quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Prenderam o Oliveira

No escritório:

- Cláudio, você viu que prenderam o Oliveira?

- O Oliveira, o Paulo Oliveira?

- Ele mesmo. Acabei de ouvir no rádio. Encontraram dezenas de gigabytes de pornografia infantil no notebook, em HDs e DVDs na casa dele. Coisa até que ele estava editando.

- Puta que pariu!

- Pois é, o cara bebe nosso café, senta aqui com a gente. Quinze anos cuidando das empresas dele, eu fiz até a ação de guarda dos filhos, e o safado é um pedófilo filho da puta.

- Caralho. E a gente ainda tem cheques dele para depositar. Vou mandar incinerar tudo. Sumir com as relações do escritório com ele.

- Pode sumir com os documentos, mas os cheques você deposita nas datas corretas.

- Mas a gente vai receber dinheiro desse tipo? Vai ver o cara até lucrava com pornografia infantil.

- Não, os cheques você deposita nas datas certas. Eu sou bem conservador nos costumes, mas na economia eu sou liberal.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Ela queria terminar, mas estamos só começando

Foi num dia como outro qualquer (alguns diriam nem tanto, afinal, era véspera de meu aniversário. Mas eu aprendi a não ligar tanto assim para aniversários. Tento lidar bem com todos os dias que passam e nos quais acordo para encará-los). Ela me pediu para sentar no banco do passageiro, meu local habitual, que precisava conversar. Isso sempre foi algo pesado para mim, acostumado a fazer besteiras na vida. Quando querem olhar nos meus olhos e conversar é porque querem jogar na minha cara alguma grande besteira que eu, voluntariamente, fiz. Mas não foi o que aconteceu dessa vez.

- Eu tô tentando, não sei se você percebeu… mas eu tô tentando terminar com você já faz uns dias.

Meu sorriso era de “carai, mas eu não fiz nada”, e passou para um “puta que pariu, mas o que foi que eu fiz?”. Incrédulo, mas tentando manter o domínio da situação (como sempre tento). Um riso nervoso, mantendo meu silêncio de inércia.

- Eu não sei o que tá acontecendo comigo (… algumas coisas que a minha memória não me permite recordar em detalhes)… eu tô grávida.

A sensação do “puta que pariu, mas o que foi que eu fiz?” imediatamente passou para um “PUTA QUE PARIU, O QUE QUE EU FIZ?!!!”, ainda tentando manter a paz e um certo equilíbrio na fala e no olhar. A vontade já era de chorar. Então ela me mostrou o exame, desses mesmo de farmácia. Uma cruz, em azul. Para os cristãos (não me incluo), a cruz é um sinal de dor, de morte (embora afirmem que crucifixos não eram comumente utilizados à época de Jesus para pendurar os condenados à morte. Uma única haste de madeira bastava.). Para mim aquela cruz era sinal de renascimento. De retomada de vontade de viver.

Ela, que me conhece como ninguém, sabe que a morte é uma ideia que circunda meus textos, meus momentos depressivos, meus dias solitários. Foi assim no reveillon passado, foi assim em vários momentos em que, bêbado, eu me vi cercado com meus próprios pensamentos, meus demônios internos. Eu sabia que, em algum momento, contrariando a minha natureza de tentar fazer todos os que me cercam felizes com minhas decisões, eu tomaria a decisão “errada” e daria cabo de minha vida. Ela sofria com essa quase certeza (que eu sei que ela tinha, ainda que nunca tenha me confessado).

Naquele momento, a cruz me fez querer chorar. Eu já havia externado a ideia de não querer ter filhos (embora sempre fosse pela ideia de tê-los aos vários). Mas o mundo muda, a gente muda, e o mundo não pede mais filhos, o mundo tal qual como o vejo não merece mais herdeiros da sua infinita dor. No entanto, saber da possibilidade (eu que me imaginava ligeiramente incapaz de ter filhos), mesmo diante de tantos senões (ela, diziam, teria que fazer tratamento quando quisesse ser mãe), saber que seria uma realidade, que estava ali, acontecendo, diante de meus olhos, nada pude fazer além de abraçá-la com minha alma e com toda sinceridade do mundo, mesmo sabendo-me totalmente incapaz, no momento, para criar qualquer humano que fosse (eu incluído), prometi que daria tudo certo, que faríamos acontecer, e é o que farei.

Aquela cruz me fez acreditar novamente na vida, fez-me querer ser novamente. E serei. Serei pai. Serei marido. Serei exemplo. Serei professor. Serei o que meu pai me foi e além. Meus olhos marejam de lágrimas só de pensar no que ainda nem me é, mas será. E serei. Porém, mesmo sabendo que serei, dói-me.

Dói-me saber que pelos próximos nove meses ela passará por todo tipo de mudanças drásticas no corpo, na vida, no dia-a-dia e eu continuarei a ser como sou, sem nenhuma consequência. Maldita evolução (ou deus, se preferirem).

Dói-me saber das diversas restrições que ela terá pelos próximos nove meses, enquanto eu poderei gozar de todo tipo de benesses, basta que eu tenha oportunidade e queira.

Dói-me saber que ela não poderá dormir como quiser, rir do que quiser, ser como quiser, porque será como a gravidez exigir que ela seja.

Dói-me não estar na pele dela, para saber, exatamente, qual a sua dor, qual o seu desejo, como fazer para que as coisas sejam como ela quer.

Dói-me saber que o corpo dela, para a sociedade, não mais pertence a ela.

Dói-me saber que ela vai sofrer toda a dor de nove meses de gestação, e eu estarei apenas vivendo a vida, mesmo que correndo contra o tempo, com o corpo apenas moldado pelo tanto que como ou deixo de comer.

Dói-me saber que, apesar de eu ser todo ela, eu não sou ela e não serei pelos meses que seguirão.

Dói-me saber que fizemos juntos o que só ela carregará até que possamos juntos abraçar.

Dói-me saber que, embora eu possa postar, para pagar de meigo nas redes sociais “estamos grávidos”, só ela realmente estará, só ela realmente sofrerá, só ela carregará o fardo de, logo logo, sermos pais.

Maldita evolução, malditos deuses, que fizeram exclusividade da mulher o dom (e o fardo) de ser mãe.

E eu a invejo tanto por isso.

E a amo tanto mais que nunca saberei dizer.


16 de fevereiro de 2019