segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Fomes

Feio
feio
feio
bonito
feio
apetitoso
feio
tenro
bonito

bonito
duro
feio
suculento
feio
feio
Todo dia um dia a mais
Todo dia um dia a menos
escolhendo
escolhendo
a melhor carne
a melhor pessoa
para o espeto
para o churrasco
de todo dia
que é um a mais
que é um a menos.


07 de dezembro de 2016

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Fica

Fica a fome,
a vontade
o desejo.

Fica o grito contido,
a reticência,
o surdo.

Fica o não,
o não?,
o talvez.

Fica aquele querer,
sem saber,
sem ter.

Fica tudo,
fica nada,
apenas fica.

E o que fica?

07 de dezembro de 2016

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

E disse o Senhor

Fui um servo do Senhor por toda uma vida,
ali, controlado, ovelha do rebanho
como foram meus pais, meus irmãos,
meus amigos e inimigos.
De joelhos doridos eu buscava a redenção
em palavras cerimonais,
como diziam-me que deveria ser dito,
mesmo que os que me diziam não seguissem as regras ditadas.

Espiei meus pecados,
mesmo que não os tenha tido.
Julguei-me culpado de crimes que nunca cometi,
pedi perdão por atos que não eram meus,
porque eu acreditava no que diziam,
eu acreditava.

Fiz de minhas dúvidas um ato de desonra,
de minhas perguntas uma vergonha sem fim,
de minha própria consciência
a sentença que me levaria a morte.

Chorei.
Lutei contra minha própria vontade.
Fui refém da minha própria inquietude.
Deixei-me ser por Ele.
Chorei.

E no auge da minha inconsciência desoladora,
do meu desespero em frenêsi,
Deus abriu as nuvens por entre raios
e o Sol fez-se mais forte que mil sóis
e Sua voz rouca fez-se verdade em meus dias passados,
na minha vida pro fim,
e disse-me Ele, entre soluços:
"Eu não existo".

Assim é que deixei de acreditar em Deus,
pois que Ele quis que eu não acreditasse,
simplesmente por não existir.

27 de novembro de 2016

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Eu e outro eus

Há esse grande problema em sermos eu. Por eu sermos tantos, variados, dentro de um mesmo invólucro, as noites são de embates entre mim tão acalorados, que o dia não me reserva-nos vontade e disposição para ser em relação aos externos. Nem sempre estou certo na posição de me relacionar. Há sempre, no entanto, esse cuidado meu de ser, no mínimo, civilizado, para que eu não venha a nos prejudicar. Soumos assim, sem que me vejam-nos e me sintam-nos. Um emaranhado de laços soltos e independentes, sem interconexões. Há esse problema em sermos eu, o de me cansar de mim vários e não ter paciência que reste aos que não me são. E não me entendem-nos.

27 de novembro de 2016

domingo, 15 de janeiro de 2017

Dez minutos

Dez minutos. Um pedido. Água.

Uma pessoa que nunca mais vi, a última estranha que lhe falou, veio nos contar que ele havia sentido uma dor. Uma dor estranha. Pediu-nos para verifica-lo. Perguntar-lhe do que se tratava a dor. Fomos. Na verdade, eu perguntei de longe, da minha mesa, aos gritos, ocupado demais que estava com minhas coisas desimportantes. Foi meu irmão, para quem o pedido foi feito. O último. Um copo de água. Levado tão logo solicitado. A justificativa que nunca saberemos verdadeira ou não. Porta fechada. A nossa aberta, esperando um pedido a mais ou outro.

Dez minutos.
Cada qual fazendo o seu cada qual. Eu na minha mesa, fazendo o que achava devia ser feito, meu irmão na dele, acompanhando o ritmo da tarde preguiçosa de começo de ano judicial. Um meio marasmo. Mãe e irmã, grávida, no centro da cidade, comprando, gastando o dinheiro que logo se tornaria incerto. Logo logo... 

