quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Adeus ano velho

Isso mesmo, continuem, continuem aí dizendo que o ano velho se foi, que o novo se vem.

Continuem se enganando que o ano que vem será melhor. Que tudo irá se realizar no ano que vai nascer.

Não há ano que nasce. Não há ano que morre.

É só mais um dia que se foi.

E outro que vem para continuarmos repetindo os mesmos erros de sempre,

até que o ano se acabe.

29 de novembro de 2017

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Natal

- Esse ano não vai ter Natal.

Foi o que decretou o pai desempregado aos três filhos pequenos e à mulher, incapacitado que estava de bancar os caprichos de uma data inventada para o comércio, para o consumo e nada mais.

- A gente já se ama o suficiente durante todo o ano, não precisamos de uma data específica para lembrarmos disso.

E no dia 25, todos comeram arroz, feijão, ovo, e um resto de pão que o diabo amassou.

11 de novembro de 2017

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

PEC 181

Carlos Mason é um homem branco, pai de família, trabalhador, religioso, honesto e pagador de impostos. Ocorre que Carlos Mason possui um único problema. Carlos Mason só consegue ter ereção por meio da violência física. É um fator até frequente na população masculina, fruto de uma criação desestruturada, com pai agressivo e opressor. Carlos desenvolveu-se com a libido diretamente ligada ao espírito opressor. E opressor se tornou.

Sua esposa, Amalgajiza, teve dois filhos, Arthur e Mariana. Ambos frutos de relações forçadas, pois Amalgajiza não queria ter filhos e, impossibilitada de usar pílulas (é contra Deus, dizia o marido) e preservativo (eu não vou fuder mulher minha com plástico cobrindo meu pau, segundo o mesmo), nunca conseguiu se utilizar de métodos contraceptivos.

Após a segunda gestação, Amalgajiza passou a rejeitar Carlos Mason na hora do sexo. Isso causou um certo furor na cabeça do Carlinhos, nosso amigo.

Sem ter o que "comer" em casa, Carlinhos fez o que deve fazer todo homem de verdade, ciente da sua masculinidade e que não se apequena frente a negativa daquela que deveria prover os seus desejos básicos: Carlinhos traiu.

Beijo daqui, beijo de lá, Madalena foi tentando se desvencilhar de Carlinhos, que partiu pra cima sem perdão. Mais fraca, Madalena não teve reação após o soco desferido pelo machão Carlinhos. Deu. Carlinhos gozou, limpou na toalha da mesa da casa de Madalena e foi-se.

O tempo passou. Madalena foi se embuchando. Tensão no ar.

Perto dos nove meses, dores, o diabo durante a gravidez que não pôde ser interrompida graças à bondade e sapiência dos senhores representantes do povo que aprovaram a PEC 181, Madalena se viu na iminência de dar à luz o fruto de um estupro perpetrado por Carlinhos, nosso brother.

Madalena mandou avisar Carlinhos.

Irritado, esbravejando, puto da vida, Carlinhos mandou tomar no cu todos os 18 que, inicialmente, posicionaram-se a favor da PEC que o fazia, agora, responsável por uma criança não querida. Carlinhos, nosso amigão, agora seria forçado a ser pai de uma criança que ele não programou, fruto de uma foda que ele só teve por prazer, por vingança de Amalgajiza.

Carlinhos xingou muito no Twitter. Carlinhos foi à mídia. A mídia recebeu Carlinhos, como não recebeu nenhuma mulher quando a proposta passou por uma comissão e vários protestos foram realizados.

Carlinhos mexeu com o brio dos eméritos deputados e nobres senadores que se compadeceram com a sua dor.

A PEC 181 foi revertida.

E tudo voltou como antes era.

Os estupradores nunca mais foram forçados a ser pais e dividir seu patrimônio com um bastardozinho qualquer, que deveria ser apenas porra perdida.

O povo de bem, mais uma vez, vencia o mal.

29 de novembro de 2017

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Cansaço

E aí eu nem mais me importava com nada.
Eu nem me ligava a nenhuma coisa,
eu nem queria saber de outras pessoas.

A vida era o que deveria ser
e eu deixava que fosse o que seria.

E tudo era o que era mesmo.
E todo sabor era o mesmo sabor.
E toda diversão era a mesma diversão.
E tudo era o tudo do mesmo.

Cansei!

Cansei de ter que explicar
e eu explico o que tudo é
do jeito que é.
Do jeito que tudo diz
que deve ser o que tudo é.

E eu canso de ser o que eu sou
porque o manual do que diz o que sou
diz que eu devo ser como eu sou
exatamente assim, como sou.

Canso. Canso de cansar. Tédio.
Entedio-me de me cansar.
Entedio-me de me entediar de cansar do tédio.

Desliguem a TV!
Desliguem o celular!
Desliguem tudo!

É tudo tanta coisa cheias de coisas.
Tantas coisas coisas cheias de tudo.
E cansa-se.
Em algum ponto esgota-se.
Não quando somos jovens.
Não quando achamos não ser.
Só depois.
Só quando é tarde demais.

11 de novembro de 2017

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Social real

Não é "você é feliz?", não.
A pergunta certa é "você ESTÁ feliz?".
A felicidade é ali. Específica.
Está, nunca é.
Ser é demais para sentimentos.
Ser é humano. Humano é, e sempre está coisa ou outra,
outra ou coisa.
Busca a harmonia e nunca encontra,
vive e morre na corda bamba.
Atua e se deixa levar,
permite-se ser sem ser de fato.
E fingimos todos.

Filho da puta do Fernando Pessoa,
aquele cretino que decretou que apenas o poeta
era um fingidor e fingia tão completamente
que fingia ser dor a dor que realmente sentia.
Todos somos, de fato, poetas,
todos somos, em verdade, fingidores.
E fingimos.
E enganamos.
E nos dizemos bem.
E nos falseamos felizes.
Só para parecermos reais
na irrealidade das redes sociais.

E no fim acabamos por nos esquecer que a vida real
é toda uma real rede social.
Mas nela ninguém consegue fingir.

11 de novembro de 2017

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Esquinas

Tanto por perder, tanto por viver.
A vida por um fio.
De um lado a vontade de seguir.
De outro a desesperança de não conseguir.

Seguir a vida, deixar tudo pra trás,
tentar seguir em frente, sem arrependimento.
Poder viver o sonho por um momento.

E ela só queria ser amada.
Mas amor falta na terra da cobrança,
querem-na demais, exigem suas forças,
cobram mais e mais, esgotam a moça.

O porto seguro de outrora
é lembrança longínqua na memória.

O amor ela guarda em si, sente em si.
Mas queria viver esse amor, vivenciar esse amor,
sentir na pele, nos pelos arrepiados do toque,
no coração pulsando do carinho,
na paz calmante do ninho.

E mesmo próximo tudo é distante.
E mesmo ali, nada está.
E mesmo que busque, foge.

Resta a solidão de estar apenas.
Resta o deseja de não ser apenas.
Resta a vontade de se libertar
deixar-se viver sem culpas
e poder sorrir enfim, sem falsa modéstia,
a plenos pulmões,
a felicidade que nunca a encontra.

Quantas esquinas ainda há de dobrar
até tropeçar na vida que merece ter?

11 de novembro de 2017

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Titãnicos

Já cantaram que a gente não queria só comida,
e a gente ainda quer bebida, diversão e arte.
Cantaram que a gente não queria só comida
mas também saída para qualquer parte.
A gente continua não querendo só comer,
mas também beber e fazer amor.
A gente ainda quer comer
e quer ter prazer pra aliviar a dor.

Mas a cesta é básica e nem dá pro básico,
o salário pra render só se a gente for mágico.
A diversão é cara e censuram a arte,
O rolêzinho é boicotado quase em toda parte.

A comida não pode ser só o pasto, ou a ração.
A bebida até pode ser só a água, mas um suco é bom.

E a gente ainda não quer só dinheiro,
mas ainda sonha com a felicidade.
A gente sabe não terá o inteiro,
nem sequer metade,
pois saibam que no sonho primeiro
a gente quer apenas oportunidade.

A gente só quer o que a gente precisa
nada mais queremos não.
A gente só quer o que a gente precisa
e o que a gente precisa é educação.

A gente só quer o que você quer.
A gente só quer ser feliz,
assim como você,
do jeito que der.

08 de novembro de 2017

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Discurso político

É preciso reconhecer os nossos defeitos,
aliás, é deles que advém boa parte da nossa personalidade,
eles são o que somos.

As virtudes figuram no campo do dever-ser.
Já os defeitos desfilam na avenida do ser.
Virtudes são ficção.
Defeitos são realidade, pura e comprovada,
mesmo que com gosto amargo.

É preciso conhecer os nossos defeitos,
pois não há tratados sobre eles.
Destinar um tempo a distingui-los,
separadamente,
para dar-mo-nos conta de quando estamos sobre seus efeitos.

Defeitos, eis do que somos realmente feitos!
Afinal, virtudes e qualidades são meros acessórios
que usamos para enfeitar nosso currículo.

08 de novembro de 2017

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Defeituoso

É preciso reconhecer os nossos defeitos,
aliás, é deles que advém boa parte da nossa personalidade,
eles são o que somos.

As virtudes figuram no campo do dever-ser.
Já os defeitos desfilam na avenida do ser.
Virtudes são ficção.
Defeitos são realidade, pura e comprovada,
mesmo que com gosto amargo.

É preciso conhecer os nossos defeitos,
pois não há tratados sobre eles.
Destinar um tempo a distingui-los,
separadamente,
para dar-mo-nos conta de quando estamos sobre seus efeitos.

Defeitos, eis do que somos realmente feitos!
Afinal, virtudes e qualidades são meros acessórios
que usamos para enfeitar nosso currículo.

08 de novembro de 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Fim do mundo

A depressão é a tristeza que vem
quando você menos espera,
mesmo sabendo que ela vem,
mesmo sabendo o motivo,
você não sabe o porquê,
você não sabe por quê.

A depressão é o mal do século,
e ninguém entende.

Acham que é frescura,
acham que é fraqueza,
acham até sentirem.

No fim do mundo
todos seremos depressivos
e iremos entender aqueles que perceberam antes
que o fim estava próximo.
Mesmo sem saberem.

08 de novembro de 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Só olhar.
Só ver, sem tocar.
Só observar de longe.
Só estar.
Só ficar, ficando.
Só parado, vivendo o momento.
Só deixar-se ser.
Só deixar rolar.
Só.

Às vezes,
no meio de tanta gente,
o que se quer é ver o todo,
sem que o todo te veja,
assim, sozinho,
no meio de todo mundo.

07 de novembro de 2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Acordou

Roncava alto, sem se dar conta. Acordou com a baba lavando o chão onde a sua cara amassada repousava da ressaca que viria.

Levantou-se dificultoso. A cueca manchada de amarelo. Coçou a bunda, a barba, o saco, cheirou. O estômago reclamava a falta do que comer.

Foi até a cozinha, como na sala, sujeita para todo lado, abriu a geladeira, alcançou uma lata de cerveja, um pedaço esquecido de pão com algum recheio, voltou ao sofá.

Ligou a TV, encarou a bagunça que o cercava, lembrou da ordem de sua mãe para que deixasse tudo organizado enquanto estava fora. Não respeitou.

Ouviu qualquer sussurro do lado de fora, foi ver o que era. Um desfile, parecia, olhando de cima, bem de cima onde estava. Lá embaixo todos parecia formigas, carregavam cartazer, acompanhados por pequenos carros com músicas estranhas, gritos abafados, carnaval fora de época?, pensou. Voltou pra TV.

Sentou-se. Voltou a cozinha para mais cerveja, três latas, encheu sua caneca, bebeu, bebeu, até esvaziar o estoque refrigerado.

