro com olhos cegos,
procurando uma muralha de força
onde se possa escorar as fraquezas, as dúvidas,
encontrar a vontade para prosseguir.

E assim a gente vai tentando esconder a dor
na vista da sacada de um apartamento
que dá para o trânsito congestionado
de uma avenida famosa da cidade.

Mas a verdade é que, no fundo, a dor nunca sai de nós.

25 de julho de 2018

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quinta-feira, 26 de julho de 2018

Há jovens e jovens no nosso tempo (e deve ter havido em todos)

Que tempo o nosso no qual tratamos como coitadinho
o 'jovem' de 26 anos, dez de carreira,
que ganha milhões (chegou a bilhão?) e milhões,
com uma equipe toda a seu redor para fazer todo o resto da vida,
para que ele se foque apenas no que precisa fazer
(o que fazem de graça tantos outros jovens, mais jovens até),
e tratamos como animais os jovens, bem mais jovens,
que se matam para ganhar migalhas de miséria
e, no afã de terem o que não podem ter,
são cooptados por outros jovens, pouco menos jovens,
que desfilam escondidos nos becos escuros com seus dentes de ouro,
e dinheiros nos bolsos onde guardam as chaves dos carros
e nomes de garotas, e dos que não pagam.

E os jovens mais jovens devem morrer pelos seus erros,
mas o jovem de 26 anos, dez de carreira,
centenas de milhões de dólares na conta,
dezenas de parças que fazem todo o resto da vida,
sofre demais em seu jatinho particular,
sobrevoando a favela que lá embaixo grita sem ninguém ouvir.

É difícil ser Neymar.

25 de julho de 2018


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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Talvez

Talvez tenha sido o tempo.
Talvez tenha sido o método.
Talvez o desconhecimento
sem a capacidade de reconhecer-se incapaz.
Soberba demais.
Talvez tenha sido mais que isso
e talvez não tenha sido nada disso.

Talvez a vontade de acertar
atropele a capacidade de fazer.
Talvez o querer ser mais
do que realmente se pode ser.

Eu só queria fazer tudo certo.
Eu só queria que tudo saísse como o desejado.
Eu só queria não ter errado.

E eu que venho errando desde que me reconheço adulto,
ainda me abalo sobremaneira no erro de um peixe que quis fazer
e não consegui, ou não soube.

Talvez eu devesse parar de tentar.

