quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Ela disse adeus

Eu sou uma pessoa triste,
sempre fui triste,
até quando me lembro alegre,
vem à mente um motivo para me arrepender do sorriso.

E mesmo sendo triste,
disfarço-me como a um palhaço,
que desenha a lágrima no rosto,
para fingir uma tristeza natural.

Mas a tristeza parece ganhar mais força nos dias recentes.
Sozinho em casa,
imagino o que está por vir.

Embora eu saiba da necessidade da solidão,
as vozes ficam mais altas quando estou só.
Eu busco silencia-las,
mas elas gritam amordaçadas,
como reféns que veem a porta abrindo
e esperneiam tentando serem ouvidos.

Elas gritam.

E no grito silencioso não consigo conter as lágrimas.

E se...

E esse todo "se" toma conta de mim
e me tira o sono
(ou seria a dor?).

E se?

Eu sei que já não é mais como antes.
E sei que sou culpado por isso.

O eu te amo fica perdido em reticências,
em silêncios,
em ecos no quarto vazio.

E se?

O eu te amo fica só, perdido num parêntese constrangedor,
num sem fôlego de prazer,
numa vírgula fora de lugar.

E se?

Eu devo dizer?
Eu devo silenciar?

E se?

Gradualmente, mesmo lutando,
eu vou dia a dia me preparando para o final do se.

Como eu disse, eu sou triste,
a tristeza é meu padrão,
talvez seja o destino.

E se?

Eu tento não pensar.
Eu tento não pensar.
Eu tento.
Eu penso.
O tempo todo.
A cada minuto a mais.
A cada meia hora a mais.
A cada reticência duplicada.

E se?

Eu sei que tudo foi culpa minha
e mesmo admitindo,
eu não consigo aceitar por inteiro.
E não consigo entender o motivo de não aceitar
se o motivo eu sei quem fui.

E se?

Hoje eu me sinto como não deveria ter feito sentir.
Hoje eu me pergunto o que não deveria ter feito perguntar.
Hoje eu me arrependo do que não deveria ter feito arrepender.
E hoje eu sei o que não sabia.
Hoje eu sei.

Ficam ressoando na minha culpa
os versos de sucesso que dizem
que ela não precisa mais de mim.

E sinto,
e sei,
que fui,
e serei,
o último a saber.

04 de janeiro de 2024

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Eu poderia

E eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia calçar meu calçado novo,
vestir meu shorts e uma camiseta velha qualquer
e caminhar por aí, ouvindo música no talo,
como se fosse somente eu e ninguém mais.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia assistir todas as séries e filmes
da minha lista interminável,
esparramado, de cuecas, no sofá novo,
cochilando em intervalos intermitentes.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia ir para o bar com os amigos,
em um happy hour há anos programado,
e brindar como se fosse ontem,
como se não houvesse amanhã.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Mas eu fico aqui, escrevendo versos sem importância,
tentando encontrar justificativas para não fazer o que poderia,
buscando não confessar que a saudade me paralisa.

E não se passou nem um dia que elas não estão aqui.

02 de janeiro de 2024