segunda-feira, 30 de outubro de 2017

(re)Produzindo

Dizem
dizem que o sexo é sujo, dizem.
Mas quem é limpo?

Dizem
dizem que o sexo é pecado, dizem.
Mas o que não é pecado?

Dizem
dizem que o sexo só depois do casamento, dizem.
Mas quem precisa casar para amar?

Dizem,
dizem que o sexo só deve atender à reprodução, dizem.
Mas como pode o sexo ser só pra reprodução
se o homem só fica de pau duro
quando sente tesão?

E aí ninguém diz nada.
Porque o sexo reprodutivo é só para as mulheres.
Afinal, o homem é um animal cheio de instintos.
É o que eles parecem dizer.
É o que dizem.
Infelizes!

27 de outubro de 2017

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O prazer feminino

O prazer feminino
essa efemeridade
tantas vezes esquecidas
tantas vezes questionada
tantas vezes duvidada.

O prazer feminino
esse mistério profundo
que tanto vicia quem o encontra
que tanto fascina quem o enxerga
que tanto empolga quem o provoca.

O prazer feminino
essa mágica, essa angústia,
esse querer sem querer
porque o parceiro não quer,
esse direito renegado
porque os hipócritas não querem,
esse doce pecado
que de pecado não tem nada.

O prazer feminino deveria ser disciplina do ensino médio,
deveria ser curso superior,
deveria ser cláusula pétrea na Constituição.
Mas tudo sem forçar,
assim, natural,
deixando-se ser sem se notar,
para que seja apenas prazer,
sem culpa,
sem obrigação.

O prazer feminino que deveria ser escola gastrônomica
para que pudéssemos tê-lo na ponta da língua;
que deveria ser aplicativo de smartphone,
para que pudéssemos tê-lo na ponta dos dedos;
que deveria ser o prazer masculino
para que pudéssemos senti-lo a dois,
como é melhor sentir todo prazer erótico.

20 de outubro de 2017

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Crônica da mãe exemplar

Era uma vez uma mãe exemplar, dessas que a gente vê o mundo cheio delas. Passava o dia todo com os filhos, embora dissesse a todos que trabalhava fora, e o dia todo ficava com os olhos voltados para redes sociais, vivendo a vida alheia, enquanto os filhos ficavam de olhos voltados para telas diversas, vivendo a vida alheia.

À noite, a mãe exemplar, por não ter tido contato com os filhos que, novos demais, ainda não tinham redes sociais e nem aplicativos de mensagens para conversar com ela, via na hora de dormir o único momento de real interação com sua cria. E as crianças varavam o tempo, invadindo a madrugada, em farras até que a mãe exemplar se enchia e passava a gritar e esbravejar sua raiva incontida.

Na manhã seguinte, ninguém acordava, quem iria para a escola não ia, quem ficaria em casa acorda tarde. E a culpa ia sempre nas costas de quem não tem culpa nenhuma.

Eis a história de uma mãe exemplar, dessas que a gente vê o mundo cheio delas.

E que deus cuide dessas crianças.


PS: essa é uma estória totalmente fictícia. Qualquer semelhança com alguém na vida real é mera intriga da oposição.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Amores Canibais

O maior problema de sermos um casal canibal é o tesão.
Certo dia, ele todo teso, de pau duro, roçando na minha perna, afastou o cabelo do meu ouvido e, puxando a minha barba, sussurrou-me: "Me come, agora".
Só notei a conotação do verbo quando a carótida já derramava o sangue quente e fresco na minha boca faminta.
Ele não queria ser comido dessa forma.
Em nome do nosso amor, devorei-o até o último pedaço.
E hoje vivo só, com minha consciência e barriga pesados.


06 de outubro de 2017

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Eu e ele

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Ele vem sem ordem,
surge na vulnerabilidade,
sem dar notícia prévia,
se instala, acomoda-se,
faz-se rei do local.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

De fora, quem vê, vê o que não é,
vê a mim tão somente,
como sou para todos os que de fora me veem.
E não sabem identificar o outro,
veem-me apenas como eu,
eu transtornado, fora de mim.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Eu ainda estou ali, de lado,
sem ter como dizer o que quer que eu diga,
sem ter como explicar,
e nem adianta,
e ele diz o que quer dizer,
e ele deixa tudo sem explicação.

E não, não adianta falar,
não adianta explicar.

Parece um todo sem sentido de ser eu,
um embriagado ser que, parecendo ser eu, sou.
Mas não sou. Sou outro. Ele.
E ninguém reconhece.
Ninguém sabe.
Ninguém vê,
porque não adianta explicar,
não adianta falar,
ninguém entende.

Ele não sou eu nesse mundo.

05 de outubro de 2017

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dia das criança (sic)

Uma criança com sua mãe
tocou o tornozelo de um corpo nu
de um homem exposto em uma museu de arte.

Gritaram!
Bradaram!
Quiseram fechar o museu.
Cuspiram a arte.
Pedofilizaram a nudez.