Dez minutos.
O telefone tocou, alguém querendo falar com ele. Transferência temerosa, sabendo que ele não iria querer atender, posto estar peticionando para um prazo que logo se encerraria. Toca uma, duas, três vezes... nada. Grito. Nada. Silêncio. Aliás, o escritório em si, naquele dia, se exibia em um silêncio preconizante do que viria ocorrer. Retomo a ligação, peço que a pessoa aguarde, tento nova transferência, toca uma, duas, três... levanto. Caminho, pensando em mil xingamentos, os últimos cinco ou seis passos com ele ainda vivo (em mim, ao menos). Abro a porta.
Cadeira semivirada, meio que de costas meio que para a porta... "Pai, atende aí...". Nada. "Pai, pega o telefone, é a Dona Nazaré e ela só quer falar contigo". Nada.

À época, dialítico, o cansaço e, por consequência, o sono fora de hora, era seu companheiro constante. Da porta, com o telefone à mão, vi a cabeça tombada. "Cochilou", pensei. Aproximei-me, virei a cadeira.

Dez minutos haviam passado. Uma vida inteira se passava agora em minha cabeça. Mil pensamentos. Desespero. Impotência. Mas, acima de tudo, desespero. Gritei meu irmão. Ele, roxo na cadeira, a boca deixando escapar salivas de quem já não se sabia consciente há um tempo (dez minutos, talvez). Desespero. "Pai, acorda, pai". Desespero. "Pai". Nada...

Colocamos o corpo mole e arrocheado no chão. Negociei com a pessoa teimosa do outro lado da linha que desligasse, eu precisava ligar para o SAMU, meu pai estava desfalecido. Ela teimosa querendo saber detalhes. Por pouco, por muito pouco, não mandei tomar no cu.

Linha, dá linha telefone. Tuuuuu... 190... tuu... 190 boa tarde... contei a história em desespero e frenêsi... "Não é esse o número, senhor. Você precisa ligar no...", não dei tempo de resposta, exigi uma ambulância, era desespero que me tomava.

Uma moça que estava ali no meio de todo aquele silêncio anterior se dispos a ligar por mim e então corri, disparei, mesmo com os joelhos falhos, pelos consultórios ao redor. Desespero. Nenhum médico. Desespero. Nenhum médico por perto.

Voltei, tentei ajudar na massagem cardíaca, tentamos de tudo. Uma médica apareceu, segundos depois os paramédicos, duas motos, duas ambulâncias. Desespero. Desespero total.

Um paramédico, dois, quatro, a sala tomada, o escritório tomado. Desespero. Eu chorava, eu maldizia aquele que, eu sabia, tinha partido. Desespero. Desfibrilador. Uma, duas, três vezes. Carga média. Carga máxima. Uma, duas, três vezes. Desespero.

De repente, um vazio profundo apertando fundo o peito. Cabeças baixas, equipamentos sendo recolhidos, um se levantou dentre os vários ao redor do corpo arrocheado e seminu a essa hora. "Quem é o filho?".

Apresentei-me. Neste momento, meu irmão estava entre o instinto de avisar mãe e irmã, seguido da consciência de que talvez elas não tivessem forças para suportar o baque da notícia por telefone, e nem mesmo a cena que se apresentava. Uma ligação não atendida do lado de lá, outra do lado de cá. Uma segunda de lá pra cá, e uma resposta seca "É o pai". Desespero.

Apresentei-me para a ouvir a notícia que já sabia certa. "Infelizmente chegamos tarde, apaentemente foi um ataque fulminante, não dava para fazer mais nada, ele está em óbito". De súbito não me sabia mais. Desespero. "Você não pode desesperar agora, não agora quando vão precisar demais de você". Desespero.

Aceitei os pêsames da equipe, ainda os aceitava quando ouvi os gritos de desespero. A essa hora, curiosos que conheciam meu pai, que nos conheciam, já estavam presentes por ali, meu irmão havia avisado a todos que lembrava. Mãe e irmã entram desesperadas.

Desespero. Sem saberem o que havia ocorrido ao certo, choros desesperados enchiam o outrora silencioso escritório. O corpo ali, semidesnudo, arrocheado, no chão, não contribuía em nada. Os paramédicos que nada puderam fazer por quem se foi, ajudaram quem ainda estava. Minha mãe com pressão acima do dobro. Minha irmã no caminho do mesmo. A ponto de sofrer um aborto. Desespero. Levaram-nas.

