quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Nós outros

Mostrar
mais do que sentir.
Fotografar
mais do que viver.
Compartilhar
mais do que saborear.

No Instagram,
no facebook,
todo amor é eterno,
toda vida é perfeita,
até que as fotos começam a sumir,
até que os posts desapareçam,
até que se caia na real.

E não mais se pode sentir,
e não mais se pode viver,
e não mais se pode saborear
o que havia para sentir,
viver,
saborear,
amar.

E assim vamos vivendo
a vida daquele que vemos nos nossos próprios posts,
e que não somos nós de verdade.

23 de setembro de 2015

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Pequeno poema sobre a lua cheia

É normal ficar com mais tesão
durante a lua cheia,
pergunta meu coração.
Já meu pau não pergunta nada,
tá duro, torado na veia,
doido pra dar uma trepada.

24 de agosto de 2018

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Eu (nós), cão (cães)

Por que gostamos tanto de cães?

Porque somos exatamente como cães!

Não acha? Ok, vamos pensar.

Pense em cães sem donos. Livres, vivendo pelas suas próprias razões e instintos.

O que você vê?

Caos! Animosidade! A lei do cão, literalmente, sendo a lei do cão. O maior mata o menor, o menor foge, se esconde, tenta sobreviver. Se alia a outros menores para tentar matar o maior. É a lei da selva. E os covardes sucumbem aos maiores, sendo seus servos.

Nós humanos somos exatamente assim. E a democracia mesmo não serviu para extinguir essa prática. Com o capitalismo, o maior virou o mais rico, e sendo mais rico, não importa o tamanho dos mais pobres, você massacra. A não ser que os mais pobres se juntem a muitos mais dos mais pobres e, em número, eles consigam massacrar o mais rico (Revolução Francesa?).

E cães, querendo ser livres à sua maneira, na sua liberdade limitada, procuram donos, que lhes dão comida, abrigo, mesmo que tenham que sobreviver às custas de mimos e gracinhas aos seus servos.

E humanos, querendo ser livres à sua maneira, na sua liberdade limitada, procuram salvadores da pátria, políticos, milionários, “exemplos”, que lhes possam dar um motivo para continuar lutando contra o inefável destino, lhes dando a inesgotável esperança, a ilusão de que possam alcançar o inalcançável, só porque alguém alcançou. Porque a elite precisa fazer de toda exceção a regra, e o fazem. Porque toda a regra só enxerga a exceção. E milionários se tornam nosso exemplo. Não importando o que fizeram. Não importando quais atos praticaram para atingir a sua riqueza.

Os fins não justificam os meios, porque os meios são ocultados, de forma patrocinada, quando atingem-se os fins. E quando o que se vê são apenas os fins, foda-se os meios. Ele fez por merecer. Ele merece o que tem. Todos merecem o que têm quando a riqueza é atingida.

Nós somos cães! Nós necessitamos ser domesticados! Precisamos de um dono, um líder, alguém que nos possa indicar o caminho certo. Porque sem eles, corremos atrás do próprio rabo, somos inaptos, inúteis. Nós somos filhotinhos atrás de quem nos possa alimentar.

E se somos, então, cães, por que, afinal, domesticamos os cães de verdade?

Porque no fundo, ninguém quer assumir ser escravo, e todo escravo só quer ser o que seu senhor o é.

Viva a “amizade” entre espécies.

Salve os animais de estimação.

Porque eles não são escravos, afinal, sem nós, eles não sobreviveriam.

Como não sobreviviam os escravos, antes da existência da escravidão e seus senhores.

Viva os animais de es-ti-ma-ção! Sejam de que espécies forem, viva!

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O Mês do Cachorro…

Não, o seu cachorro não te ama.
Não, o seu gato não te adora.
Eles fazem, por muito menos,
e dando muito menos,
o que eu faria por ti.
Sim!

Dê-me casa,
os ingredientes para fazer
o que iríamos comer.
Dê-me o álcool da criatividade,
dê-me casa.
E quando teus passos atravessarem o corredor
e quando o som de teus passos tocarem os meus ouvidos,
serei eu o teu cão, eriçado, na porta
a secar as mãos no avental,
como um cão real abanaria o rabo,
esperando-te abrir a porta,
esperando-te sorrir pra mim,
e sorriria.

E sentaríamos juntos
e ouviria o teu dia,
e comeríamos o manjar dos deuses,
todos os dias,
e eu te banharia o cansaço,
e você me banharia os temperos,
e deitaríamos o desejo num orgasmo sincronizado
(nem sempre -
mas sempre um
e noutro dia o outro).

A vida seria justa,
sem latidos a atrapalhar os vizinhos,
sem merdas a recolher com sacolas.
Apenas eu e tu,
você e eu,
amando-se um ao outro,
justamente como quis Deus.
Porque nenhuma passagem bíblica
citou ser um ser humano
mãe ou pai de um animal.

