quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Psicopatia Compartilhada #1: Green Room

Já que eu nunca fiz isso aqui, resolvi que agora, ao final de cada mês (ou pode ser a cada quinze dias), indicarei alguma coisa que ando lendo, vendo, ouvindo, sentindo, usando, cheirando ou comendo e bebendo. Esse é o Psicopatia Compartilhada.

Para começar, um filme porradão! Sala Verde, ou Green Room, no original.

A premissa é a seguinte: uma banda de punk rock, precisando de dinheiro para voltar para a sua cidade após um show infrutífero, aceita tocar em um bar que é reduto de neo-Nazistas skinheads. Após tocarem, já indo embora do local, uma integrante percebe que esqueceu o celular no camarim. Ao retornar, em busca do aparelho, a banda se torna testemunha de um homicídio. A partir daí são obrigados a permanecer dentro da sala, até que o chefe dos skinheads (interpretado por Patrick Stewart, o eterno Professor Xavier) desenvolva seu plano para safar os verdadeiros culpados pelo assassinato.

Violência, tensão e suspense a todo momento. Quer facada na cabeça? Tem! Quer barriga aberta com estilete? Tem! Morte com tiro? Tem também. E outras 17 formas de morrer à sua escolha. Assisti antes de conferir o episódio vazado de Game of Thrones e, olha, GoT me pareceu conto de fadas.

O filme é de 2016 e passou despercebido pela mídia especializada. Sequer tem no Netflix. Mas, se você procura filmes onde a tensão está em cada detalhe, que prende a sua atenção a todo instante, com boas atuações e um roteiro bacanudo, esse é um tiro certo!


PS: a indicação não tem nenhuma relação com o recente caso em Charlottesville.

PS2: mas, poderia!

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Ficha técnica

Título Original: Green Room
Direção e Roteiro: Jeremy Saulnier

Estrelando: Anton Yelchin (o Chekov da nova geração de Star Trek); Patrick Stewart; Imogen Poots; Alia Shawkat; Macon Blair e mais um monte de gente.
Ano de lançamento/País: 2016 – EUA
Duração: 1:35h
Nota no IMDb: 7,0

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A perfeição foge nos detalhes

Era uma vez, um país singular.

Nele quase tudo estava às mil maravilhas. O povo tinha educação de primeira. A igualdade era conceito primaz da organização civil. Todos eram seres humanos, pura e simplesmente, independente de qualquer outra possível divisão. A corrupção era uma mera e vaga lembrança dos tempos antigos. A saúde experimentava período de primazia, sem surtos de doenças, sem epidemias, tudo era antevisto pela medicina preventiva. Nesse país, a água da chuva era reutilizada em cem por cento das casas. As matas foram recuperadas e a fauna e a flora prosperavam nas grandes reservas. A energia era limpa. A economia se equilibrava sustentável, como jamais visto. O país, antes tido como o país do futuro, agora surfava soberano nas ondas do presente progressista.

No entanto, como dito, nem tudo estava às mil maravilhas.

Sim, meus caros, a perfeição não existe e, como não poderia deixar de ser, assim não era nesse país.

Infelizmente, algumas pessoas insistiam em não se vestir corretamente para o trabalho a que se designava. E isso colocava em cheque toda a organização da sociedade. Toda a primazia econômica. Toda a paz e vida.
Eram os rebeldes advogados e advogadas, que depois de passarem por todo o curso de Direito, depois de batalharem para serem aprovados em um exame da organização de classe, depois de dominarem (?) o vasto arcabouço legal daquele país, insistiam em contrariar juízes, desembargadores e se apresentarem em frente a eles vestidos sem a solenidade exigida.

Pobre país, destinado ao caos por conta desses rebeldes.

Viva os desembargadores e juízes que ainda prezam pela moral, os bons costumes, pela família, por Deus e todo o mais e recebem os justos salários (que uns – invejosos – tratam como “super”) por isso. Afinal, é melhor ter um profissional incompetente bem vestido, que um reles doutor de roupas incompatíveis com o nível do julgador que vai confrontar nos tribunais.


