quinta-feira, 30 de março de 2017

Sobre a morte, a vida, com uma pitada de tom de auto-ajuda

Quantas vezes você já morreu nessa vida? Nunca pensamos em perguntas assim. Na verdade, nunca pensamos muito na morte, afastamo-nos dela, como se houvesse algum modo de fazer isso.

Dias atrás pensei numa frase, vendo o modo como vivemos e o que buscamos:

"A humanidade busca a vida eterna, mas quer tudo para ontem".
 
Eis a contradição de nosso tempo.

Queremos viver mais e mais. E queremos tudo para agora. Sem demora. Sem espera.

Oras, como passar cem, cento e cinquenta, duzentos anos vivendo numa adrenalina desenfreada de tudo ser para antes do pensamento do querer? Atletas não vivem muito, isso é um fato facilmente verificável nas estatísticas. E assim é por, justamente, utilizarem o conjunto que possuem sempre no modo extremo, até se aposentarem. Carros de Fórmula 1 possuem motores que duram poucas corridas, por estarem sempre funcionando no limite. Assim, como viveremos cem anos se não damos tempo ao tempo? Se queremos tudo para o instante do desejo? E, desta forma, vamos afastando qualquer pensamento de morte. Teme-mo-a, perdão pela expressão, mortalmente.

Mas, voltando a questão primeva: quantas vezes você já morreu nessa vida?

Por não pensarmos na morte, não notamos a quantidade absurda de mortes que vivenciamos. Nossas células morrem dia a dia. Nossos pensamentos. Nossos desejos. Curiosidades. O que fomos cinco, dez anos atrás já não o somos hoje. O nós de outrora morreu, de certa forma. E vamos morrendo, dia a dia, sem nos darmos por isso.

Eventualmente, a morte vem sem renascimento, sem dia após a vida. Mas, não podemos ignorar que morremos todos os dias, enquanto ainda nos mantemos vivos. Morrer é o modo como vivemos a vida que temos. Morrer é viver. Talvez seja esse o motivo de temermos tanto a morte, afinal, quantos de nós pode afirmar, com certeza, que vivem plenamente?

Não deixem de morrer.

28 de março de 2017

segunda-feira, 27 de março de 2017

Exagerado

Acordei.
O dia pousou na minha cabeça
com seus raios de mil sóis
e a empáfia de ter que ser dia.

Todo dia a mesma coisa,
mesmo em dias diferentes.
O reflexo cansado no espelho,
a ausência,
uma só escova,
a toalha pendurada,
o shampoo quase sem uso.
O silêncio da água caindo sobre o corpo,
disfarçando o que há para disfarçar,
um corpo só.

O café amargo.
o sol, lá fora, aguardando,
com seu dia já em alta hora,
o desânimo.

O ar condicionado me lembrando a noite passada.

Trânsito.
Carros.
O caos aqui, ali,
em todo lugar.
Os mesmos colegas,
as mesmas piadas,
o café ralo e frio.
Horas e horas que não passam,
não chegam.
Clientes, casos,
um todo sem importância,
tanto e tanto
e esse vazio de esperar,
de não saber.

Trânsito.
A gravata afrouxada.
O aperto no peito.
Buzinas, luzes,
uma leve chuva,
para fazer tudo parecer pior.

A noite chegando como um furacão,
bagunçando tudo,
tirando tudo do lugar.
O reflexo ainda mais cansado.
A água fria sem causar qualquer espanto.
O jantar frio.
A louça suja na pia,
esquecida.

A cama, cela apertada de condenado à morte.

Adormeço de cansaço,
logo mais acordarei
com o dia pousando na minha cabeça
e essa saudade absurda
que me tira o riso,
a vontade,
a alegria de viver.

Faz dois dias que você partiu,
faltam dois para voltar.
O que será de mim?
O que será de mim?