19 de julho de 2018

quinta-feira, 19 de julho de 2018

A última foda

Outro dia estava conversando com conhecidos (conhecidos porque, de um dado momento para os atuais eu notei que chamava de amigo quem já tinha sido há muito, ou nem mesmo foi, e notei que os amigos me faltam, como faltam-me saldos positivos nos três cartões de créditos cujas faturas me machucam mês a mês). Bem, estava com esses conhecidos, na festa de aniversário de um deles que nos reuniu num bar, e, versando sobre minha afetada vida sexual daquele momento, percebi que a grande maioria dos conhecidos do sexo feminino me achavam um grande possuidor de fêmeas. Era incrível, eu que tinha tido poucas experiências sexuais, apesar de saber falar muito bem sobre o assunto (leitura é algo que sempre prezei), era visto com um ás do sexo. Invejei a imagem que eu passava. Ao menos a imagem de bêbado eu achava que fazia jus.
Das poucas experiências sexuais que tive, não, deixei-me corrigir. Das poucas mulheres com as quais tive contato considerado sexual, de uma forma ou de outra, várias foram as situações sui generis.
A virgindade perdida no trabalho de meu pai com uma funcionária recém-contratada da empresa (que descobri depois ser a filha do chefe), a broxada seguida de um copo de leite morno (tinha no cardápio do motel) que me custara mais de quatrocentas pratas, até mesmo a quase enrabada com um dildo monstruoso, três vezes maior que meu pau (possivelmente quatro) quando topei uma festinha com uma amiga lésbica (nunca tentem festinhas com lésbicas, prefiram as bissexuais ou as afetadas), cada experiência era única e foram únicas. Eu sei, eu sei, as pessoas citadas acima acham que isso era rotina na minha vida, talvez eu seja um exímio contador de histórias.
Mas, hoje, enquanto cagava lendo uma entrevista com um famoso jogador de futebol que descobrira um câncer fatal e que havia solicitado a suspensão do seu tratamento para poder disputar o último jogo da sua carreira, um clássico local. Comecei então a pensar como seria saber a hora da morte. Daí minha cabeça pervertida me levou a sexo, o que me parece bem estranho agora, considerando que coisas saiam do meu cu, alargando-o. Bem, fato é que comecei a pensar como seria a experiência do último sexo consciente.
Minhas últimas trepadas haviam tido uma elevada dose emocional. Eu tenho andado bastante emotivo nos últimos anos, tenho até evitado beber para não exacerbar ainda mais essa emotividade (e tenho falhado bastante nisso). E fiquei martelando isso enquanto borrava o papel higiênico branquinho e dava a descarga. Lavei as mãos e me dirigi a cama, onde deitei dúvidas eram disparadas como uma metralhadora sem controle.
Como seria a última foda da vida, sabendo-se aquela a última? O sexo teria o mesmo gosto? A buceta se tornaria um órgão ainda mais mágico do que já é? O pau entristeceria pelo fim sabido ou se desdobraria em artimanhas para aproveitar a última alegria? O orgasmo viria rápido? Seria prolongado até a última hora? Haveria choro após o gozo? E a quantidade de porra? Dependeria da causa mortis as reações? Haveria choro? Experimentar algo novo ou ficar no que já se conhece para evitar erros? Preliminares longas ou sexo curto e grosso? Quem escolher? Uma mulher qualquer que não saiba de ti? Alguém do passado? Haveria choro?
Dormi ainda em meio ao tiroteio e acordei com os pensamentos ainda frescos na memória. Tomei um banho rápido, um café preto com um pedaço de pão amanhecido e saí.
Contei isso para minha mãe, em seu túmulo. Mamãe morrera havia dois anos. Nada disse após o fim dos devaneios. Estivesse viva, provavelmente, teria me mandado tomar no cu.

04 de setembro de 2015

segunda-feira, 16 de julho de 2018

É como voltar ao ponto de partida

Clóvis de Barros diz que felicidade é o momento que você não quer que acabe, um momento que tudo está tão bom que você quer que dure para sempre. Sabe quando você está num lugar e não quer sair por nada? Um lugar que te parece natural estar e que você poderia jurar que a felicidade mora ali? Então, é mais ou menos como me sinto aqui. Ela sabe disso, ela sabe. É por isso que sempre diz não entender o porquê de eu gostar tanto. Ela sabe que eu fico feliz, como uma criança morando no brinquedo desejado, mesmo não entendendo o motivo. Mas talvez seja porque eu estava em um lugar que não queria, muito muito tempo atrás, e acabaram me tirando à força. Eu não queria sair. Não queria. Para mim não era a hora. Eu ainda queria curtir um pouco mais. Deixar fluir e, se fosse mesmo necessário, aí eu sairia, quando fosse a hora. Quando eu achasse que fosse a hora. Mas me tiraram à força, não tive como resistir. Eu realmente não tinha como resistir. Tiraram-me à força e então tudo acabou. É por isso que eu gosto tanto daqui, sabe? Acho que me lembra mais ou menos aquele ambiente que me vi forçado a deixar. Até dizem que seria mais natural se me tirassem de lá para algo como isso. Mais natural, dizem. Então eu gosto daqui. E gosto assim. Ficar parado. Só deixando estar. Visualizar o inimaginável. Deixar a mente passear no tempo dela, no espaço dela, na transcendência dela, e intranscendência também. Ela só quer ser livre. E aí eu fico aqui. Parado. Olhando para o nada, mas analisando tudo, pensando em tudo. De fora podem pensar que nada está acontecendo, mas aqui tudo acontece. As coisas fluem. São pontos de vistas diversos se você pudesse ver com meus olhos. E deve ser por conta daquela vez. Da vez primeira que me tiraram de onde eu queria estar, e me forçaram a estar onde eles achavam que eu deveria estar. É uma merda ser forçado às coisas. É uma merda não poder escolher. Por isso toda vez que eu tenho oportunidade eu procuro aproveitar. Isso aqui me faz voltar no tempo. Quando o tempo ainda não era tempo. Quando o mundo não era mundo. Quando eu não me era e era todo eu em potencial. Quando tudo era possível e todas as possibilidades eram possibilidades infinitas. Eu gosto daqui. Não importa se estou sozinho, se não estou. Não importa o que está lá fora, aqui dentro sou eu, de volta ao que poderia ser. É estranho, mas é natural. É diferente, mas é quase igual. É difícil de explicar para quem não viveu o que eu vivi. Para quem não nasceu de fórceps como eu nasci. Eu estava onde queria e me tiraram de lá. Hoje eu aproveito isso aqui, e não saio dessa piscina por nada, a não ser por minha própria vontade. Eu gosto demais disso aqui. Ô se gosto!

