segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Página 94

Nono andar. Página 93. Chamo o elevador e espero. Página 94. As portas se abrem. Entro. Aperto o botão, espero. Ainda na página 94. Ainda na página 94 o elevador para no quinto andar. Ainda na página 94 um senhor entra, todo cuidado. Verifica o botão, todo cuidado, espera.

Ainda na página 94 as portas se fecham. O elevador põe-se a descer, quarto andar. Com dificuldades ele tenta abrir um pote, com dificuldades olha desconsertado para mim, ainda na página 94, que sorrio. Com dificuldades, venço a antissociabilidade agravada pelo livro em mãos (também se agrava com fones de ouvido) e me disponho a ajudar.

Fecho o livro na página 94. Estendo as mãos. Pego o pote e me coloco a tentar abri-lo. Com dificuldades, não tantas quanto às dele, abro o pote e  o devolvo. O elevador está parado no subsolo. Ele agradece com o olhar terno dos senhorezinhos carentes de alguém com quem estar na velhice de seus dias. Sorrimos. Nenhuma palavra trocada. Sem nenhuma dificuldade nos despedimos.

Ele para um lado, eu para o outro. Nos separamos com o resquício da presença breve. Todo contato humano permanece vivo até que nos esqueçamos. Abro o livro na página 94. Pego o que preciso e volto ao elevador. Aperto o botão, página 95, estou voltando ao nono andar.

31 de julho de 2018

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