quinta-feira, 14 de junho de 2018

Eterna

Eu cago na boca de Newton,
eu urino na cabeça de Einsten,
eu jogo amendoins na jaula de Darwin,
e faço bigodes nas fotos de Marie Curie.
Eu desenho pintos na boca de Aristóteles,
eu cuspo na cara de Galilei,
eu atiro ovos no peito de Pasteur
e chamo bombril a barba de Maxwell.

Eu sou a ignorância,
o deus maior,
a força verdadeira e natural
da natureza humana.
Vocês podem tentar me matar,
podem encher escolas,
podem escrever livros,
podem lançar documentários,
produzir palestras,
eu remanesço.

Eu vivo incrustrada debaixo da unha suja
de quem se deixa ser pensado.
Eu sobrevivo incólume na dobradiça peluda ou no peitoral másculo
de uma ou outra feminista, um ou outro machista.
Eu me mantenho austero na mancha branca de alvejante
da camisa vermelha velha e surrada do esquerdista parado no tempo.
Eu resisto bravamente em meio aos coliformes fecais
das notas verdes e encardidas dos dólares encarcerados em cofres.
Eu permaneço saliente nas orelhas amarronzadas
dos livros ditos sagrados dos defensores da tradição de morte.
Eu subsisto.
Eu me conservo.
E o seu absurdo por me saber assim,
só confirma a minha tese:
Eu sou eterna.

05 de junho de 2015

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Milho

Você come arroz, feijão, bife, batata frita,
salada de tomate.
Ele come risoto de limão siciliano, filé mignon,
legumes cozidos no vapor.
Ela come foie gras, escargot,
espuma de legumes.
Aquele come feijoada, couve, torresmo,
laranja.
Cada um come o que o dinheiro pode comprar.
Cada um come o que acha conveniente.
Cada prato com seu jeito.
Cada jeito com seu preço.
E vem a natureza e despeja tudo pelo cu,
sem jeito, sem forma.
Transforma o caviar
em irmão gêmeo da dobradinha.
Tudo vira merda.
Nada resiste ao poder homogeneizador do cu,
menos o milho.
O milho vive a sua própria natureza,
ele não se mistura.

28 de maio de 2015

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Suicídio

Passei boa parte do dia, e por boa parte do dia lê-se ‘poucos minutos menos que uma hora’, o que, para o que falarei a seguir, é um tempo considerável, eis o que vem a seguir, pensando em suicídio.

Estou com um frio fora do comum para o que me é comum sentir frio. Sinto que adoecerei em breve, nos próximos dias, ou horas. Meu mouse com problemas forçou demais meu braço direito, o pulso dói e quase me impede de digitar.

Hoje tudo atrasou, não me deixaram prosseguir no trabalho (preciso me desligar das pessoas, na verdade, preciso me desligar do trabalho), e pensei por alguns minutos, novamente, em suicídio.

A vida me parece superestimada, às vezes, mas sei que a vida, em verdade, é subestimada. É o capitalismo, talvez, que superestima a posse, a propriedade, e vamos nos empossando de coisas inúteis, uma atrás da outra, e perdendo a propriedade sobre nossas vidas.

Gosto de poucas pessoas, mas nem sempre gosto de conversar com elas. Não digo, não revelo, com medo de magoa-las. Por medo de magoar a outros eu fico me magoando, sofrendo. Eu deveria abandonar tudo e sumir. "Não me amem", escrevi outro dia. No fundo eu queria dizer isso mesmo, disfarcei quando me questionaram.

O pulso dói demais, e ainda pulsa. Mas pensei em suicídio hoje. Fico triste quando começo a relevar esse tipo de pensamento. Não é algo fácil de se conviver esse desprendimento da vida. E vou tentando. Não o suicídio. Mas, sim, evitá-lo. Vou tentando viver. Acho que estou precocemente cansado. Nunca fiz nada diferente do que faço hoje. Meus 30 anos me pesam como a uns 70, ou 80. Dizem agora que a vida começa aos 50 e eu já estou morrendo vinte anos antes.

Talvez não seja nada. Talvez eu só precise beber mais.Mas a cerveja anda excessivamente cara, pelo menos a boa cerveja. E não existe cerveja após o suicídio, ao que parece.

Melhor continuar tentando.

12 de maio de 2015 (revisado em 04 de junho de 2018)

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Harmonização

Salada de beterraba.
Uma garrafa de tequila.
Um bar repleto de oportunidades.

O sono ébrio do esquecimento.
O tapa na cara do sol escaldante.
A merda vermelha
espalhando dúvidas
em cada prega intacta
que não se tem coragem de tocar.

Definitivamente,
beterraba não harmoniza com amnésia,
em nenhuma de suas formas.

11 de maio de 2015