quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Jacinildo

Jacinildo Silva e Souza, 32 anos, divorciado, pai de dois, mendigo. Viciado em álcool e crack. Abandonou a família quando o mais novo fez 16. Seguiu. Morou nas proximidades do Viaduto Sarney por 2 anos, desiludido, foi para o Ayrton Senna, "me dá mais orgulho", dizia. Vivia no Centro da cidade, embriagado, pedindo trocados para o próximo gole. Conseguia-os, invariavelmente. E bebia, bebia o que dava, comia o que sobrava, e dormia o que conseguia. A vida que podia ter. Ou, a que queria ter.

Jacinildo sabia inglês. Tentou emprego numa multinacional, ensino médio completo, inglês nível intermediário (não colocava avançado pois não tinha comprovações "diplomáticas" disso). Reprovado, pois não possuia um endereço válido. Onde morava, uma comunidade invadida, a prefeitura não reconhecia ruas e números de casas.

Tentou outras oportunidades, quatro, cinco, o mesmo motivo. Desistiu. Se não reconhecesse o local onde morava, o emprego não poderia ser digno de suas capacidades, dizia. Começou a beber mais do que bebia. Chegava tarde em casa. Até que passou a não chegar. A mulher trabalhava em dois períodos, ganhando o mínimo para criar os filhos. Jacinildo ajudava com bicos. Na média, alimentavam bem os dois rebentos, dando o mínimo de roupas e diversão. Este último quase inexistente. Jacinildo dizia a seus filhos, em verdade, doutrinava os pequenos, o que ouvira de seus pais: "A vida vai te fuder, tenha o mínimo para adquirir vaselina suficiente, para a dor ser mínima".

Laurison e Diego viveram com isso na cabeça. Laurison se dedicou o quanto pôde, se tornou gerente de uma grande loja de varejos. Diego cursou preparatórios para o vestibular e conseguiu ser aprovado em administração em uma faculdade pública.

Jacinildo vivia mendingando pela cidade. Quarenta e oito anos, e ainda em dúvida se teria o suficiente para jantar no dia que se espreguiçava no meio dos prédios do centro. Era preciso lutar pelo café da manhã primeiro. Do outro lado da cidade, Diego e Laurison acordavam, os irmãos dividiam um terreno, com duas casas, onde cuidavam da mãe, Liana, desde que o mais velho completara 21 anos e pôde financiar o imóvel.

Às 8 horas da manhã, Diego passa de terno e camisa engomada no lado par da rua São Sebastião, esquina com a Àlvares Cabral. Do lado de lá, na A Única, Jacinildo tenta vencer a batalha para um café da manhã bancado por alguém que tenha consciência suja o suficiente para saber que o seu dinheiro banca a miséria que o cerca. Diego não vê o pai há 10 anos. Jacinildo olha para todos os engravatados com desdém. Ele, de alguma forma, sabe algo que aqueles não sabem. Talvez ele tenha desvendado a forma de se vencer o jogo. Talvez esteja embriagado demais para saber que perdeu. Mas, com certeza, julga-se feliz demais para reconhecer qualquer derrota.

E seguimos tentando ganhar mais dinheiro que qualquer Jacinildo poderia gastar em dez vidas.

04 de janeiro de 2016

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