Coçou o saco, adormeceu com a mão dentro da cueca azeda. Voltou a dormir no sofá, como se nada estivesse acontecendo.

Eis um dia na vida do gigante, que acordou, brevemente, para poder se embebedar e voltar a dormir.


07 de novembro de 2017

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A ponte

Há dias nos quais a ponte nem parece ser tão extensa.
Anda-se com o olhar altivo,
as pernas movem-se naturais,
os carros passam sem pressa,
a pressa não existe e vai-se indo,
é quase natural, se natural fosse,
e chega-se ao outro lado,
onde eles todos te aguardam,
como se aguardassem desde sempre
e te recebem de braços abertos,
quando atravesso a ponte pro lado de lá
um deles vem pro lado de cá,
por isso a alegria em me receber
nesses dias em que a travessia é natural.

Há dias nos quais a ponte se mostra mais extensa do que é.
O olhar cansado não enxerga o outro lado,
as pernas ficam presas no asfalto quente,
a sola do sapato gruda, não me deixa ir,
os carros desistem de enfrentar o caminho,
a pressa é só o que há
junto com a morbidez,
e não se chega nunca ao outro lado
que parece ficar mais distante,
não se vê alma viva,
ninguém a me recepcionar,
tem dias que eles todos não querem falar,
calam-se, escondem-se,
e ninguém vem pro lado de cá,
nesses dias eu fico no meio da ponte,
sem saber se posso avançar,
sem saber se consigo voltar.

07 de novembro de 2017

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Orfanatos às descobertas

Se todos os cachorros do mundo,
de repente,
assim, do nada,
de uma hora para outra
não mais pudessem se reproduzir,
muitos casais descobririam,
como que por um milagre,
os orfanatos abarrotados
de crianças esquecidas,
que clamam por cama,
comida,
carinho
e que os receberiam de braços abertos
todos os dias após o trabalho.

20 de outubro de 2017

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Aconselhamento Genético

No consultório:
- Então vocês querem ter um filho?
- Sim, Doutor, é o nosso sonho.
- Sempre pensamos nisso, desde nosso primeiro encontro.
- Hmmmm... e vocês fizeram os exames?
- Sim - em uníssono.
- Ok, vamos ver... uhum... hmm... uhum... eita... tá... ok... puts... então, vocês querem ter um filho?
- Sim, Doutor, como dissemos, é o nosso sonho.
- E vocês têm certeza disso - o médico se remexe na cadeira.
- Absoluta doutor - novamente em uníssono, avançando sobre a mesa.
- Ok, ok, então eu preciso alertá-los: O filho de vocês terá no máximo 95 centímetros, não conseguirá andar sobre dois apoios, ronronará até os 2 anos, uivará até os 11 e grunhirá como o Chewbacca o resto da vida...
- O quê?
- Calma que eu ainda não terminei! Ele também comerá todo tipo de carne, inclusive humana, desde cedo, defecará no chão, cuspirá fogo e só voará depois dos 18.
- Voará???
- Deixem eu terminar, por favor. Os dentes crescerão mais que o normal, principalmente os caninos, ele cheirará a enxofre, pode ser que desenvolva um rabo, e cuspirá fogo durante as crises de gastrite.
- Mas, doutor, o que é isso? Como pode?
- Ah! Isso é mágica tecnológica científica do aconselhamento genético na relação entre Lúcifer e Daenerys Targaryen.


06 de novembro de 2017

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Eu que sempre fui jovem

baseado em Tempos Perdidos, da Legião Urbana.


Mais um dia. Acordei. A cabeça doendo. O tempo passou depressa nas horas poucas que pude dormir. A boca seca. O que aconteceu noite passada? O que foi que eu fiz, de novo? Fico pensando enquanto escovo os dentes. A barriga reclama um conforto, sento no vaso de escova na boca. O que foi que eu bebi? O que foi que eu comi? A cama me chegou rápido demais. Rápido demais tive que sair dela.

Ainda há dia demais até a noite. Ainda há coisas demais até o descanso. E toda noite é uma reflexão sem futuro. Eu me esqueço do que me prometo de bom. Eu só faço o que não consigo evitar. Eu só faço merda e sigo em frente. Não há tempo a perder. Só dinheiro. Só vida.

O café me desce amargo no escritório. O suor escorre pelo rosto. A secura na boca. O incômodo. Um dia outro de ressaca. E a vida levada a sério, depois de tanta comédia, de tanta despreocupação. Eu vou vivendo.

O sol desatina as retinas ressacadas. Eu uso meus óculos, eu nem sempre os usei, mas as vistas não me deixam enxergar com clareza. E tudo fica anuveado. Embaçado. Eu só preciso de um abraço. De um conselho. Eu me sinto só. Eu me sinto perdido.

Sigo a vida no ritmo que não é o meu, é o que a vida me impôs.

Contam fábulas, casos, fatos, e eu preciso transformar tudo em uma história que possam engolir e absolver. Sim, absolver, não absorver. A mentira absorvida é amarga, revela a verdade. A verdade nem sempre me favorece.

O dia passa, as horas passam, eu me perco em meio a olhares, olás, sorrisos falsos, vontade falsa. Eu só preciso de um drink, ou dois, ou três e a minha cama. Eu preciso da solidão, apesar de não saber viver só.

As luzes se apagam, o dia se vai, eu só queria uma luz acesa, para ter a certeza de um norte a seguir. Não há.

E eu que sempre achei que fosse jovem demais, vejo-me já de cabelos grisalhos, pensando em quanto tempo ainda me falta.

06 de novembro de 2017

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Lítio

feito pensando na Lady Anne.

É como se eu me mantivesse o mesmo,
sendo mais humano e mais sereno.
A loucura corrosiva que me toma os dias
por um momento se esconde,
vai-se sem se dar ao trabalho de dizer aonde.
Fica o que sobra de bom,
fica o humor que não encontro em outros dias,
fica o que há de melhor,
uma toda vontade de querer ser mais,
um desejo profundo de sair e ganhar o mundo,
só para poder entregar a ela,
só para poder ser mais para ela.
É como se eu vivesse o mundo às avessas,
cheio do desejo de explodir e desaparecer,
como se a loucura me dominasse
e me fizesse querer deixar de ser.
Aí ela chega.
E como se fosse meu lítio,
me coloca do seu lado,
me chama de namorado
e me faz sentir melhor.

28 de outubro de 2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

(re)Produzindo

Dizem
dizem que o sexo é sujo, dizem.
Mas quem é limpo?

Dizem
dizem que o sexo é pecado, dizem.
Mas o que não é pecado?

Dizem
dizem que o sexo só depois do casamento, dizem.
Mas quem precisa casar para amar?

Dizem,
dizem que o sexo só deve atender à reprodução, dizem.
Mas como pode o sexo ser só pra reprodução
se o homem só fica de pau duro
quando sente tesão?

E aí ninguém diz nada.
Porque o sexo reprodutivo é só para as mulheres.
Afinal, o homem é um animal cheio de instintos.
É o que eles parecem dizer.
É o que dizem.
Infelizes!

27 de outubro de 2017

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O prazer feminino

O prazer feminino
essa efemeridade
tantas vezes esquecidas
tantas vezes questionada
tantas vezes duvidada.

O prazer feminino
esse mistério profundo
que tanto vicia quem o encontra
que tanto fascina quem o enxerga
que tanto empolga quem o provoca.

O prazer feminino
essa mágica, essa angústia,
esse querer sem querer
porque o parceiro não quer,
esse direito renegado
porque os hipócritas não querem,
esse doce pecado
que de pecado não tem nada.

O prazer feminino deveria ser disciplina do ensino médio,
deveria ser curso superior,
deveria ser cláusula pétrea na Constituição.
Mas tudo sem forçar,
assim, natural,
deixando-se ser sem se notar,
para que seja apenas prazer,
sem culpa,
sem obrigação.

O prazer feminino que deveria ser escola gastrônomica
para que pudéssemos tê-lo na ponta da língua;
que deveria ser aplicativo de smartphone,
para que pudéssemos tê-lo na ponta dos dedos;
que deveria ser o prazer masculino
para que pudéssemos senti-lo a dois,
como é melhor sentir todo prazer erótico.

20 de outubro de 2017

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Crônica da mãe exemplar

Era uma vez uma mãe exemplar, dessas que a gente vê o mundo cheio delas. Passava o dia todo com os filhos, embora dissesse a todos que trabalhava fora, e o dia todo ficava com os olhos voltados para redes sociais, vivendo a vida alheia, enquanto os filhos ficavam de olhos voltados para telas diversas, vivendo a vida alheia.

À noite, a mãe exemplar, por não ter tido contato com os filhos que, novos demais, ainda não tinham redes sociais e nem aplicativos de mensagens para conversar com ela, via na hora de dormir o único momento de real interação com sua cria. E as crianças varavam o tempo, invadindo a madrugada, em farras até que a mãe exemplar se enchia e passava a gritar e esbravejar sua raiva incontida.

Na manhã seguinte, ninguém acordava, quem iria para a escola não ia, quem ficaria em casa acorda tarde. E a culpa ia sempre nas costas de quem não tem culpa nenhuma.

Eis a história de uma mãe exemplar, dessas que a gente vê o mundo cheio delas.

E que deus cuide dessas crianças.


PS: essa é uma estória totalmente fictícia. Qualquer semelhança com alguém na vida real é mera intriga da oposição.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Amores Canibais

O maior problema de sermos um casal canibal é o tesão.
Certo dia, ele todo teso, de pau duro, roçando na minha perna, afastou o cabelo do meu ouvido e, puxando a minha barba, sussurrou-me: "Me come, agora".
Só notei a conotação do verbo quando a carótida já derramava o sangue quente e fresco na minha boca faminta.
Ele não queria ser comido dessa forma.
Em nome do nosso amor, devorei-o até o último pedaço.
E hoje vivo só, com minha consciência e barriga pesados.


06 de outubro de 2017

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Eu e ele

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Ele vem sem ordem,
surge na vulnerabilidade,
sem dar notícia prévia,
se instala, acomoda-se,
faz-se rei do local.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

De fora, quem vê, vê o que não é,
vê a mim tão somente,
como sou para todos os que de fora me veem.
E não sabem identificar o outro,
veem-me apenas como eu,
eu transtornado, fora de mim.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Eu ainda estou ali, de lado,
sem ter como dizer o que quer que eu diga,
sem ter como explicar,
e nem adianta,
e ele diz o que quer dizer,
e ele deixa tudo sem explicação.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Parece um todo sem sentido de ser eu,
um embriagado ser que, parecendo ser eu, sou.
Mas não sou. Sou outro. Ele.
E ninguém reconhece.
Ninguém sabe.
Ninguém vê,
porque não adianta explicar,
não adianta falar,
ninguém entende.

Ele não sou eu nesse mundo.

05 de outubro de 2017

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dia das criança (sic)

Uma criança com sua mãe
tocou o tornozelo de um corpo nu
de um homem exposto em uma museu de arte.

Gritaram!
Bradaram!
Quiseram fechar o museu.
Cuspiram a arte.
Pedofilizaram a nudez.

Esses brutos, que deus os perdoe e acompanhe,
esses jamais poderão ter filhos pois,
de certo,
no primeiro banho, nus com as suas crias,
verão sexualidade no sexo sem sexualidade dos filhos
e acabarão derrotados pelo desejo,
enquanto um fio de sangue fresco corre pelo ralo do banheiro,
pelo ralo do chuveiro vai-se a pureza e a hipocrisia.

Uma criança foi deixada sob o leito carcerário
de um estuprador em vontades,
para que dormisse e permanecesse.

Silêncio.
Silêncio.
Não quiseram fechar nada,
não cuspiram em ninguém.
Ali não se chegaram.

Esses brutos, que deus não os perdoe e mande ao inferno,
sequer falaram sobre o fato, ignoraram,
como fazem sempre,
quando não estão no ar condicionado de um museu,
quando a realidade é real demais para que acompanhem,
quando o piso é sujo que seus pés não tocam.

Querem impor o seu partido repartido de razão.
Querem impor a sua crença na descrença.
Querem sem entender.
Querem.

E eu só quero que se fodam.
Todos.
Sem exceções.

Até mesmo suas crianças
(coitadas).

10 de outubro de 2017

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Humanos

Nós somos maus.
A humanidade é um todo de torpor,
vícios, corrupção.
Nós somos maus.

Tentam uns culpar um capeta inexistente.
Não há capeta que compita com nossos caráteres impuros.
Não há demônio maior que a mente humana.
Nós somos gananciosos.
Por isso o simples pensamento de uma comunidade igualitária,
onde tudo é de todos, e todos são donos de tudos,
é visto como mensagem diabólica.
"Vão comer suas criancinhas",
"vão deixar vocês na rua",
"vão tomar suas casas".
Nós somos diabólicos.

Nós trocamos moedas por milagres.
Damos o pouco que temos
pela expectativa do muito que jamais que teremos.
E deixamo-nos enganar por uma ou outra história
de pretenso sucesso.

Deus vive nos cifrões.
Deus mora no frescor reluzente do ouro,
na fria mortália do níquel,
atrás dos muros enfeitados de cercas elétricas,
que matam gatos incautos durante noites e dias.

E culpamos demônios, exus, caboclos,
culpamos pombas-giras, espíritos obscessores,
culpamos quem não existe
e quem não tem culpa.
Culpamos.

Culpamos porque nos falta caráter para assumir
a nossa toda falibilidade.
O papa é falível.
A mãe é falível.
O pai.
O tio.
O avô.
O padre.
O pastor.
O bispo.
Todo e qualquer ser humano,
por ser humano,
é falível.
E falhará.

Nós somos maus,
não por natureza,
mas por criação.
Não como criar bons humanos
quando somos humanos maus.

E o ciclo se repete.
E o mundo só aguarda o fim.

05 de outubro de 2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Mas que droga

A vida passa,
os anos passam,
o relógio mostra,
o calendário escancara,
e eu fico a remoer o que não sinto.

Acham que eu não sei.
Pensam que eu não sinto.
Mas eu sei.
Eu sinto.

A vergonha vai corroendo minha pele,
fazendo seca a vida que me esvai.
E eu não sei o que fazer.
Eu não sei como sair.
Eu tento,
eu tento,
e vou me afundando
mais e mais
e mais
e mais
e mais.

Tudo o que penso logo é declinado pela consciência,
tudo o que achava certo é denegado pela reflexão.
Direito.
Publicidade.
Nada é o que eu pensava.
Um tenta manter o status quo.
O outro tenta vender qualquer situação.

Merda!
Merda!

Eu penso demais, penso.
Eu penso demais, desisto.
A vondade de não pensar.
A vontade de desistir.

Mas que droga!
Mas que droga!

Covardia sobra
onde sobra esperança vazia.

24 de setembro de 2017

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Sem volta

O sol ainda nem saiu
e meus olhos já não sabem dizer o dia,
ainda esperam o fim de todo o desastre.

Era um sábado,
era um dia feliz,
até o chamado,
até a dor toda,
até o corpo se sentir inútil,
fútil,
desnecessário.

A notícia,
a mensagem,
e todo o São Francisco transpôs-se,
de imediato,
em lágrimas nos meus olhos.

Chorei como chorei no meu pai,
chorei como jamais chorei depois disso.
Chorei como jamais imaginei que pudesse chorar,
eu que passei a me imaginar de pedra depois de tudo,
da morte,
da vida,
do choro no meu colo,
eu que achava que já estava pronto para só partir e deixar
era deixado.

Quem mais ouviria meus lamentos?
Quem mais leria todos os meus pensamentos?
Quem mais seria cúmplice dos crimes que planejei não cumprir?
Quem mais para amar?
Quem mais para viver?

Deixei-me a lamentar enquanto engolia dúzias de tudo o que encontrei.
Deixei-me apenas ser levado.
Eu que não cria em nada,
queria crer em nós
para sempre.

Eu que sempre soube
que o para sempre não existe.

24 de setembro de 2017

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Anticlímax

Não, não tem salvação, não tem esperança.
A ideia que te vendem é falsa.
O ouro que te entregam é falso.
O sonho acabou desde o primeiro sonhador.

A vida é assim mesmo.
Você nasceu, você vai morrer.
O meio tempo é só o meio tempo,
é só sobrevivência,
é só tentar não morrer.

Não, não tem salvação, não tem esperança.
Você vai ser crucificado.
Você vai ser enterrado.
Você vai ser demitido.
Você vai.

Eles ganharam.
Eles sempre ganharão.
Eles sabem as regras.
Eles criam as regras.
Eles as impõem.

Não, não tem salvação, não tem esperança.
Você tem que obedecer.
Você tem que temer.
Você tem que crer.
Você tem que acreditar.

E comprar mais e mais do que não precisa.
E consumir tudo o que de inútil fazem não parecer.
E gastar o salário que não ganha.
E se individar.
E dever.
E não ser.

Não, não tem salvação, não tem esperança.
A vida é uma bosta.
A vida é uma merda.
E você tinha que nascer, né!?
Você tinha que respirar.
Azar o seu.
Azar o nosso.

Eles venceram.

24 de setembro de 2017

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Tá pegando fogo, bicho!

Era uma vez, em um tempo distante, um país que, depois de passar por anos e anos em meio a censura ditatorial, resolveu que seria bacana entrar de cabeça na democracia. E obrigou todos os seus cidadãos a participarem dessa grande festa.

E os cidadãos participaram. Uns meio a contragosto. Outros cheios de esperança. E logo a esperança se foi, o medo tomou conta. Até que um pré-hipster (que tem barba grande e ainda não desenvolveu o coque) devolveu a esperança a todos, com seu discurso meio lá meio cá, e foi eleito nos braços do povo. E reeleito no braço mais direito que esquerdo do povo.

O povo embebedado e maravilhado com tudo o que pode comprar nos anos do governo do pré-hipster, elegeu a sua sucessora sem sal e açúcar e continuaram marinando nas ondas do consumo barato. Nas eleições seguintes, o país que vivia num sonho pulverizado de leite ninho e recheado de nutella, passou a entrar em conflitos cada vez mais comuns. Já não era mais o país do café com leite. Agora leiteiros e cafeicultores se digladiavam em busca do domínio do fato. Nesse contexto, democraticamente, a sucessora sucedeu-se a si própria, prometendo o que não poderia e não conseguiria e não cumpriria logo após a posse.

Seguiu-se a divisão entre café e leite. Eles já não se misturavam. Curiosamente, dentro do café as divisões pulverizavam, e descafeinados passaram a rejeitar os cafeinados. Veio o impeachment, e os descafeinados se aliaram aos leiteiros para formar um governo sem muita energia.

A falta de energia logo ficou evidente com a queda de vários ministros, denúncias contra o presidente descafeinado (que é bom deixar claro, foi escolhido como vice – e eleito democraticamente também – pelo partido da cafeína por questões eleitoreiras – e que não podem sair se lamentando) e crise seguida de crise. O governo sem cafeína ficava, por óbvio, cada dia mais e mais insustentável.

Enquanto isso, os extremos se dividiam nas redes sociais, xingavam-se, humilhavam-se. Uns criticavam exposições com temas de outros. Outros censuravam manifestações de uns. E eliminavam-se uns aos outros, aos poucos. E uns criticavam, com outros, a não manifestação dos isentões, o centrão.

E seguiam-se conflitos violentos nas redes sociais. Bloqueios. Invasões. Xingamentos. Rts. Haters. Compartilha mais que o outro. “Senta o like”. Etc. Etc. Etc.

Quando saiam do virtual, a coisa ficava séria. E descafeinados provocavam cafeinados. E cafeinados provocavam descafeinados. E ninguém sabia quem era o provocador e o provocado.

Curiosamente, os que, pretensamente, eram de esquerda, acabavam entrando em conflito com os agentes públicos de segurança, mesmo sendo ferrenhos defensores do Estado total. Já os de direita, liberais, defensores do Estado mínimo, escondiam-se atrás dos escudos de CHOQUE do aparato estatal de segurança.

E quando lançaram o desafio para que, finalmente, direita e esquerda se digladiassem, como outrora, em uma arena, numa batalha até a morte, para saber quem, de fato, era o mais forte, nunca, na história desse país, o centrão se viu tão fortalecido.

E o torneio foi cancelado, por falta de participantes.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Eu sempre fui do contra

Eu sou contra, sempre fui contra, era contra e sempre fui.
Até que um dia um amigo me levou para provar.
Na primeira eu fiquei meio sem jeito.
Não sabia como agir. Ele me encorajou "vai, prove, você vai gostar". Eu não sabia. Dei o primeiro tiro.
Aquilo explodiu minha mente. Em segundos era como se um mundo novo abrisse ali, bem na minha frente.
Mas o efeito passou rápido.
Boom! Mais um tiro. Eu prometi que seria o último.
Minhas pupilas dilataram.
Meu sangue fervia em minhas veias, meu corpo estava em fogo.
Não resisti.
Outro.
Outro.
Outro.
E mais outro.
Descarreguei todo o tambor.
Eu estava em êxtase.
Queria isso para minha vida.
Carregada, podendo usar quando me sentisse vulnerável.
Eu seria um rei!
Eu serei um rei!
Entrei na primeira loja e apontei para a mais brilhante.
Aí a realidade bateu.
Eu nunca teria dinheiro para sustentar o vício.
O revólver mais simples custava mais que o dobro do meu salário todo.
E ainda teriam os custos do curso.
Virei a esquina, comprei uma de brinquedo
e continuo dando tiros de água
nos meus sobrinhos incautos.
Ainda continuo contra.
Ainda bem.

15 de setembro de 2017

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Sometimes

E é tanta voz
é tanta gente
é tanta coisa.

E tanta gente de lá
tanta gente pra lá
e tem os de cá
que não param.

E é tanta coisa
tanto sei lá
que vem e vai
de lá pra cá,
daqui pra lá.

Nem deus,
nem Jeová,
nem o capeta,
nem Alá.

Às vezes o que a gente quer é só a solidão,
ficar sozinho, num canto, sem ninguém,
e poder deixar tudo pra trás,
e poder morrer em paz.

06 de setembro de 2017

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

PhD #5: Sobre um deus único

A existência ou não de um deus é fato que não discutirei aqui. Você deve acreditar e seguir aquilo que seu coração mandar. Desde que seu coração se paute pelo respeito e tolerância pelo outro, como sendo outro e diferente de ti. Se seu coração pautar por dogma diferente desse, então passe a questionar a sua crença e buscar outra que se coadune com esse mantra da coexistência pacífica. Só o respeito e a tolerância podem fazer futuro na existência humana.

Pautado antes no respeito é que desvinculo o questionamento da falta daquele. Questionar é tentar entender, não desrespeitar. Quem enxerga o questionamento como desrespeito está de raízes plantadas num fundamentalismo cego (como todos os são), sem margens de possível diálogo, flertando sempre (e buscando) o embate, ao invés.

Então, feitas essas premissas, afirmo: é impossível a existência de um deus único. Explico-me.

Há muito tempo, eu que já flertei com diversos seguimentos religiosos, passando inclusive pelo paganismo wiccano, e, mal ou bem, busquei entender a lógica (se é que existe lógica) dentro de tantas outras vertentes, questiono-me acerca da efetividade do monoteísmo na sociedade.

Tendo como base o cristianismo para fins de análise, religião que agregou em si, para fins de maior aceitação pública (marketing na sua melhor forma), notadamente quando reconhecida como religião oficial do Império Romano, diversos aspectos das religiões pagãs (data do Natal, Páscoa, etc – busquem registros históricos) e judaicas, a crença num deus único e singular enfrentou grandes dificuldades.

A religião, antes da formatação em massa que deu origem às três grandes abraâmicas, e aqui cabe um novo parêntese, posto considerarmos as religiões do ponto de vista ocidental, era assunto familiar. As famílias cultuavam os antepassados como deuses, não deuses como criadores. Sendo assim, a multiplicidade de deus era a regra. O livro “A Cidade Antiga”, que tive que ler (obrigado UEL), por ser obrigatório na disciplina de Direito Romano na faculdade, explica em boa medida o alcance desse culto.

Ao me deparar com o “Livro de Iniciação da SOUST” (Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade), que, já de início, abre-se com o título “Cada um encontra o Cristo que procura”, e permeado de uma bad sem explicações, cresceu em mim a vontade de fazer esse texto.

Cada um encontra o Cristo que procura, logo ao me ver diante desse título, confesso, não mais li qualquer coisa. Talvez porque queira, depois de ler, refletir sobre o escrito e, possivelmente, ver nisso outro motivo para voltar a escrever (gerando conteúdo). É que o título em si deflagra grande parte da minha visão de mundo religioso, contrapondo-se ao fato propagado das “religiões monoteístas”.

Considerados fossem ovelhas num rebanho, o termo “religião monoteísta” até poderia ser baseado em uma verdade fática. No entanto, quando falamos de religião, tratamos do único ser capaz de questionar a própria existência e de fazer futuro diferente o futuro que a sociedade lhe impõe.

Parêntese outro: se você vê nessa afirmação o questionamento da ascensão social, por “n” motivos, não se esqueça que a morte, invariavelmente, é uma mudança de rumo no futuro imposto pela sociedade. Fecho o parêntese.

Dito isso, monoteísmo é o que menos poderemos esperar de qualquer religião, por mais explícita e detalhada esteja a mente do senhor criador de tudo o mais. O ser humano é uma espécie de memória, de vivência, de experiências. Não somos meros instintos ambulantes, lutando pela sobrevivência. Nós pensamos, calculamos, fazemos escolhas conscientes.

Somos diferentes. Temos visões diferentes sobre quase tudo. Por que seria diferente com o ser maior da nossa religião monoteísta escolhida? Não é!

Quando dizemos que “Deus é misericordioso”, para quais atos a misericórdia divina deve ser aplicada, na sua opinião? Pense. Agora pergunte para um colega mais próximo. Um colega não tão próximo.

Agora volte no tempo e pense como você responderia a essa mesma pergunta cinco anos atrás. Dez anos atrás (se tiver idade). Nós mudamos, o mundo nos muda enquanto interagimos com ele. E, sem que notemos, nossa visão de deus muda junto nessa mudança.

Se há o monoteísmo, por que essas mesmas religiões se multiplicam em um sem número de seitas interpretativas da vontade divina?

Ok, talvez você ache que eu esteja exagerando e confie na unicidade do pensamento.

Então vamos sair desse tema metafísico, para algo mais concreto.

Você é brasileiro, certo?

Você é coxinha ou petralha?

Por hoje é só o que tinha por hoje.

Amanhã (ou depois, um dia) mais do de amanhã.

Beijo, abraço, aperto de mão ou aceno ao longe.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Independência ou morte

A gente nasce dependente de tudo e todos. Somos dos raros animais que, largados à própria sorte no nascimento, não sobrevive às primeiras mudanças de luz. E nos mantemos assim, muito em função da forma de organização social, até muitos anos após a dilatação pulmonar.

O tempo vai passando, e vamos nos tornando menos dependentes. Menos dependentes, não independentes!

Aos poucos não dependemos mais de ninguém para nos alimentar (mesmo precisando que comprem a nossa comida), de ninguém para nos vestir (mesmo necessitando de alguém que compre as roupas), e assim em quase tudo.

Vamos nos tornando menos dependentes de um lado, para tornarmos dependente de outros.

Descobrimos o amor. Definhamos nele em várias formas.

Depois ingressamos, a contragosto, na vida adulta capitalista. Precisamos de dinheiro. E afundamos na dependência de um trabalho que nos torna infelizes, para que possamos ganhar uns pedaços de papel que nos permita comprar aquilo que sabemos que não precisamos, mas que, de alguma forma, nos acaricia o vazio de existir. Tornamo-nos dependente do consumo, do dinheiro.

Aos poucos percebemos que esse mundo não é justo, que trabalhamos mais do que o nosso salário paga, vamos nos afundando em desilusão, tristeza. A dependência passa a fazer parte das nossas vidas. Álcool, antidepressivos, pornografia, likes, curtidas… e então, só então, nos damos conta que, ao contrário do que fez querer parecer Dom Pedro I, com seu grito ficcional “Independência ou morte”, a independência só chega no pós-vida.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Ejaculação precoce

Ejacularam na mulher, no ônibus, no pescoço. Todo mundo ficou alvoroçado. Menos o juiz, o promotor e o delegado. Só o ejaculador ficou excitado. E foi solto, não houve quem, constrangido, tenha ficado.

Ejacularam nos cidadãos, no Congresso, na boca. Todo mundo ficou em silêncio. Engoliram. Inclusive ministros do STF, do TSE. Só os ejaculadores ficaram excitados. E ninguém foi preso, porque uma Vil e Má Mente solta todos os amigos, sem ficar constrangido.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Psicopatia Compartilhada #1: Green Room

Já que eu nunca fiz isso aqui, resolvi que agora, ao final de cada mês (ou pode ser a cada quinze dias), indicarei alguma coisa que ando lendo, vendo, ouvindo, sentindo, usando, cheirando ou comendo e bebendo. Esse é o Psicopatia Compartilhada.

Para começar, um filme porradão! Sala Verde, ou Green Room, no original.

A premissa é a seguinte: uma banda de punk rock, precisando de dinheiro para voltar para a sua cidade após um show infrutífero, aceita tocar em um bar que é reduto de neo-Nazistas skinheads. Após tocarem, já indo embora do local, uma integrante percebe que esqueceu o celular no camarim. Ao retornar, em busca do aparelho, a banda se torna testemunha de um homicídio. A partir daí são obrigados a permanecer dentro da sala, até que o chefe dos skinheads (interpretado por Patrick Stewart, o eterno Professor Xavier) desenvolva seu plano para safar os verdadeiros culpados pelo assassinato.

Violência, tensão e suspense a todo momento. Quer facada na cabeça? Tem! Quer barriga aberta com estilete? Tem! Morte com tiro? Tem também. E outras 17 formas de morrer à sua escolha. Assisti antes de conferir o episódio vazado de Game of Thrones e, olha, GoT me pareceu conto de fadas.

O filme é de 2016 e passou despercebido pela mídia especializada. Sequer tem no Netflix. Mas, se você procura filmes onde a tensão está em cada detalhe, que prende a sua atenção a todo instante, com boas atuações e um roteiro bacanudo, esse é um tiro certo!


PS: a indicação não tem nenhuma relação com o recente caso em Charlottesville.

PS2: mas, poderia!

__________

Ficha técnica

Título Original: Green Room
Direção e Roteiro: Jeremy Saulnier

Estrelando: Anton Yelchin (o Chekov da nova geração de Star Trek); Patrick Stewart; Imogen Poots; Alia Shawkat; Macon Blair e mais um monte de gente.
Ano de lançamento/País: 2016 – EUA
Duração: 1:35h
Nota no IMDb: 7,0

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A perfeição foge nos detalhes

Era uma vez, um país singular.

Nele quase tudo estava às mil maravilhas. O povo tinha educação de primeira. A igualdade era conceito primaz da organização civil. Todos eram seres humanos, pura e simplesmente, independente de qualquer outra possível divisão. A corrupção era uma mera e vaga lembrança dos tempos antigos. A saúde experimentava período de primazia, sem surtos de doenças, sem epidemias, tudo era antevisto pela medicina preventiva. Nesse país, a água da chuva era reutilizada em cem por cento das casas. As matas foram recuperadas e a fauna e a flora prosperavam nas grandes reservas. A energia era limpa. A economia se equilibrava sustentável, como jamais visto. O país, antes tido como o país do futuro, agora surfava soberano nas ondas do presente progressista.

No entanto, como dito, nem tudo estava às mil maravilhas.

Sim, meus caros, a perfeição não existe e, como não poderia deixar de ser, assim não era nesse país.

Infelizmente, algumas pessoas insistiam em não se vestir corretamente para o trabalho a que se designava. E isso colocava em cheque toda a organização da sociedade. Toda a primazia econômica. Toda a paz e vida.
Eram os rebeldes advogados e advogadas, que depois de passarem por todo o curso de Direito, depois de batalharem para serem aprovados em um exame da organização de classe, depois de dominarem (?) o vasto arcabouço legal daquele país, insistiam em contrariar juízes, desembargadores e se apresentarem em frente a eles vestidos sem a solenidade exigida.

Pobre país, destinado ao caos por conta desses rebeldes.

Viva os desembargadores e juízes que ainda prezam pela moral, os bons costumes, pela família, por Deus e todo o mais e recebem os justos salários (que uns – invejosos – tratam como “super”) por isso. Afinal, é melhor ter um profissional incompetente bem vestido, que um reles doutor de roupas incompatíveis com o nível do julgador que vai confrontar nos tribunais.


24 de agosto de 2017



Desembargador se recusa a ouvir advogada por causa da roupa dela

RIO - Um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região, em Goiânia, se recusou a ouvir a sustenção oral de uma advogada por considerar que a roupa dela não se enquadrava ao decoro exigido no local.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Gosto da morte

Qual será o gosto da morte?
E ela me responde ser o gosto do tempero
que eu coloco na carne que como com gosto de sangue.
Não.
Não é esse o gosto que me refiro.
Esse eu já senti vezes e mais vezes
e nunca me canso,
se quer saber.
Eu sou fã de um cadáver requentado no meu prato,
quanto mais fresco, melhor.
Qual o gosto da morte, eu me pergunto.
Da nossa própria morte.
Que aromas provamos pouco antes de perdemos os sentidos?
Que gosto fica na boca antes do sangue secar?
Ferro somente?
Nenhum prazer?
Nenhum desgosto?
Que gosto afinal a morte tem?

11 de agosto de 2017

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Pedacinho

Uns pedaços
uns nacos
separando ossos de carne
pedaços
uns crus,
para ver se vale a pena,
e então generosos descansando
suavemente sobre a grelha.


O cheiro de carne pela manhã,
doce doce carne.


A saliva que escorre da boca
cai no peito.
Fome.


Eu comeria um boi,
um elefante,
você inteira.

Que fome.
Que ódio.
Que vontade de morrer.


Que raiva de não ser livre.
De não poder ser livre.

Todo mundo que eu conheço
acaba querendo um pedacinho de mim.

11 de agosto de 2017

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O fim do mundo

O fim do mundo, talvez,
seja uma cidadezinha pequena.
Onde não há para onde ir,
Onde não há o que mais se fazer.
E far-se-á o que se dá para fazer,
dentro das possibilidades do curto espaço de ir e vir temporal.
Mesmo que numa metrópole,
seus passos se limitarão a alguns quarteirões aqui
outros acolá.
As ruas estarão tomadas pelo desespero,
carros e mais cavalos e gentes,
e gritos e saques.
TVs correndo para lá e além,
celulares sendo embolsados.
Vidros quebrados,
alarmes disparados.
Desespero e caos.

O fim do mundo será todo ele
uma cidade pequena de possibilidades.
Pegue sua garota,
ou arranje um garotão,
tente se divertir.

Será a sua última vez.

11 de agosto de 2017

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

PhD #4: Lei Maria da Penha

Sancionada no dia 07 de agosto de 2006, portanto recém completados 11 anos da data, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, nome que recebeu graças à luta de uma farmacêutica cearense, baleada em 1983 por seu marido enquanto dormia – a lesão a deixou paraplégica. Mantida em cárcere privado, sobreviveu, no mesmo ano, a outra tentativa de assassinato, dessa vez por eletrocussão durante o banho, é vista como um importante avanço no combate à violência contra a mulher no país.

A bradaria dos que gritavam contra, justificando-se em eventual preconceito da lei, por apenas tratar de defesa de direitos das mulheres, reforça a, infelizmente, necessidade de uma legislação específica para os casos de violência doméstica contra mulher.

Mais do que apenas a violência física, um dos aspectos relevantes da lei cinge-se na proteção também contra os abusos sexuais, psicológicos, morais e patrimoniais entre vítima e agressor. Insta salientar que, para a lei, agressor é todo e qualquer indivíduo que possua algum tipo de relação afetiva com a vítima, não se limitando, portanto, apenas à figura do cônjuge.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2015, a lei contribui para uma queda de cerca de 10% (dez por cento) no número de homicídios cometidos contra mulheres dentro dos domicílios das vítimas.

A lei é reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das três melhores do mundo no enfrentamento da violência contra mulheres. Apesar disso, como toda e qualquer legislação no país, ainda sofre-se consideravelmente para a sua aplicação efetiva, notadamente em localidades afastadas dos grandes centros urbanos.

Diante de tal situação, foi assinada, em 2015, pela então secretária de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, portaria que criou a Patrulha Maria da Penha Rural, composta por policiais mulheres, visando maior segurança às mulheres no campo.

As viaturas fazem patrulhas diárias, focando em locais onde há indícios de violência, visando coibir os atos, além de dar maior efetividade às medidas protetivas determinadas pela Justiça.

Importante inovação deu-se no que tange à celeridade de apreciação das queixas. Nesses casos, o magistrado tem o prazo de 48 (quarenta e oito horas) para analisar a concessão de medida protetiva. O prazo justifica-se pela urgência no tocante aos atos de violência contra as mulheres.

A legislação é aplicável a mulheres em relacionamento com outras mulheres, e também de modo a proteger transsexuais que se identificam como mulheres em sua identidade de gênero. Insta salientar, inclusive, que o agressor tanto pode ser do gênero masculino, quanto do feminino, desde que a vítima seja mulher ou identificada como mulher, e o agressor tenha, como dito, algum tipo de relação afetiva com a vítima.

Não obstante todo o arcabouço de medidas e penas trazidas pela lei em comento, talvez o principal fruto deixado foi a discussão dos temas relacionados à violência contra a mulher. Nunca se debateu tanto sobre o tema.

Segundo dados da pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), 98% (noventa e oito por cento) dos entrevistados conhecem a lei. Além disso, 86% (oitenta e seis por cento) consideram ter havido crescimento no número de denúncias após o sancionamento das regras.

A Lei Maria da Penha expurgou da sociedade moderna o ditado antigo, e misógino por si só, considerando quem detinha o poder nas relações de outrora, que dizia “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

À sociedade cabe empenho constante para maior efetividade da lei, visando punir os agressores, de forma rápida e eficaz, para, assim, coibir os atos de violência contra a mulher.

É triste verificar a extrema necessidade de uma lei como essa para assegurar direitos básicos a um estrato da sociedade. Porém, enquanto houver violência, de qualquer forma, enquanto houver desigualdade, de qualquer forma, leis assim se farão justas, necessárias e devem vigorar de forma eficaz, até que os motivos que levaram a sua positivação se extinguam, ou minguem a ponto de não serem mais sentidos.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Inquisição

Quem são vocês?
O que fazem aqui?
O que querem de mim?
Por que me perguntam tanto
e tanta coisa,
pra quê?
O que eu preciso saber?
O que querem que eu responda?
Por que não se vão?
Por que não me deixam?
Eu já disse que não sei.
Eu já disse, não sou eu.
Por que insistem tanto?
O que é isso que carregam em suas mãos?
Por que me levar a esse amontoado de madeiras?
Não, não coloquem fogo,
eu sinto muito calor,
e estamos no verão.

O que fazem aqui
dentro dos meus sonhos?

Eu só queria poder dormir em paz.

08 de agosto de 2017

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Lentamente

Movia-se lento,
ainda que parecesse imóvel.
Lento, lento como o tempo entre os encontros
com aqueles que queremos estar.
Tão mais lento quanto maior a paixão,
e parecia-lhe sempre intensa a paixão.
Movia-se lentamente,
e lentamente movia-se
pouco a pouco
centímetro vencido após milímetro batido
ia
sempre
em frente
macilento
pouco
a pouco
em pouco
pouco
e sempre
devagar,
lento
ia
ia
ia-se lento
e lento
e quando viu-se próximo
ainda lhe faltavam demasiadas lentidões
e lentamente
lentamente
virou-se
para desviar-se de quem vinha lentamente
a seu encontro
e lento
tropeçou em seus passos sôfregos
derramando os espaços vazios
logo ocupados por quem não os tinham desejos
e atrasados foram ficando
todo e qualquer
e lento foram
até que rapidamente
sem mais demora
sem perceberem
não mais dependiam eles do tempo
giravam,
bailavam
e sem se darem por onde,
lentamente
viam-se como dantes
sem se atrasar
assim como deviam estar
e estando
sem saber por onde
jamais questionaram
e lentamente voltaram ao normal
assim
como se fosse normal
lentamente
sem se perceberem
como somos todos
normais.

06 de agosto de 2017

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Metades

Duas almas doentes podem se curar?
Duas metades que se encontram
podem, em se amando, fazerem-se um?

Quanto de poesia é preciso
para acreditar no amor?
Quanto de inocência
e ingenuidade?

O amor vendido nas ruas é mais barato
e menos dolorido.
Cada pedaço de papel uma nova história,
cada senha digitada
um orgasmo sem precedentes.

Pode o amor competir com o comércio?
Pode a virtude competir com a modernidade?
Quanto de nós ainda somos o que nunca fomos?
Quanto de nós é resto dos que se foram?

Um coração despedaçado
é um coração despedaçado.
Os pedaços que se descolam morrem,
gangrenam, ficam pelo caminho.
Fica um buraco em cada pedaço que falta.
Fica um vazio em cada coisa que não foi.

Cada lágrima derramada por um romance desfeito
são lágrimas legítimas
de uma dor que não deveria ser.
Romances acabam.
Amores acabam.
Nós vamos permanecendo,
de amor em amor,
até que, enfim, acabamos também.

Em quantos pedaços pode um coração se quebrar
a fim de que ainda continue funcionando?
E quem disse que sofrimento é no coração?
Quantos cérebros morreram?
Quantas sinapses perdidas?
Tão pouco hormônio,
tão pouco ânimo.

Cara metade.
Metades que se juntam e se perfectualizam
em um ser único de amor e paixão.
Besteira!

Duas metades não podem formar um inteiro.
Apenas um inteiro dividido em dois
pode voltar a se unir.
E mesmo assim,
sempre faltam uns caquinhos.

A vida é sobre saber lidar com isso.
Mas, quem sabe?

03 de agosto de 2017

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Nacionalismo x Meio Ambiente

Entrando no banho, ligo o chuveiro, rádio ligado, transmissão esportiva, hino nacional iniciado.

Mando às favas, temporariamente, o nacionalismo e desligo o chuveiro, antes de me posicionar para o restante da execução do hino.

O Brasil pode acabar. A água não.


15 de julho de 2017

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Fetiche

Tinha um fetiche bastante peculiar e específico. Ficava excitado com pés de mulheres sentinelesas, entre 16 e 24 anos, com o dedinho levemente curvado para dentro e unha quase inexistente. Havia visto uma fotografia lá por 1999, numa revista, antes de entrar para extrair um ciso.

Nunca mais viu a fotografia.

Nunca mais viu o pé.

Tentou improvisar com a foto de um pé de uma mulher na mesma faixa etária de uma tribo isolada da Amazônia. Não deu. Talvez faltasse o dedinho levemente curvado para dentro. Talvez a unha estivesse além do tamanho desejado.

Morreu sem ter um único orgasmo pleno.


15 de julho de 2017

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Ah se os homens soubessem

Se soubessem apreciar as expressões;
Se soubessem se deleitar com os tremores;
Se soubessem se agraciar com os gemidos;
Se soubessem contemplar o aparente desespero;
Se soubessem respeitar o tempo necessário;
Se soubessem admirar o quase ataque epilético;
Se soubessem sentir prazer no prazer
Talvez aí os homens  entendessem
o tesão que existe no orgasmo de uma mulher.

Não só para ela,
mas para quem assiste e compartilha a sua chegada.

13 de julho de 2017

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Crime no posto de gasolina

Canal no Telegram: t.me/psicopatia

Chegou de surpresa, sacou a arma
um tiro, dois tiros e correu.
Fugiu.
A vítima caída ao chão
agonizava o tiro na cabeça
perdendo a vida pouco a pouco
enquanto a multidão
de celulares em mãos
filmava tudo
para compartilhar
nas redes sociais.

Ninguém consultou a família
a respeito do fato.

13 de julho de 2017

segunda-feira, 17 de julho de 2017

O presidente de um país longínquo

Canal do blog no Telegram: t.me/psicopatia

Era uma vez, um presidente, de um país longínquo, isolado nos confins do Universo, o que fazia o presidente se parecer muito com o país que governava, já que se encontrava bastante isolado no mundo político.

Esse presidente, certa vez, recebeu o que ele passou a chamar de bandido, crápula da pior espécie, em sua residência oficial, para uma conversa de amigos (mas o crápula não era amigo). O crápula provou não ser, de fato, muito amigo, já que confessou uma série de crimes ao presidente, que concordou com tudo, mas, não sabia que estava sendo gravado. Pobre presidente. O Ministério Público daquele país longínquo, empenhado num jogo de caçar corruptos que já tinha mais de 40 fases, com vários chefões, viu no ato do presidente, de receber o crápula e concordar com os ditados crimes, um ato criminoso e usou a gravação como prova para pedir abertura de inquérito contra o presidente.

A defesa do presidente (quem pagou? Quem pagou?) alegou que a gravação não servia como prova, que teria sido editada. Assim, a gravação, por ordem do grau máximo do judiciário do país longínquo, solicitou perícia junto ao órgão mais qualificado da região do país longínquo, que era, justamente, um instituto de criminalística da polícia investigadora de políticos do distante país.

Ao ter concluído que a gravação não havia sido editada, podendo sim servir de prova contra o presidente do país longínquo, a polícia investigadora de políticos passou a ser alvo do presidente isolado. Sua defesa desmereceu por completo a perícia, desmereceu o órgão, desmereceu, em suma, um dos mais importantes institutos de criminalística da região, utilizado para investigações de diversos países vizinhos. Assim, o chefe do país longínquo, para se manter no poder, se agarrar às tetas governamentais e dar continuidade aos agrados de seus partidários e cúmplices, achou melhor denegrir a imagem do instituto, colocando em xeque todos as perícias e casos investigados por aquele órgão.

O presidente do país longínquo quer se manter presidente, a qualquer custo, mesmo que precise sacrificar a imagem de respeitado órgão.

Ainda bem que o país é longínquo e essa história não passa de ficção. Vai que tentam ver se isso dá certo por aqui.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

PhD #3: Serviço Público

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Quando o assunto “concurso público” é citado, o que vem à sua mente? Afora a acirrada disputa e as dificuldades em ser aprovado, fatalmente termos como salário, estabilidade, aposentadoria diferenciada certamente permearão o imaginário do incauto leitor, não? Pois é. Isso é o que pensa a imensa massa de concurseiros no país. Mas, e a vontade de bem atender? O desejo de servir? Onde fica? É o que vamos debater hoje no seu, no meu, no meu mesmo, Pitaco de hermenêutica Duvidosa número 3! Vem comigo!

O SERVIDOR PÚBLICO

Antes de adentrarmos a discussão vagueante, importante estabelecer o conceito de servidor público que utilizaremos aqui.

Vale conceituar o termo.

São servidores públicos, "as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às Entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos".1

Dentro da categoria, enquadram-se os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários.

Servidores estatutários: estão sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos. É este o servidor que nos referenciaremos aqui, pelas suas peculiaridades. São os chamados “concursados” e ocupam cargos efetivos na função que foram aprovados (art. 37, II, CF2).

Empregados públicos: são contratados e submetidos ao regime da legislação trabalhista (CLT) e ocupantes de emprego público.

Servidores temporários: são contratados por tempo determinado, em caráter excepcional, para atender eventual necessidade (urgência) de interesse público (art. 37, IX, da Constituição Federal). Estes exercem função pública sem que estejam vinculados a cargo ou emprego público.

A ESTABILIDADE

Os servidores públicos estatutários só podem ser demitidos após devido processo disciplinar. É a chamada estabilidade. Algo que muitos, principalmente em tempos de crise, buscam ao prestar concursos públicos. A exoneração (demissão) só ocorrerá nos casos de infração grave, como abandono do trabalho ou corrupção. O servidor terá direito à ampla defesa, sendo julgado por um comitê disciplinar e, em não concordando com a decisão, poderá ainda recorrer ao Judiciário.

A estabilidade se funda no princípio da continuidade do serviço público. Tem razão de ser a fim de evitar que, iniciada nova gestão, os servidores sejam demitidos para contratação de novos, alinhados à política do novo gestor.

No entanto, pode ser também causa da ineficiência do serviço público, uma vez que sugeriria possível “acomodamento” do servidor, principalmente considerando a quase inexistência de planos de carreiras na maior parte das funções. O plano de carreira afastaria, de certa forma, esse pretenso acomodamento, já que o servidor buscaria saltos maiores dentro da carreira.

A ausência do plano é um dos nós do serviço público. Além disso, há aqueles que simplesmente buscam o serviço público visando salário e estabilidade, sem maiores ambições. Muito disso é culpa da nossa cultura do concurseiro.

Os cursinhos preparatórios para concurso são uma febre no Brasil. Quem já não passou na frente de um ou foi “atacado” por propagandas na internet dos cursos à distância? E a razão é uma só: as pessoas querem ingressar numa carreira pública.

Mas o cursinho te prepara para o concurso, não para a carreira (a imensa maioria, pelo menos). O concurso visa estabelecer competência para ser aprovado e não competência para o cargo. E isso acaba engessando a burocrata dinâmica da máquina pública.

Sem plano de carreira, o servidor, estável no cargo, não vê muito sentido em se empenhar além do mínimo necessário. Esse comportamento não é exclusivo do servidor público. Saia por aí e veja o quão minimamente os empregadores privados se esforçam em suas funções. Recentemente ouvi história de um funcionário das de uma gigante do varejo em um shopping da cidade que, ao ser questionado sobre a existência de um determinado produto na loja, simplesmente desdenhou com um “Ah, procura por aí que você deve achar”. E ele não tem estabilidade.

É um mal da nossa sociedade. Pessoas precisam de dinheiro e se dispõem a cargos e funções nos quais não se encaixam, não têm prazer algum em exercer, por necessitarem do salário. Mas parece que no caso do serviço público isso fica mais em voga pelo uso do dinheiro estatal, de todos nós, para o pagamento de servidores que, na visão dos usuários do serviço, primam pela ineficiência.

Quantas vezes não se viu, por aí, em obras de reparos nas vias públicas aquele batalhão de servidores com um fazendo o serviço e os demais observando? Tenho quase certeza que tal atitude é roteiro de uma meia dúzia de piadas, inclusive.

Para enfrentar o problema, recentemente, com um belo atraso, foi sancionada e publicada a Lei 13460/2017, que estabelece o Código de Proteção e Defesa Usuário do Serviço Público.

O novo código explicita os direitos básicos dos cidadãos diante da administração pública, direta e indireta, e diante de entidades às quais o governo federal delegou a prestação de serviços. As regras protegerão tanto o usuário pessoa física quanto a pessoa jurídica.

Além de estabelecer direitos e deveres desses usuários, o texto determina prazos e condições para abertura de processo administrativo para apurar danos causados pelos agentes públicos.

Ao todo, o processo deve ser concluído em cerca de 60 dias, desde a abertura até a decisão administrativa final. O processo será aberto de ofício ou por representação de qualquer usuário, dos órgãos ou entidades de defesa do consumidor.

Cada poder público deverá publicar, anualmente, quadro com os serviços públicos prestados e quem está responsável por eles. Além disso, cada órgão ou entidade detalhará os serviços prestados com requisitos, documentos e informações necessárias além de prazo para atender a demanda e etapas do processo.

A acessibilidade foi incluída entre as diretrizes para prestação de serviços públicos, além de urbanidade, respeito e cortesia no atendimento.3

Além disso, o Senado Federal, abriu consulta pública sobre lei que permite a demissão de servidor público.4 O projeto prevê uma série de avaliações aos servidores, liberando a demissão daqueles que apresentarem seguidos resultados negativos nas provas aplicadas.

Mais do que projetos que permitam a demissão mais rápida do servidor ineficiente, o Poder Público deveria pautar sua atuação pelo incremento de planos de carreira, incentivando maior empenho e melhoria do desempenho do servidor, consequentemente do serviço público.

O servidor, por sua vez, deveria pautar a sua atuação profissional pela ética e dedicação ao cargo, visando a celeridade e eficiência na prestação obrigacional. Agindo assim, a possibilidade de engajamento da população em geral nas pautas de reivindicações das categorias aumentaria sobremaneira, o que faria bem para os servidores e para a sociedade.

O viés disso tudo é que é utópico demais. Nós somos seres humanos demais para atingir tal nível de humanidade e comprometimento.


______

1DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 19° Edição. Editora Jurídico Atlas, 2006.

2Art. 37, II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;.

3http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/06/27/normas-de-protecao-e-defesa-de-usuarios-do-servico-publico-sao-definidas-em-lei

4https://extra.globo.com/emprego/servidor-publico/senado-abre-consulta-publica-sobre-lei-que-permite-demissao-de-servidores-publicos-21562543.html

segunda-feira, 10 de julho de 2017

À meia luz

Muitas vezes
era apenas a luz
de uma luminária barata,
colocada do lado da cama
para jogar luz sobre a folha em branco,
enquanto a caneta ia preenchendo de vida o vazio.

Outras vezes
era apenas a luminosidade
da tela em branco,
de um arquivo novo,
em um programa qualquer
de edição de texto,
onde os caracteres pretos,
que vinham seguidos do traço intermitente vertical,
iam criando personagens,
contando histórias,
falseando sentimentos
e detalhando-os verdadeiros,
como se fossem o que não são,
mesmo sendo.

Muitas vezes
a falta dessa luz mínima
matava no nascedouro
diversos seres imaginários.

Muitas vezes o cansaço
e a preguiça até o faziam.

Muitas vezes
a falta de um lápis,
uma caneta,
um instrumento hábil qualquer
que pudesse dar vazão aos demônios
que gritavam
e queriam ser ouvidos.

Muitas vezes
nem um nem outro,
o silêncio apenas.
Muitas vezes.

Descrever o mundo em que vivo,
o meu mundo,
dentro em mim,
com meus todos eus e os demais,
eis o que faço nas sombras.

07 de julho de 2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Desenlace

Para viver é preciso estar vivo.
Mas, o que é a vida nesses dias imóveis?
O sol abrupto invade as casas,
ressequindo relacionamentos vãos.

Tudo é desespero e desenlace.
Tudo é mais do que se poderia sentir
e não sentimos nada.

O desespero é de querer viver
sem ter por onde.
Enganaram-nos!

Falaram de um sonho.
Contaram esse sonho.
Escreveram sobre ele em muros,
em livros, em bilhetes e músicas.
Em diversas e variadas versões,
nos fizeram acreditar.
Mas o sonho acabou,
ainda em sonho.
Restou-nos o desespero.
E dele não nos falaram.

Se Deus é por nós,
porque essa angústia?
Por que essa não vontade?
Por que esse caos todo
e tanta injustiça?

Talvez Niezstche estivesse certo.
Talvez todos estejam errados.
Talvez nada faça sentido.
Talvez melhor seja não ser.
Como saber o que é melhor?
Como saber o que é real
se nem sabemos o que é viver?

04 de julho de 2017

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Novos deuses

Os deuses antigos atravessaram o Atlântico,
vieram com suas caravelas, seus barcos,
seus milhares de homens perdidos,
suas más intenções de conquistas,
e seus desconhecimentos sobre o mundo todo.

Pensavam que o mundo era a Europa,
pensavam que o além-mar pertencia ao fim.
Todos poderosos deuses
que não conheciam o mundo onde nasceram,
o mundo que diziam ter criado.

Na América saquearam, roubaram,
mataram, torturaram,
tudo para se estabelecer como salvadores,
e assim se fizeram.

Por um tempo.

Logo a América mostrou o seu espírito
e esse espírito mostrou não saber dividir o terreno.
Partiram para o contra-ataque.
Invadiram as mentes dos crentes,
dos céticos, de cada um dos humanos
que caminhavam sobre a terra banhada de sangue.
E de sangue serviram cada um dos humanos
que pediam por isso.

Criaram necessidades.
Venderam essas necessidades.
Dividiram e conquistaram,
conforme manda o manual.
E conquistaram mentes e corações.

Deram sonhos, como os deuses antigos.
Deram razões, como os deuses antigos.
E os tiraram.
Aos poucos,
sem que notassem os humanos.
Exatamente como fizeram os deuses antigo.

Fizeram o homem ir mais rápido, mais veloz,
fizeram o homem mais forte, mais potente,
curaram dores e doenças em minutos,
possibilitaram a transcendência,
permitiram aos humanos se enxergarem deuses.

Levaram aos céus,
à Lua,
à Marte e mais além.

Invadiram lares,
pedindo licença,
e se estabeleceram.
Primeiro na sala.
Depois quartos,
cozinha, banheiro,
cada momento,
sempre em contato,
em grandes, gigantescas, médias e pequenas telas,
em áudio, em três dimensões,
com todos os cheiros e gostos,
com todos os nomes.

Deus está morto, disse Niezstche,
preconizando uma era que não viveu.
Os deuses morreram.
Seus seguidores voltaram seus olhos,
abraçaram os novos deuses
que erigiram seu império desde a América
para todo o mundo.
Sem precisar criar qualquer ser,
sem precisar criar qualquer mundo,
tomaram o mundo que aí estava
e fizeram seu reino.

Os novos deuses estão entre nós
e são todo poder,
sem bondade.

30 de junho de 2017


quinta-feira, 29 de junho de 2017

Solidão

Solidão. Eis, talvez, o grande atributo da humanidade.

Que saudades de um cigarro que sinto quando penso nisso.

Não. Não na solidão. Na humanidade.

O cigarro, talvez, tenha sido o maior estandarde da solidão humana. Vivíamos épocas sombrias. Éramos reflexivos. Reunião era custosa. E o cigarro pairava sublime como o grande herói da geração. Geração Hollywood. Marlboro. Free. Eu, confesso, não fui dessa geração. O cigarro me caiu no colo como um remédio contra a solidão. Todo mundo fumava. Existia o intervalo pro cigarro. Eu trabalhava. E trabalhando percebi que o melhor era fumar. Tolo. E fumei. E logo estava integrado no todo, nos maiorais. Eu estava entre as cabeças pensantes e pulmões fumantes da empresa. Cresci rápido.

E logo percebi que não era pelo crescimento que fumei. Era pelo medo da solidão. E por temer a solidão, percebi que a resposta a esse medo me dava mais e mais conforto com o próprio medo. Passei a me sentir bem na minha presença. Desde que junto a um maço, ou dois, de cigarro. Do mais forte. Tragava pouco. Sério. Mas era o sabor que me embriagava (ainda mais, porque sempre estava acompanhado de alguma boa dose de álcool). Então vi que conseguia escrever muito mais. Viajar muito mais. Refletir sobre o todo mais do que quando estava sem.

Cigarro e álcool passaram a ser não só amigos, mas cúmplices. Eles mitigavam os motivos, os meandros, os detalhes. Eu só transcrevia o que me diziam. Era mero instrumento das suas vontades escusas. E sob efeito deles amei quem eu achei que amava, e escrevi dezenas e dezenas de verborrágicos versos. E chorei sobre amores imaginários. Sofri com fins imagináveis. Fiz-me absolutamente ridículo em uma ou mais ocasiões. Tudo por que eu inventava, no auge de meu surto “alcoolnicotínico”, relacionamentos de mão dupla, que só existiam na via de mão única do meu desespero. Era a solidão não se reconhecendo.

Demorei diversos e diversos fracassos para perceber que a solidão é medida que se impõe, e a vida nada mais é que uma toda solidão, permeada de momentos de companhia agradável (bem raros).

Reconheci-me, tardiamente, solitário. E quando, enfim, assim me vi, por infelicidade (que seja) do destino, vi-me de frente a uma possibilidade de fim da solidão. Não a aceitei. Embora achasse que sim. E fui vivendo a incongruência do estar em e estar fora. Entre a solidão e o amor. Entre a dor do só e a dor compartilhada do companheirismo. Não soube lidar. Não sei.

Em mim ainda paira essa máxima da solidão como bem único. Somos solitários. Nascemos assim. Morreremos assim. O resto do tempo é encontrar aliados e tentar viver o menos tempo possível em conflito. Mas, sempre estar preparado para a guerra. Sempre ter aliados que sejam inimigos de seus aliados, para o momento certo. Sempre viver sem viver. Sobreviver da forma que der. E assim sou. Fui. Serei?

Um conhecido, certa vez, em um de nossos churrascos solitários em casa, disse: “Nada melhor que cagar fumando e tomar banho bebendo”. E reconheci-me naquelas palavras. Sem pensar.

Hoje reconheço a solidão nelas inscritas, e o motivo de reconhecimento imediato. Eu sou um solitário. Um lobo fugido da matilha. Vagando sozinho em busca de espaço, de vida própria. Sem encontrar.

Cagar fumando é, quiçá, um dos ápices da reflexão solitária. Une duas das atividades mais íntimas do ser humano. Sim, porque fumar, embora, em parte, tenham transformado em uma ação social, é, em essência, um ato de rebeldia contra o social. É você e seu pedaço de papel com ervas e venenos flamejantes, fazendo cosplay de Maria Fumaça, entorpecendo o cérebro com a privação de oxigênio e se achando o último rei da Escócia. Uma cena digna de pena, mas que necessita de um certo distanciamento psicotempossocialdemagógico para reconhecer. E, ainda assim, eventualmente, admite-se a tese niezstchiana do Eterno Retorno, e volta-se a fumar. Dessa vez, sem justificativas plausíveis. É que é bom mesmo sendo uma merda.

Sobre o outro aspecto, beber tomando banho, não se fazem necessárias maiores explanações. Geralmente, locais para apoiar sabonetes ou xampús são pequenos dentro dos “boxes” de banhos. Assim, pensar a existência de espaço para duas latas ou long necks de cervejas num banho a dois é risível. E pressupor a possibilidade de divisão de uma lata ou long neck de cerveja num banho duplo é apostar na paz mundial, sem mais maiores considerações.

Talvez por isso, por pensar nisso e assim, é que me sinto triste e tão sem esperança. Nasci sozinho. Fiz-me só. Cultivei-me só. Reconheço-me assim e péssimo amigo. Não posso contar um ou dois. E assim me vejo até o fim.

Sou só. Fui só. E talvez serei. Talvez.

Só quero outra garrafa cheia.

Só mais uma garrafa.

E só.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

E se...

E se eu não tiver acordado?
E se eu morri durante a noite?
E se essa falta de sono
For proximidade do sono último
Definitivo?
Quem serei eu do outro lado?
Quem restará de mim por aqui?

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Jesus Camisa 10

Jesus foi um jogador de futebol nascido na cidade de Nazaré. Meio campista, perna esquerda, aos 12 anos começou jogando no sub-15 do modesto Apóstolos de Nazaré, um time da segunda divisão Nazarina. Sem demonstrar muita habilidade, o que era esperado dele por ser um canhoto, ganhou o apelido de “Perna de Pau”, muito em função da profissão de seu pai, que era marceneiro.

José adotara Jesus como seu filho, logo após descobrir que sua então namorada, Maria, a garota pura que se guardava para o casamento, inesperadamente aparecera grávida, dizendo ter sido utilizada como instrumento por Jeová, e que o seu filho seria, no futuro, uma estrela.

Jesus, que desde cedo se apegara ao pai adotivo, queria fazer de tudo para que o desejo de José fosse realizado. Assim, ciente de que não possuía os genes de um craque em si, apesar de a mãe viver repetindo que ele era filho de um deus, tomou para si a missão de treinar o quanto fosse necessário para se tornar um jogador profissional, realizando o sonho de seu pai.

Nos intervalos das aulas, na Escola Municipal Judaica de Nazaré, Jesus treinava faltas, controle de bola, embaixadinhas, tudo sob os olhares irônicos de seus colegas que, a cada erro do craque em treinamento, gritavam “Perna de Pau”. Jesus se tornou um obstinado. Treinou dia e noite, na chuva, no frio, no sol, na terra, na grama, anos depois, alguns diziam ter visto Jesus treinando até sobre a água. E então, depois de ser afastado do time sub-18 do Apóstolos de Nazaré, Jesus foi visto, nos campos de várzea da cidade-Estado, por um olheiro de um time de uma cidade vizinha, que o convidou a fazer um teste no clube.

Aos 18 anos, Jesus assinava com o Cristal de Belém, um time da primeira divisão daquela cidade, e recebia a camisa 10 do time.

No campeonato daquele ano, Jesus foi artilheiro e o craque escolhido pela revista “Profetas da Bola”. Logo despertou interesse nos dirigentes da seleção Belenzina, que propuseram a Jesus a obtenção da cidadania local para que disputasse a Copa Galileia por Belém.

Feliz com a sondagem, Jesus denegou em um primeiro momento, afinal, filho de Nazaré, queria disputar uma Copa por sua cidade natal, já que era também o sonho de José.

No entanto, a seleção de Nazaré contava com o melhor jogador do mundo à época, que jogava na posição de Jesus, uma posição de titularidade só viria com uma possível contusão do craque. Além disso, o técnico da seleção nazarina nutria certo desprezo por Jesus, principalmente pelo fato de ser filho adotivo, fruto de uma relação extraconjugal. Perguntado sobre a situação de Jesus, que não era convocado, mesmo em grande fase, o técnico Abrão Jr. comentou “Aqui nós respeitamos os valores morais e a família nazarina. Nunca aceitarei bastardos no meu time”.

Triste com a situação, Jesus levou o convite belenzino aos ouvidos dos seus pais, que se encheram de esperanças e indicaram ao filho que ele deveria aceitar. Maria repetiu o mantra de que o filho estava predestinado a grandes coisas e que o mundo ainda seria dele. Então, um ano antes da Copa da Galileia, aos 20 anos, Jesus recebia o seu título de cidadão de Belém e integrava, já dois depois, a seleção num amistoso contra a Judeia.

Naquele jogo de estreia, Jesus marcou dois gols, deu passe para outro e foi escolhido o jogador da partida. E assim começou uma carreira de sucesso, com vitórias e conquistas, até que, anos mais tarde, em sua terceira Copa da Galileia, com um título e um vice na bagagem, Jesus enfrentaria o dilema de sua vida. Nazaré vinha forte para a Copa daquele ano e, pela primeira vez desde que Jesus assumira a cidadania belenzina, a sua seleção não era a favorita. Muitos diziam ser certo uma final entre Belém e Nazaré. Os jornais da época só falavam disso. E não pararam de falar até o início da Copa do ano seguinte.

Aos 33 anos, Jesus já não era o mesmo garoto que ganhou fama por sua determinação e velocidade, mas, inteligente, ainda mantinha seu faro de gols e seu passe preciso aliado a um controle de jogo incomuns. Naquela Copa, o time comandado por Jesus vinha de resultados expressivos e tinha como titulares o goleiro Simão, os zagueiros André e Tiago, os laterais Filipe e Bartolomeu; no meio os volantes Mateus e Tomé, com Jesus e João na articulação e na frente, fechando o 4-4-2, Tadeu e Judas.

Antes de cada jogo, Jesus, em coletivas, dava os palpites de como seriam os jogos, no que acertava invariavelmente. Em razão desse fato, a imprensa o apelidou de “Jesus, o Profeta”. Como costumavam dizer que a seleção belenzina era composta por Jesus e mais Dez, o time passou a ser chamado de “Dezcípulos de Jesus”.

Nos preparativos para o primeiro jogo, Jesus sentiu um desconforto no joelho esquerdo e foi poupado de alguns treinos. No primeiro jogo, ficou no banco, entrando no segundo tempo para só garantir, com mais um gol, a vitória tranquila por 3-0 sobre a seleção da Caninéia. Na segunda rodada, entrou como titular, na vitória por 2-1 sobre Edom. Na terceira rodada, com a classificação antecipada, o time titular foi poupado, no empate em 2-2, diante de Siquém.

Nas oitavas, Belém enfrentou Babel, que, mesmo com um time desorganizado, que aparentava não se entender em campo, graças aos talentos individuais. Belém classificou-se com um 5-2, tranquilo, em brilhante atuação de Jesus. Tranquila também foi a classificação pra a semifinal, com um 4-0 sobre a seleção de Harã. Nas semifinais, Belém enfrentaria a forte seleção de Hebrom.

Do outro lado da chave, Nazaré vinha atropelando seus adversários com sonoras goleadas. A imprensa, e todo mundo que não eram os adversários de Belém e Nazaré nas semi, vibrava com a possibilidade da final das finais.

Jesus via a chance de enfrentar a seleção de sua cidade natal bem próxima. Aos 28 minutos do segundo tempo, o placar marcava 2-0 para Belém. Num contra-ataque rápido de Hebrom, Judas, voltando para ajudar na marcação, comete falta no meio campista adversário, o árbitro, distante, não vira o lance, marcou a falta e puxou o cartão amarelo. Judas, que já tinha cartão, ao notar que o árbitro estava confuso sobre o autor da penalidade, apontou Jesus como sendo o infrator. O árbitro apontou para Jesus, que conversava com o técnico, e mostrou o amarelo. Um silêncio tomava conta do estádio.

Com aquele amarelo, o terceiro na fase final, Jesus estava fora da tão esperada final, era um balde de água fria na cabeça dos fiéis ao bom futebol. Jesus estava desolado. O time todo partiu para cima do árbitro e, depois, para cima de Judas. Não havia o que fazer. Jesus ainda deu passe para mais dois gols, e o jogo terminou em 4-1. Do outro lado, Nazaré fazia 6-0. A grande final aconteceria, sem a presença do personagem principal.

Inconformada, a diretoria de Belém acionou seu corpo jurídico já ao final do jogo, e protocolaram uma petição junto ao organizador, pleiteando a análise do caso, com efeito suspensivo da punição a Jesus. Era um pedido desesperado, já que a entidade nunca havia aceitado pedido do tipo, fundamentando que a decisão do juiz do campo era soberana. Só um milagre salvava.

As semifinais estavam terminadas, a final definida. Na sexta-feira pela manhã, o dia seguinte às semi, o tribunal julgador da organização recebeu o pedido dos advogados de Belém. Marcaram julgamento excepcional para o sábado.

No sábado, porém, o julgamento foi prorrogado, já que haviam esquecidos que, judeus que eram, não poderiam julgar no sábado. O julgamento ficara para o domingo, horas antes da partida decisiva.

Nesse meio tempo, desde a saída da semifinal, Jesus não fora visto. Não passara pela zona mista do estádio, encontrava-se recluso. A imprensa não sabia dele. Os dirigentes, a comissão técnica, a assessoria de imprensa da seleção belenzina não se pronunciava sobre.

Domingo, 10 horas da manhã, 8 horas para o jogo, a comissão julgadora se reúne para julgar o pedido de suspensão da punição a Jesus. Na concentração, Jesus continuava sendo procurado pelos jornalistas, sem sucesso.

Meio dia: a sessão de julgamento é suspensa para o almoço. Após problemas com dois dos julgadores, o julgamento é retomado às 14 horas. 4 horas para o jogo.

Intensos debates, o julgador de Nazaré tenta pedir vista, o que impediria a decisão naquele dia. Outros rebatem o pedido. Intervalo proposto pelo presidente da comissão, após insultos trocados pelos membros.

16:30h: os ônibus de Belém e Nazaré saem de seus hotéis rumo ao estádio. Jesus não fora visto entrando no ônibus da seleção belenzina. Seu paradeiro ainda é incerto. Poucos minutos depois o julgamento é retomado.

17h: os jogadores sobem ao gramado para o reconhecimento prévio e aquecimento. Jesus não está entre eles. O presidente da comissão de julgamento de preparada para anunciar o resultado da votação acerca do recurso.

17:15h: os jogadores voltam ao vestiário. Da próxima vez que aparecerem no gramado será em definitivo para a final. Na comissão de julgamento, mais confusão e atraso.

18h: a final começa sem Jesus. O primeiro tempo é dominado por Nazaré que abre 2-0.

18:38h: após mais confusão, a decisão sai. Jesus é absolvido, Judas é suspenso por 8 jogos, por atitude antiética.

18:45h: fim do primeiro tempo. Belém vai ficando com o segundo vice na era Jesus.

19h: os times sobem ao gramado para o segundo tempo. Á beira do campo, um jogador se aquece. Barbudo, cabeludo, ao tirar o colete a torcida vibra. Jesus, desaparecido três dias antes, após a semifinal, volta e entrará em campo.

Com dois gols antes dos 15 minutos, um deles de Jesus, Belém dissipa a vantagem de Nazaré. O jogo segue parelho até os 43 minutos. Jesus pega a bola na intermediária, avança contra a marcação, deixa um para trás, tabela com João, que toca para Bartolomeu. Ele dribla o lateral adversário, faz o passe para trás. Jesus domina dentro da área, dá um chapéu no zagueiro e fuzila de perna esquerda para o gol do título. É a consagração do profeta.

Festa em Belém!

Na comemoração, Jesus anuncia sua aposentadoria. Explica que já está velho demais para isso tudo e que não aguentaria mais uma Copa. “Se for pra ficar pregadão no meio, eu prefiro não jogar”.

Anos depois, o técnico que barrou Jesus na seleção de Nazaré reconheceu o talento do craque, com ressalva: “… mas ainda é um filho bastardo”.


FIM.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Demistificando o Mundo 2: Bandido Bom é Bandido Morto?

Bandido bom é bandido morto?

O brasileiro mediano adora propagar soluções simples para problemas complexos, sempre sob a batuta de algum figurão especialista em porra nenhuma apresentador de programa ruim na TV. O Brasil, país que recebeu a visita ilustre do ET Bilu, parece não ter assimilado a sua mensagem para os terráqueos. Não buscamos conhecimento. Preferimos encher grupos em mensageiros instantâneos com baboseiras que não checamos serem verdadeiras ou não. Somos um país de canalhas. Talvez por isso sejamos governados por eles.

“Bandido tem que morrer”, “Eu que pago a comida deles”, “Eles têm muitos privilégios”, “Direitos humanos para humanos direitos”, etc. Os brados se repetem dia a dia, em todo lugar.

O sistema prisional brasileiro (e todos os outros) é um depósito de dejetos sociais. Ali estão encarcerados o que a sociedade reconhece como a escória. Mais de 622 mil indivíduos dividindo celas superlotadas, em condições sub-humanas, tomadas por facções criminosas que, surpresa surpresa, se alimentam da precariedade do sistema para crescer em número e poder.

Todos os entes federativos possuem número excessivo de presos, bem além da quantidade de vagas no sistema prisional. A superlotação é um dos principais problemas enfrentados, e o combate a esse problema, invariavelmente, é a construção de novos presídios, que logo lotam, e exigem a construção de novos presídios, que lotarão, criando um círculo vicioso sem fim. Enquanto isso, como já dito, as facções criminosas vão ganhando força. O PCC – Primeiro Comando da Capital, facção que começou nos presídios de São Paulo e hoje, por intermédio da política de distribuição da cúpula de facções por outros presídios no país, está presente em quase todos os Estados, é fruto desse disparate do Sistema.

Especialistas em criminologia afirmam que a ascensão do PCC dentro dos presídios paulistas ajudou, inclusive, na diminuição dos crimes de homicídios no Estado, algo que, por óbvio, o governo paulista rebate, afirmando ser fruto do aumento do policiamento. Na década de 1990, a taxa de homicídio no Estado era de 60 para cada 100.000 habitantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que mais de 10 por cem mil é inadmissível. Hoje, a taxa média de homicídio no Estado é de 8,75/100.000. Drauzio Varela, oncologista, que dedicou boa parte da sua carreira no trabalho com presidiários, afirma, em entrevista a Revista Veja, que tal diminuição é resultado da política da facção.
Você diz ‘Puxa, diminuiu muito’, e as autoridades dizem que foi pelo aumento do policiamento, mas o número de assaltos e furtos aumentou, algo que o policiamento também conseguiria diminuir. E, em se tratando de homicídio, há casos que a polícia não consegue conter. Você tem crimes passionais, tem o cara que está bêbado e briga no bar. Quem consegue conter isso é o crime organizado porque ele proíbe. Você não pode matar ninguém no seu bairro sem autorização ou você morre. Você não pode matar a sua mulher se descobre uma traição, porque é proibido.i
Com uma política carcerária que viola os preceitos da Lei de Execução Penal, ignorando, em muitos casos, a sua existência, o crescimento e avanço das facções dentro dos presídios é, talvez, a única certeza que se pode ter do sistema prisional brasileiro. O poder público, acostumado a lutar contra o crime organizado nas favelas e bairros pobres, parece não ter aprendido a lição que é na sua ausência, na omissão estatal, que o crime toma conta. O crime organizado ocupa o espaço deixado pelo Estado, seja na favela, seja nos presídios.

Mas aí você, pequeno gafanhoto, deve estar se mordendo de ódio e batendo raivoso em seu teclado, dizendo a si mesmo que presos devem sofrer, que eles fizeram mal a pessoas de bem, etc. Eu sei, eu também acho que devem sofrer. Mas, sofrer dentro do que a lei impõe. O cidadão deve lutar para que a Lei seja resguardada e não violada, e que ela seja razoável, senão o defensor do “bandido bom é bandido morto” de hoje pode ser o bandido de amanhã.

É comum nos colocarmos fora do sistema, quando o sistema considerado é o prisional. Mas, ser “bandido” é muito mais fácil do que imaginamos. Quando se pensa em bandido, na maioria das vezes, vem à mente a imagem do traficante, mocosado na boca, sempre à espreita e pronto para correr quando a polícia aparecer. Ou o assassino frio, que mata sem dó. O assaltante que mata para roubar. E, de fato, esses são os crimes que gritam nas “ibagens” dos programas policiais.

No entanto, os presos por tráficos (que representam, na população carcerária masculina, cerca de 25% do total) são, em sua maioria, pequenos traficantes, ou, até mesmo, usuários que foram flagrados com quantidades pouco acima do “tolerável” (e essa quantidade pode ser qualquer uma, posto não existir uma definição concreta do que se considera ser quantidade para uso ou tráfico). Donos de helicópteros com meia tonelada de pasta base de cocaína não são presos no país. Esses possuem costas largas.

Em segundo lugar na lista dos crimes que mais encarceram está o roubo, bem próximo ao tráfico, com 21% do total. Latrocínio, o roubo seguido de morte, responde por menos de 4% da população carcerária. Já os presos por homicídio representam, aproximadamente, 13% da populaçãoii. Grande parte desses homicídios cometidos em situações nas quais a razoabilidade da condição humana se perde. Quantos casos de briga de bar ou discussão no trânsito você conhece que acabaram, por uma imbecilidade sem tamanho, em morte de um ou mais participantes? A teórica pacificidade do povo brasileiro é posta à prova todo santo dia.

Considerando que o tráfico de drogas não é, em si, um crime violento, embora seja equiparado a crime hediondo, temos que 38% dos presidiários brasileiros estão encarcerados por crimes de natureza violenta. Assim, 62%, ou aproximadamente, 386 mil detentos, cumprem pena por crimes praticados sem o uso de violência. São presos por crimes como violação da lei do desarmamento, furto, receptação (comprar aquele som automotivo em loja de reputação duvidosa, com preço camarada), dentre outros, que na penitenciária, superlotada, sem condições mínimas de higiene, onde dormirão no chão, conviverão, dia após dia sem ocupaçãoiii com sequestradores, homicidas, toda a gama e diversidade de criminosos possível e imaginável. Acabam aprendendo novas técnicas, mesmo por osmose, e saem, porque eventualmente todo mundo sai, pior do que entrou, comprovando que o sistema prisional não atende à sua função precípua que é a de reabilitar os detentos.

Mas, você ainda acha que bandido tem que morrer, principalmente quem mata cidadão de bem. Então vamos analisar a seguinte situação:

Você está com seu carro numa noite qualquer, num fim de semana qualquer. Pega a (o) sua (seu) namorada (o), ou então amigos e vão para uma balada. Bebem, cantam, dançam, divertem-se a valer. Pegam o carro e na volta atropelam e matam uma pessoa que estava atravessando a rua e que você, por uma distração qualquer, não pôde perceber a aproximação. Qual a pena que você merece? Aposto que não escolherá a pena de morte, certo? E sendo preso, qual tipo de penitenciária você gostaria de ficar? No Brasil só temos a do tipo brasileira. E cela especial para quem tem ensino superior é só até o julgamento final. Depois é prisão comum, como todos os bandidos que você esbraveja querer morto.

Defender a pena de morte é muito arriscado. Vários são os casos no mundo de inocência por produção de nova prova, fruto do avanço tecnológico. E em um país cujo Poder Judiciário se mostra claudicante no uso do termo Justiça em seus julgados (mesmo usando sempre), a pena capital viraria uma arma na mão do Estado que é melhor não dar a ele.

Defender a precarização das instalações criminais no país é correr o risco de, em um erro na vida, sermos vítimas desse sistema. Ninguém está livre de um acesso de fúria. Ninguém é avesso ao erro. E um ou outro pode ocasionar a inserção dentro do conceito de “bandido” com as suas consequências todas.

Portanto, bandido bom é aquele que pretende se ressocializar e o sistema precisa dar as condições para isso. Pelo bem das pessoas de bem.


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ihttp://veja.abril.com.br/entretenimento/drauzio-varella-pcc-ajudou-a-diminuir-violencia
iiPesquisa acerca do perfil da população carcerária brasileira: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/01/18/Qual-o-perfil-da-popula%C3%A7%C3%A3o-carcer%C3%A1ria-brasileira
iiiEmbora seja obrigação do Estado oferecer trabalho ao preso, e dever do preso trabalhar, não existe oferta suficiente.