24 de agosto de 2017



Desembargador se recusa a ouvir advogada por causa da roupa dela

RIO - Um desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18ª Região, em Goiânia, se recusou a ouvir a sustenção oral de uma advogada por considerar que a roupa dela não se enquadrava ao decoro exigido no local.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Gosto da morte

Qual será o gosto da morte?
E ela me responde ser o gosto do tempero
que eu coloco na carne que como com gosto de sangue.
Não.
Não é esse o gosto que me refiro.
Esse eu já senti vezes e mais vezes
e nunca me canso,
se quer saber.
Eu sou fã de um cadáver requentado no meu prato,
quanto mais fresco, melhor.
Qual o gosto da morte, eu me pergunto.
Da nossa própria morte.
Que aromas provamos pouco antes de perdemos os sentidos?
Que gosto fica na boca antes do sangue secar?
Ferro somente?
Nenhum prazer?
Nenhum desgosto?
Que gosto afinal a morte tem?

11 de agosto de 2017

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Pedacinho

Uns pedaços
uns nacos
separando ossos de carne
pedaços
uns crus,
para ver se vale a pena,
e então generosos descansando
suavemente sobre a grelha.


O cheiro de carne pela manhã,
doce doce carne.


A saliva que escorre da boca
cai no peito.
Fome.


Eu comeria um boi,
um elefante,
você inteira.

Que fome.
Que ódio.
Que vontade de morrer.


Que raiva de não ser livre.
De não poder ser livre.

Todo mundo que eu conheço
acaba querendo um pedacinho de mim.

11 de agosto de 2017

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O fim do mundo

O fim do mundo, talvez,
seja uma cidadezinha pequena.
Onde não há para onde ir,
Onde não há o que mais se fazer.
E far-se-á o que se dá para fazer,
dentro das possibilidades do curto espaço de ir e vir temporal.
Mesmo que numa metrópole,
seus passos se limitarão a alguns quarteirões aqui
outros acolá.
As ruas estarão tomadas pelo desespero,
carros e mais cavalos e gentes,
e gritos e saques.
TVs correndo para lá e além,
celulares sendo embolsados.
Vidros quebrados,
alarmes disparados.
Desespero e caos.

O fim do mundo será todo ele
uma cidade pequena de possibilidades.
Pegue sua garota,
ou arranje um garotão,
tente se divertir.

Será a sua última vez.

11 de agosto de 2017

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

PhD #4: Lei Maria da Penha

Sancionada no dia 07 de agosto de 2006, portanto recém completados 11 anos da data, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, nome que recebeu graças à luta de uma farmacêutica cearense, baleada em 1983 por seu marido enquanto dormia – a lesão a deixou paraplégica. Mantida em cárcere privado, sobreviveu, no mesmo ano, a outra tentativa de assassinato, dessa vez por eletrocussão durante o banho, é vista como um importante avanço no combate à violência contra a mulher no país.

A bradaria dos que gritavam contra, justificando-se em eventual preconceito da lei, por apenas tratar de defesa de direitos das mulheres, reforça a, infelizmente, necessidade de uma legislação específica para os casos de violência doméstica contra mulher.

Mais do que apenas a violência física, um dos aspectos relevantes da lei cinge-se na proteção também contra os abusos sexuais, psicológicos, morais e patrimoniais entre vítima e agressor. Insta salientar que, para a lei, agressor é todo e qualquer indivíduo que possua algum tipo de relação afetiva com a vítima, não se limitando, portanto, apenas à figura do cônjuge.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2015, a lei contribui para uma queda de cerca de 10% (dez por cento) no número de homicídios cometidos contra mulheres dentro dos domicílios das vítimas.

A lei é reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das três melhores do mundo no enfrentamento da violência contra mulheres. Apesar disso, como toda e qualquer legislação no país, ainda sofre-se consideravelmente para a sua aplicação efetiva, notadamente em localidades afastadas dos grandes centros urbanos.