15 de julho de 2018

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Clóvis

Ela passava por um momento difícil. Acabara de perder o pai, a família mudara-se tentando evitar as inevitáveis lembranças e eu era um contraponto na tristeza geral que assolava os, também, meus (sim, pois quando se está num relacionamento, a família do outro torna-se sua família e, aceitar esse fato, melhora, substancialmente, a aceitação de todos os eventuais – na sua opinião – defeitos que de lá vem). Apesar de certa relutância (eu não lido muito bem com a situação toda), senti que já passava da hora de dar alguma contribuição para aqueles que, logo, seriam, oficialmente, minha família.

Depois de ajudar com a mudança, e auxiliar no que podia com meus dotes de marido de aluguel (que são quase nulos, mas, poeta que sou, finjo bem saber do que nada sei), passei o dia da mudança, exausto, na nova residência.

Em dado momento, necessitando da bolsa dela que ficara no carro, na garagem, ofereci-me para descer, posto que todos já estavam em seus pijamas. Peguei a chave, calcei meus chinelos, atravessei o corredor até sua metade, onde ficam os elevadores, chamei.

Espera. Espera. Espera. Entra. Aperta SS (que não é um botão que te leva ao escritório da polícia nazista). Subsolo. Desce. Desce. Desce. Chega. Abre a porta, saio. Caminho os 30, 40, 50 metros até o carro. Aperto o botão do alarme. Nada! Aperto novamente. Nada. Outra. Nada. Luzes no subsolo. Alguém está vindo. Aperto. Aperto. Aperto. Luzes mais fortes. Aperto. Clic clic. Destravou. Abro a porta. Pego a bolsa. Fecho a porta.

Aperto o botão da trava do alarme. Clic. Ufa! Fecha. Luzes mais e mais próximas. Carro preto. Casal dentro. Param. Do lado da vaga. Vizinhos? Vizinhos! Passo pelo carro, aceno com a cabeça para o motorista. Homem. Sigo ao elevador. Chamo.

Espero. Espero. Chega. Ouço alarme do carro preto. Passos de salto alto. É a mulher. O elevador chega. Abre. Seguro. A mulher entra no meu campo de visão. “Quer aproveitar?”. Ela aceita. Ele vem em seguida. O homem e sua camiseta. Entram, eu entro. Mesmo andar. Elevador fecha.

- Vocês mudaram recentemente? - pergunta ele. Sisudo. No canto do elevador. Reticente.

- Sim. Eu sou namorado de uma das moradoras, estava ajudando. - respondo solícito.

- Sejam bem vindos. - o casal bem recebe em uníssono.

- Gostei da sua camiseta. - diz o homem, apontando para minha camiseta da cerveja verdade puro malte patrocinadora de grandes eventos esportivos.

- E eu gostei da sua. Digo apontando com o queixo a sua camiseta de uma das maiores bandas de rock do mundo. E acho que a sua é melhor, tento ser gentil.

- Não, a sua é. Ele devolve a gentileza.

- É, talvez as duas juntas então.