Os minutos que seguiram pareceram horas. Tentar me recompor. Assimilar o que havia acontecido. Deixar de maldizer o pai por não pedir ajuda. Tentar assimilar, eis o mais difícil. E contatar a funerária. Preparar tudo. Encerrar o expediente do escritório. Tentar avisar os mais próximos. Contar toda a história, repetidas e repetidas vezes.

Do dia 15 de janeiro até os dias de hoje, perdi as contas de quantas vezes repeti essa história. Deve ter passado das 500, facilmente. Cada uma delas é uma lágrima não derramada, que precisei esconder para poder continuar.

No dia 15 de janeiro de 2013 eu não perdi só meu pai. Eu perdi meu melhor amigo. Perdi meu cúmplice. Perdi a vontade do Direito (embora tenha me mantido nele até quando pude, para manter o máximo de clientes da carteira que ele construiu com tanto afinco e paixão), perdi o tesão em conversar com pessoas, perdi, em boa parte, a vontade de viver (pensei em me matar várias vezes), perdi a essência do que me mantinha no caminho até então. Quase tudo o que fiz, fiz por ele. O esforço para ser aprovado em uma faculdade pública, a dedicação em me manter focado na advocacia, a desistência da faculdade pública para estar com ele, no escritório, quando ele, depois de duvidar de mim, viu que eu havia adquirido muito mais conhecimento do que ele supunha, a desistência do sonho de ter um diploma em faculdade pública para manter o sonho de tocar um escritório junto dele.

Dos 27 anos que tinha à época, apenas quatro e meio não lembro de tê-lo ao meu lado. Dos quase 20 anos que tenho, ou tive, não sei, de vivência no mundo jurídico, 14 foram com ele. Com ele aprendi a ser o que sou, porque, embora ele não fosse muito como me dizia para ser, foi ele quem me disse como ser. Arrependo-me de muitas coisas que deixei de fazer por ele. Mas, não me arrependo de nada do que fiz por ele. Hoje sei que a bagunça que se instalou em mim é, em muito, culpa desse meu amor cego de querer agrada-lo (eu sempre quis). Culpo-o por muitas dúvidas que hoje me acometem, por não ter me permitido (ao menos foi o que sempre achei, em parte pelo amor cego e a vontade de sempre querer agrada-lo) experimentar outros sabores, caminhar por outros horizontes. Eu fiz o que fiz porque sabia que ele iria querer que o fizesse. Eu via em seus olhos a satisfação por cada passo dado em direção ao seu sonho de me ver como seu descendente não só dos genes, mas, da profissão. Eu o culpo por muita coisa. Eu me culpo por muita coisa. Eu me arrependo de muita coisa. Mas sei que, se fosse me dado outra vida, com o roteiro dessa em mão, eu talvez tivesse feito tudo de novo, quase tudo igual, exceto por aquela festa em que fui e arrebentei o joelho, o que me fez ser forçado a voltar para Ribeirão, tendo que provar que eu tinha aprendido muita coisa, o que me fez abandonar Londrina para estar com ele. Fosse me dado outra vida, com o roteiro dessa, eu teria evitado aquele buraco, teria treinado para fortalecer o joelho, para terminar a faculdade pública no tempo esperado e voltado, formado, para minha cidade, onde o abraçaria com força para dizer "Pai, eu vou seguir o seu caminho, pode me chamar de Dr. Leo, o seu sucessor, o seu pupilo, o seu maior fã".

Quatro anos atrás eu perdia meu pai.
Quatro anos atrás eu perdia o rumo.
Quatro anos depois eu ainda estou me procurando.

domingo, 1 de janeiro de 2017

Todos os textos deste blog terão (e têm) um pé na realidade do autor.






Mas, quem imagina tudo é a cabeça, não os pés.
Estejam avisados.





Estreia dia 15 de janeiro de 2017.
Talvez.