quinta-feira, 5 de abril de 2018

Trezentas contra uma

Ele era um defensor ferrenho do início da vida já na fecundação e, por isso, militava ferozmente contra o aborto em qualquer circunstância. Também vociferava contra os menores infratores, dizendo que deveriam ser presos e que, eventuais defensores 'dessa corja', deveriam levar os 'bandidos pra casa'.

Certa feita, numa mesa de bar, sentado com amigos de longa data, círculo que foi desfeito após o colegial e que agora se reencontrava, quase vinte anos passados, ao ouvir um amigo defender o aborto em algumas ocasiões, levantou a voz a defender seu ponto de vista.

Outro amigo, depois de uma golada generosa na cerveja gelada que molhava cada palavra ali dita, resolveu então questionar o caríssimo companheiro:

- Então você defende que a vida começa com a fecundação, certo? Transou, o óvulo encontrou o espermatozóide veloz e matreiro, pá! Vida, e a partir daí já nasce todos os direitos inerentes a ela e, por isso, deveríamos defender esse embrião, a ferro e fogo, em nome de Jesus.

- Exatamente! A vida começa a partir da fecundação e ponto. Aí vem esses esquerdopatas-comunistas-gayzistas-abortistas dizer que é relativo, que é só um conjunto de células, que não é vida ainda. Um absurdo.

- Ok, ok, eu entendi seu ponto. Agora eu te pergunto, imagine a situação hipotética de um incêndio em um prédio. Você está lá e pode salvar apenas um: uma mulher, que está presa numa sala e morrerá se você não ajudar, ou um balão criogênico com trezentos embriões fecundados apenas esperando a data do procedimento de implantação no útero das futuras mamães. Qual você salva?

- Como qual eu salvo? Eu salvo a mulher, oras.

- Então você salva uma vida em detrimento de trezentas?

- Não, claro que não. Eu salvo a vida que...

Eu já nem ouvi o resto da argumentação. Tomei o gole que me restava da cerveja, deixei um dinheiro extra na mesa e fui mijar, antes de ir embora.

Esses encontros de antigos colegas nunca resultam em nada positivo mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário