quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Defeituoso

É preciso reconhecer os nossos defeitos,
aliás, é deles que advém boa parte da nossa personalidade,
eles são o que somos.

As virtudes figuram no campo do dever-ser.
Já os defeitos desfilam na avenida do ser.
Virtudes são ficção.
Defeitos são realidade, pura e comprovada,
mesmo que com gosto amargo.

É preciso conhecer os nossos defeitos,
pois não há tratados sobre eles.
Destinar um tempo a distingui-los,
separadamente,
para dar-mo-nos conta de quando estamos sobre seus efeitos.

Defeitos, eis do que somos realmente feitos!
Afinal, virtudes e qualidades são meros acessórios
que usamos para enfeitar nosso currículo.

08 de novembro de 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Fim do mundo

A depressão é a tristeza que vem
quando você menos espera,
mesmo sabendo que ela vem,
mesmo sabendo o motivo,
você não sabe o porquê,
você não sabe por quê.

A depressão é o mal do século,
e ninguém entende.

Acham que é frescura,
acham que é fraqueza,
acham até sentirem.

No fim do mundo
todos seremos depressivos
e iremos entender aqueles que perceberam antes
que o fim estava próximo.
Mesmo sem saberem.

08 de novembro de 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Só olhar.
Só ver, sem tocar.
Só observar de longe.
Só estar.
Só ficar, ficando.
Só parado, vivendo o momento.
Só deixar-se ser.
Só deixar rolar.
Só.

Às vezes,
no meio de tanta gente,
o que se quer é ver o todo,
sem que o todo te veja,
assim, sozinho,
no meio de todo mundo.

07 de novembro de 2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Acordou

Roncava alto, sem se dar conta. Acordou com a baba lavando o chão onde a sua cara amassada repousava da ressaca que viria.

Levantou-se dificultoso. A cueca manchada de amarelo. Coçou a bunda, a barba, o saco, cheirou. O estômago reclamava a falta do que comer.

Foi até a cozinha, como na sala, sujeita para todo lado, abriu a geladeira, alcançou uma lata de cerveja, um pedaço esquecido de pão com algum recheio, voltou ao sofá.

Ligou a TV, encarou a bagunça que o cercava, lembrou da ordem de sua mãe para que deixasse tudo organizado enquanto estava fora. Não respeitou.

Ouviu qualquer sussurro do lado de fora, foi ver o que era. Um desfile, parecia, olhando de cima, bem de cima onde estava. Lá embaixo todos parecia formigas, carregavam cartazer, acompanhados por pequenos carros com músicas estranhas, gritos abafados, carnaval fora de época?, pensou. Voltou pra TV.

Sentou-se. Voltou a cozinha para mais cerveja, três latas, encheu sua caneca, bebeu, bebeu, até esvaziar o estoque refrigerado.

Coçou o saco, adormeceu com a mão dentro da cueca azeda. Voltou a dormir no sofá, como se nada estivesse acontecendo.

Eis um dia na vida do gigante, que acordou, brevemente, para poder se embebedar e voltar a dormir.


07 de novembro de 2017

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A ponte

Há dias nos quais a ponte nem parece ser tão extensa.
Anda-se com o olhar altivo,
as pernas movem-se naturais,
os carros passam sem pressa,
a pressa não existe e vai-se indo,
é quase natural, se natural fosse,
e chega-se ao outro lado,
onde eles todos te aguardam,
como se aguardassem desde sempre
e te recebem de braços abertos,
quando atravesso a ponte pro lado de lá
um deles vem pro lado de cá,
por isso a alegria em me receber
nesses dias em que a travessia é natural.

Há dias nos quais a ponte se mostra mais extensa do que é.
O olhar cansado não enxerga o outro lado,
as pernas ficam presas no asfalto quente,
a sola do sapato gruda, não me deixa ir,
os carros desistem de enfrentar o caminho,
a pressa é só o que há
junto com a morbidez,
e não se chega nunca ao outro lado
que parece ficar mais distante,
não se vê alma viva,
ninguém a me recepcionar,
tem dias que eles todos não querem falar,
calam-se, escondem-se,
e ninguém vem pro lado de cá,
nesses dias eu fico no meio da ponte,
sem saber se posso avançar,
sem saber se consigo voltar.

07 de novembro de 2017

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Orfanatos às descobertas

Se todos os cachorros do mundo,
de repente,
assim, do nada,
de uma hora para outra
não mais pudessem se reproduzir,
muitos casais descobririam,
como que por um milagre,
os orfanatos abarrotados
de crianças esquecidas,
que clamam por cama,
comida,
carinho
e que os receberiam de braços abertos
todos os dias após o trabalho.