Esses brutos, que deus os perdoe e acompanhe,
esses jamais poderão ter filhos pois,
de certo,
no primeiro banho, nus com as suas crias,
verão sexualidade no sexo sem sexualidade dos filhos
e acabarão derrotados pelo desejo,
enquanto um fio de sangue fresco corre pelo ralo do banheiro,
pelo ralo do chuveiro vai-se a pureza e a hipocrisia.

Uma criança foi deixada sob o leito carcerário
de um estuprador em vontades,
para que dormisse e permanecesse.

Silêncio.
Silêncio.
Não quiseram fechar nada,
não cuspiram em ninguém.
Ali não se chegaram.

Esses brutos, que deus não os perdoe e mande ao inferno,
sequer falaram sobre o fato, ignoraram,
como fazem sempre,
quando não estão no ar condicionado de um museu,
quando a realidade é real demais para que acompanhem,
quando o piso é sujo que seus pés não tocam.

Querem impor o seu partido repartido de razão.
Querem impor a sua crença na descrença.
Querem sem entender.
Querem.

E eu só quero que se fodam.
Todos.
Sem exceções.

Até mesmo suas crianças
(coitadas).

10 de outubro de 2017

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Humanos

Nós somos maus.
A humanidade é um todo de torpor,
vícios, corrupção.
Nós somos maus.

Tentam uns culpar um capeta inexistente.
Não há capeta que compita com nossos caráteres impuros.
Não há demônio maior que a mente humana.
Nós somos gananciosos.
Por isso o simples pensamento de uma comunidade igualitária,
onde tudo é de todos, e todos são donos de tudos,
é visto como mensagem diabólica.
"Vão comer suas criancinhas",
"vão deixar vocês na rua",
"vão tomar suas casas".
Nós somos diabólicos.

Nós trocamos moedas por milagres.
Damos o pouco que temos
pela expectativa do muito que jamais que teremos.
E deixamo-nos enganar por uma ou outra história
de pretenso sucesso.

Deus vive nos cifrões.
Deus mora no frescor reluzente do ouro,
na fria mortália do níquel,
atrás dos muros enfeitados de cercas elétricas,
que matam gatos incautos durante noites e dias.

E culpamos demônios, exus, caboclos,
culpamos pombas-giras, espíritos obscessores,
culpamos quem não existe
e quem não tem culpa.
Culpamos.

Culpamos porque nos falta caráter para assumir
a nossa toda falibilidade.
O papa é falível.
A mãe é falível.
O pai.
O tio.
O avô.
O padre.
O pastor.
O bispo.
Todo e qualquer ser humano,
por ser humano,
é falível.
E falhará.

Nós somos maus,
não por natureza,
mas por criação.
Não como criar bons humanos
quando somos humanos maus.

E o ciclo se repete.
E o mundo só aguarda o fim.

05 de outubro de 2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Mas que droga

A vida passa,
os anos passam,
o relógio mostra,
o calendário escancara,
e eu fico a remoer o que não sinto.

Acham que eu não sei.
Pensam que eu não sinto.
Mas eu sei.
Eu sinto.

A vergonha vai corroendo minha pele,
fazendo seca a vida que me esvai.
E eu não sei o que fazer.
Eu não sei como sair.
Eu tento,
eu tento,
e vou me afundando
mais e mais
e mais
e mais
e mais.

Tudo o que penso logo é declinado pela consciência,
tudo o que achava certo é denegado pela reflexão.
Direito.
Publicidade.
Nada é o que eu pensava.
Um tenta manter o status quo.
O outro tenta vender qualquer situação.

Merda!
Merda!

Eu penso demais, penso.
Eu penso demais, desisto.
A vondade de não pensar.
A vontade de desistir.

Mas que droga!
Mas que droga!

Covardia sobra
onde sobra esperança vazia.

24 de setembro de 2017

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Sem volta

O sol ainda nem saiu
e meus olhos já não sabem dizer o dia,
ainda esperam o fim de todo o desastre.

Era um sábado,
era um dia feliz,
até o chamado,
até a dor toda,
até o corpo se sentir inútil,
fútil,
desnecessário.

A notícia,
a mensagem,
e todo o São Francisco transpôs-se,
de imediato,
em lágrimas nos meus olhos.

Chorei como chorei no meu pai,
chorei como jamais chorei depois disso.
Chorei como jamais imaginei que pudesse chorar,
eu que passei a me imaginar de pedra depois de tudo,
da morte,
da vida,
do choro no meu colo,
eu que achava que já estava pronto para só partir e deixar
era deixado.

Quem mais ouviria meus lamentos?
Quem mais leria todos os meus pensamentos?
Quem mais seria cúmplice dos crimes que planejei não cumprir?
Quem mais para amar?
Quem mais para viver?

Deixei-me a lamentar enquanto engolia dúzias de tudo o que encontrei.
Deixei-me apenas ser levado.
Eu que não cria em nada,
queria crer em nós
para sempre.

Eu que sempre soube
que o para sempre não existe.

24 de setembro de 2017