14 de agosto de 2018

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Seguro de vida

Todo mês uma parte do suor
destinado para a mensalidade
do que nos prometem
para depois de não mais haver suor.

Todo mês.

Uma parcela do que poderia ser aproveitado
para viver a vida mais vivida do que vivemos,
gasto em um pseudo-investimento
para o pós-morte.

Seguro de vida.
Seguro pós-morte, isso sim!
Mas o nome soaria estranho,
a morte não vende tão bem.

Seguro de vida,
que só é pago se a morte for bem confirmada
e atestada
e carimbada
e ocorrer nos estritos limites do contrato.

E pagamos enquanto a vida nos deixa,
tudo para que os nossos entes queridos
possam viver, com um conforto a mais,
a certeza inexorável
de que estamos mortos,
irremediavelmente mortos.

07 de agosto de 2018


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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Acidente

E estou aqui com ela
que dorme ali do outro lado
no colchão de lá,
minutos depois de anunciar
que já iria dormir.

Minhas costas reclamam posição,
meu pescoço reclama posição,
a minha alma custa a encontrar lugar
no corpo em que habito e insisto.
Eu não consigo dormir.

Viro de um lado a outro,
misturo travesseiros,
rolinhos e almofadas,
passo o pé nos duzentos fios do lençol,
tento.

Uma freada. Uma batida seca.
Lá fora as luzes insistem em não se apagarem.
A noite é já e a claridade invade a sala
onde os colchões recebem os corpos cansados.
Ela dorme. Eu procuro entender.

Uma sirene. Vou a sacada. Tento entender.
Outra sirene. Estico a cabeça fora da grade,
vejo luzes, sirenes ecoam.
Volto a deitar. Mais sirenes.
O que há? O que aconteceu?
Procuro sem sucesso.
As luzes brilham longe.
Minha câmera não alcança,
fotos sem nitidez.
Procuro sem sucesso.
Vou tentar dormir.

No dia seguinte apenas uma nota genérica
sobre o acidente na Presidente Vargas,
uma morte.
E nenhuma menção a minha insônia
e às especulações da minha mente doentia
sobre o que fora aquela freada seguida de batida
e luzes na madrugada de um domingo.
Mas nem foi por isso que eu não consegui dormir.

02 de agosto de 2018

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segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Página 94

Nono andar. Página 93. Chamo o elevador e espero. Página 94. As portas se abrem. Entro. Aperto o botão, espero. Ainda na página 94. Ainda na página 94 o elevador para no quinto andar. Ainda na página 94 um senhor entra, todo cuidado. Verifica o botão, todo cuidado, espera.

Ainda na página 94 as portas se fecham. O elevador põe-se a descer, quarto andar. Com dificuldades ele tenta abrir um pote, com dificuldades olha desconsertado para mim, ainda na página 94, que sorrio. Com dificuldades, venço a antissociabilidade agravada pelo livro em mãos (também se agrava com fones de ouvido) e me disponho a ajudar.

Fecho o livro na página 94. Estendo as mãos. Pego o pote e me coloco a tentar abri-lo. Com dificuldades, não tantas quanto às dele, abro o pote e  o devolvo. O elevador está parado no subsolo. Ele agradece com o olhar terno dos senhorezinhos carentes de alguém com quem estar na velhice de seus dias. Sorrimos. Nenhuma palavra trocada. Sem nenhuma dificuldade nos despedimos.

Ele para um lado, eu para o outro. Nos separamos com o resquício da presença breve. Todo contato humano permanece vivo até que nos esqueçamos. Abro o livro na página 94. Pego o que preciso e volto ao elevador. Aperto o botão, página 95, estou voltando ao nono andar.

31 de julho de 2018

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Cuspir no prato que comeu

Durante uma coletiva de imprensa:

- Deputado, o senhor foi membro ativo do partido que hoje é seu principal alvo de críticas. Inclusive, muitas das políticas implementadas pelo partido teve o senhor como defensor ferrenho. O senhor não acha que isso é cuspir no prato que comeu?

- Em primeiro lugar eu quero dizer que não há problema algum em mudar de opinião. A gente vai envelhecendo e evolui.

- O senhor acha então que as ideias anteriores eram retróg…

- Deixa eu terminar de responder e aí você pode fazer suas considerações. Continuando, em segundo lugar, não sei o porquê de tamanho desespero em se cuspir no prato que comeu. A gente engole catarro toda vez que fica gripado e ninguém fica por aí alardeando “comeu o catarro que produziu”. Aliás, o problema não é cuspir no prato que comeu. É comer de novo no prato cuspido. Por isso eu sempre recomendo lavar bem o prato depois de cuspir. Sempre dá pra aproveitar. Até mesmo os descartáveis. Próximo!