20 de outubro de 2017

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Aconselhamento Genético

No consultório:
- Então vocês querem ter um filho?
- Sim, Doutor, é o nosso sonho.
- Sempre pensamos nisso, desde nosso primeiro encontro.
- Hmmmm... e vocês fizeram os exames?
- Sim - em uníssono.
- Ok, vamos ver... uhum... hmm... uhum... eita... tá... ok... puts... então, vocês querem ter um filho?
- Sim, Doutor, como dissemos, é o nosso sonho.
- E vocês têm certeza disso - o médico se remexe na cadeira.
- Absoluta doutor - novamente em uníssono, avançando sobre a mesa.
- Ok, ok, então eu preciso alertá-los: O filho de vocês terá no máximo 95 centímetros, não conseguirá andar sobre dois apoios, ronronará até os 2 anos, uivará até os 11 e grunhirá como o Chewbacca o resto da vida...
- O quê?
- Calma que eu ainda não terminei! Ele também comerá todo tipo de carne, inclusive humana, desde cedo, defecará no chão, cuspirá fogo e só voará depois dos 18.
- Voará???
- Deixem eu terminar, por favor. Os dentes crescerão mais que o normal, principalmente os caninos, ele cheirará a enxofre, pode ser que desenvolva um rabo, e cuspirá fogo durante as crises de gastrite.
- Mas, doutor, o que é isso? Como pode?
- Ah! Isso é mágica tecnológica científica do aconselhamento genético na relação entre Lúcifer e Daenerys Targaryen.


06 de novembro de 2017

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Eu que sempre fui jovem

baseado em Tempos Perdidos, da Legião Urbana.


Mais um dia. Acordei. A cabeça doendo. O tempo passou depressa nas horas poucas que pude dormir. A boca seca. O que aconteceu noite passada? O que foi que eu fiz, de novo? Fico pensando enquanto escovo os dentes. A barriga reclama um conforto, sento no vaso de escova na boca. O que foi que eu bebi? O que foi que eu comi? A cama me chegou rápido demais. Rápido demais tive que sair dela.

Ainda há dia demais até a noite. Ainda há coisas demais até o descanso. E toda noite é uma reflexão sem futuro. Eu me esqueço do que me prometo de bom. Eu só faço o que não consigo evitar. Eu só faço merda e sigo em frente. Não há tempo a perder. Só dinheiro. Só vida.

O café me desce amargo no escritório. O suor escorre pelo rosto. A secura na boca. O incômodo. Um dia outro de ressaca. E a vida levada a sério, depois de tanta comédia, de tanta despreocupação. Eu vou vivendo.

O sol desatina as retinas ressacadas. Eu uso meus óculos, eu nem sempre os usei, mas as vistas não me deixam enxergar com clareza. E tudo fica anuveado. Embaçado. Eu só preciso de um abraço. De um conselho. Eu me sinto só. Eu me sinto perdido.

Sigo a vida no ritmo que não é o meu, é o que a vida me impôs.

Contam fábulas, casos, fatos, e eu preciso transformar tudo em uma história que possam engolir e absolver. Sim, absolver, não absorver. A mentira absorvida é amarga, revela a verdade. A verdade nem sempre me favorece.

O dia passa, as horas passam, eu me perco em meio a olhares, olás, sorrisos falsos, vontade falsa. Eu só preciso de um drink, ou dois, ou três e a minha cama. Eu preciso da solidão, apesar de não saber viver só.

As luzes se apagam, o dia se vai, eu só queria uma luz acesa, para ter a certeza de um norte a seguir. Não há.

E eu que sempre achei que fosse jovem demais, vejo-me já de cabelos grisalhos, pensando em quanto tempo ainda me falta.

06 de novembro de 2017

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Lítio

feito pensando na Lady Anne.

É como se eu me mantivesse o mesmo,
sendo mais humano e mais sereno.
A loucura corrosiva que me toma os dias
por um momento se esconde,
vai-se sem se dar ao trabalho de dizer aonde.
Fica o que sobra de bom,
fica o humor que não encontro em outros dias,
fica o que há de melhor,
uma toda vontade de querer ser mais,
um desejo profundo de sair e ganhar o mundo,
só para poder entregar a ela,
só para poder ser mais para ela.
É como se eu vivesse o mundo às avessas,
cheio do desejo de explodir e desaparecer,
como se a loucura me dominasse
e me fizesse querer deixar de ser.
Aí ela chega.
E como se fosse meu lítio,
me coloca do seu lado,
me chama de namorado
e me faz sentir melhor.

28 de outubro de 2017