- Nossa! - ele se empolga, citando um álbum ao vivo da tal banda como acompanhamento para latas da cerveja da camiseta.

- E você já tomou muitas hoje, né, Amor? - tenta desempolgar a centrada mulher.

O elevador para. Ele se empolga, vem na direção de onde vou, após ter dado boa noite.

- Vamos lá dar as boas vindas.

- Não, Amor, já tá tarde.

A cara da frustração. Rio empático ao seu sentimento. Um vínculo estava criado. A cerveja e a banda. Estampadas em camisetas que talvez não tivessem a intenção de criar tamanha empatia e cumplicidade instantâneas.

Entro no apartamento sorrindo da situação. De dentro ouviram as conversas e risadas do corredor, questionam-me. Conto o que acabo de contar e riem todos. Eu havia, em tese, feito o primeiro contato com novos vizinhos. A primeira ‘amizade’.

Mal sabiam eles, como eu mal sabia, o que ainda estava por vir.
Clóvis seria um personagem muito mais constante nas histórias que vivi naquele condomínio. A banda, a cerveja, ainda seriam protagonistas maiores que apenas marcas estampadas em nossas camisetas.


12 de julho de 2018

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Água

A garrafa d’água
sua triste ao lado da cama.
É só água
e tristeza.

A garrafa é de plástico,
possivelmente contém aqueles produtos nocivos à saúde.
A tristeza é de ferro,
e contém outros produtos, também nocivos.

E a vontade está longe
repousando em outra cama.

Água para noite sem sono.

Que sono a água traz?
Afogar-me?
Falta água.

Água pouca
para um sono sem fim (ou do fim?).


30 de julho de 2014

05 de julho de 2018


Perdoem-me o sumiço. O bloqueio me pegou de jeito.

Canal do blog no Telegram: t.me/psicopatia

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Ser o suficiente

Eu sou bom em ajudar pessoas, sabe? Eu sou.

Se eu fosse um coach, a dica primeva seria: faça tudo aquilo que eu não faço. Tente seguir o que eu digo.

É isso, faça o que eu digo, não faça o que eu faço.

A minha vida tá uma merda.

Mas no plano ainda pode dar certo. Poderia, se eu tivesse uns 20 anos. É que eu acho que eu ainda posso ter 20 anos. Mas tenho mais de 60, quando marco 33. É que eu tô meio cansado.

Eu olho pro mundo, esse mundo aí, com Trump, Temer, Troudeau, Neymar, Pepe, Thiago Silva, Lula, Ciro, Bolsonaro e penso "Puta que pariu, mas que porra de mundo é esse?". Cansa essa situação toda.

E aí são os mesmos leitões, garças, furões, os mesmos todos animais de sempre os mesmos mesmismos de sempre e o mesmo cansaço. E tudo o mesmo e nada muda e eu canso e continuo cansando, porque nada muda, nem o cansaço e cansaço que não muda cansa mais e mais e eu sigo cansando.

E como é chato olhar pra esse mundo de gente morrendo, gente de luto, gente pensando na saudade de gente que morreu e que antes de morrer pensou na saudade da gente que não morreu ficaria pensando na gente que morreu e cujo luto rende-se a eles. E eu canso disso tudo, porque passei por isso e só sinto raiva.

Eu não sei.

E é tanto lamento de um lado e de outro, por motivos todos iguais e distintos, e eu, que ninguém ouve o lamento ou nem sabe, porque eu não lamento, vivo com eles e tento seguir, eu que vou morrer sofrendo o que sofro enquanto tento salvar os que sofrem dos seus sofrimentos.

Sabe, eu canso de ser eu, porque sei o que eu sofro.

Mas não canso de ser o eu que ajudo os que sofrem, pois quando ajudo os que sofrem eu não sou o eu que sofre o que sofro, eu sou o que sofreu o que sofri, tentando ajudar os que sofreram algo parecido, e no meio do sacrifício de equilibrar a dor e o conselho, eu vou tentando fechar feridas dos dois lados, mesmo sabendo que não posso, em definitivo, fazer os milagres que esperam os olhos que me observam.

Eu nunca sou o suficiente.