21 de março de 2017

quinta-feira, 23 de março de 2017

Voltar



É tarde. Tanto na vida, quanto no dia.
Na vida, dizem-me que não, mal iniciados os trinta.
No dia, o sol já se prepara a voltar depois de ir há tanto.
Leio Pessoa em nome de Bernardo Soares,
e os seus ditos, perdidos na loucura de dias passados,
soam-me como a minha'lma
decantando lamentos a quem sou ou fui.
Como Soares, sinto saudades de quem poderia ser.
E nunca pude conhecê-lo, como jamais poderei,
pois o tempo que me resta não sei,
o que tempo que me foi, passou.
Sou um lamento de pernas bambas,
sentadas sobre joelhos doloridos
que não suportam mais caminhar.
O horizonte fica-me além dos olhos cansados.
Os sonhos no pouco sono
entre pesadelos
e falta de ar.
A vida corre-me lenta,
queria morrer.
Passam dias e noites
e, sem que note, e noto além do que posso,
não sei que dias passam, que dias são.
Perdi-me no tempo de minha vida,
sem saber o que era pra ser vivido outrora,
sem saber viver o que não vivi,
sem saber sonhar o que queria ser.
Fui sem notar-me ser.
Vivi sem sentir o ar enchendo-me, verdadeiramente,
os pulmões meus.
Respeirei o gás carbônicos de outros pulmões,
vi a vida através de outros olhos,
e de respirar tanto carbono,
de enxergar tanta estrada que não a minha,
quando vi-me de volta ao meu mal-fadado corpo,
minha'lma notou-se cansada,
e há meses tenta se apoiar nas falsas promessas
e velhos conselhos embolorados
no afã de tentar seguir.
Mas doem-me também os joelhos d'alma.
Doem-me os pulmões de não ter vivido.
Dói-me o fato de não ter sido.
O sol lá fora fere os olhos.
Ressinto-me de sair,
apesar de saber preciso.
Eu só queria voltar pra casa.

26 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 20 de março de 2017

Dúvida cruel



E no meio de um desabafo acerca de tudo o que me deixa em dúvida sobre a vida e o futuro que não vejo em mim, a pergunta que nunca me fazem:
- Você já pensou em suicídio?
Talvez seja ela necessária, para que eu pare de pensar tanto no fim.

24 de fevereiro de 2015

quinta-feira, 16 de março de 2017

Vestido branco


Sôfrego desejo de ti,
este espúrio sentimento,
impalpável,
indelével,
tão contraditório
que não se sustenta
e diz o que não pode ser.

Do teu vestido branco
a vontade pulsante
de despir tua pele
sentir teu cheiro
o teu gosto
o teu gozo.

Sussurrar no teu ouvido distante
as palavras falsas
de uma noite a sós,
sob a luz fraca de uma lua invisível,
corpos em suor,
mãos em atrito suave,
beijos maciços, extremos.

E quando corpos estremecidos,
anunciantes do gozo a caminho,
se fizerem lençóis amassados
na cama de nossos vis pecados,
que eu seja a bruma esquecida
no orvalho matinal
de nossas nunca manhãs.

22 de fevereiro de 2015

segunda-feira, 6 de março de 2017

Odeio telefone



- Eu odeio telefone.

Ela se assustou. Estávamos conversando alegremente havia alguns minutos, embora o som do bar atrapalhasse o entendimento de algumas palavras. Era só sorrisos e pediu meu número, já que meu smartphone repousava sossegado sobre o balcão.

- Não o aparelho em si, aliás, o sistema todo eu considero das melhores invenções, afinal, possibilitou a invenção da internet e suas maravilhas. Mas é que eu não sou bom de improviso e nunca se sabe o que se dirá ao telefone. Eu nem mesmo sei o que se deve dizer ao atender. Alô? Pronto? Pois não?

Ela sorria docemente, talvez tentando disfarçar o estranhamento.

- Cancelar serviços ou pedir informações me é uma tortura só. Eu fico passando e repassando pela cabeça tudo o que preciso falar, tentando prever as respostas do atendente para ensaiar cada passo. E quando algo sai do roteiro, eu travo. Desligo. Odeio telefone.

- É, parece que você não gosta mesmo.

Disse isso e tomou um gole da sua Coca com rum, deixando uma gota escorrer pela boca, aparando-a com o a ponta dos dedos, quando já no queixo.

- Mas, eu gosto de escrever. E gosto de conversar pessoalmente. Por mais contraditório que isso pareça.

Ela sorvia mais um gole de sua bebida enquanto dizia:

- Ah, você é uma pessoa visual, precisa ver a reação da pessoa com quem fala para continuar a conversa de forma mais fluente. Eu até te entendo.

Sorri. Era a primeira vez que diziam isso sobre mim e eu estava pronto para concordar.

Pagamos a conta e fui com ela para sua casa, no carro dela, porque eu odeio dirigir.

03 de março de 2017