Diante de tal situação, foi assinada, em 2015, pela então secretária de Políticas para Mulheres, Eleonora Menicucci, portaria que criou a Patrulha Maria da Penha Rural, composta por policiais mulheres, visando maior segurança às mulheres no campo.

As viaturas fazem patrulhas diárias, focando em locais onde há indícios de violência, visando coibir os atos, além de dar maior efetividade às medidas protetivas determinadas pela Justiça.

Importante inovação deu-se no que tange à celeridade de apreciação das queixas. Nesses casos, o magistrado tem o prazo de 48 (quarenta e oito horas) para analisar a concessão de medida protetiva. O prazo justifica-se pela urgência no tocante aos atos de violência contra as mulheres.

A legislação é aplicável a mulheres em relacionamento com outras mulheres, e também de modo a proteger transsexuais que se identificam como mulheres em sua identidade de gênero. Insta salientar, inclusive, que o agressor tanto pode ser do gênero masculino, quanto do feminino, desde que a vítima seja mulher ou identificada como mulher, e o agressor tenha, como dito, algum tipo de relação afetiva com a vítima.

Não obstante todo o arcabouço de medidas e penas trazidas pela lei em comento, talvez o principal fruto deixado foi a discussão dos temas relacionados à violência contra a mulher. Nunca se debateu tanto sobre o tema.

Segundo dados da pesquisa Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013), 98% (noventa e oito por cento) dos entrevistados conhecem a lei. Além disso, 86% (oitenta e seis por cento) consideram ter havido crescimento no número de denúncias após o sancionamento das regras.

A Lei Maria da Penha expurgou da sociedade moderna o ditado antigo, e misógino por si só, considerando quem detinha o poder nas relações de outrora, que dizia “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.

À sociedade cabe empenho constante para maior efetividade da lei, visando punir os agressores, de forma rápida e eficaz, para, assim, coibir os atos de violência contra a mulher.

É triste verificar a extrema necessidade de uma lei como essa para assegurar direitos básicos a um estrato da sociedade. Porém, enquanto houver violência, de qualquer forma, enquanto houver desigualdade, de qualquer forma, leis assim se farão justas, necessárias e devem vigorar de forma eficaz, até que os motivos que levaram a sua positivação se extinguam, ou minguem a ponto de não serem mais sentidos.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Inquisição

Quem são vocês?
O que fazem aqui?
O que querem de mim?
Por que me perguntam tanto
e tanta coisa,
pra quê?
O que eu preciso saber?
O que querem que eu responda?
Por que não se vão?
Por que não me deixam?
Eu já disse que não sei.
Eu já disse, não sou eu.
Por que insistem tanto?
O que é isso que carregam em suas mãos?
Por que me levar a esse amontoado de madeiras?
Não, não coloquem fogo,
eu sinto muito calor,
e estamos no verão.

O que fazem aqui
dentro dos meus sonhos?

Eu só queria poder dormir em paz.

08 de agosto de 2017

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Lentamente

Movia-se lento,
ainda que parecesse imóvel.
Lento, lento como o tempo entre os encontros
com aqueles que queremos estar.
Tão mais lento quanto maior a paixão,
e parecia-lhe sempre intensa a paixão.
Movia-se lentamente,
e lentamente movia-se
pouco a pouco
centímetro vencido após milímetro batido
ia
sempre
em frente
macilento
pouco
a pouco
em pouco
pouco
e sempre
devagar,
lento
ia
ia
ia-se lento
e lento
e quando viu-se próximo
ainda lhe faltavam demasiadas lentidões
e lentamente
lentamente
virou-se
para desviar-se de quem vinha lentamente
a seu encontro
e lento
tropeçou em seus passos sôfregos
derramando os espaços vazios
logo ocupados por quem não os tinham desejos
e atrasados foram ficando
todo e qualquer
e lento foram
até que rapidamente
sem mais demora
sem perceberem
não mais dependiam eles do tempo
giravam,
bailavam
e sem se darem por onde,
lentamente
viam-se como dantes
sem se atrasar
assim como deviam estar
e estando
sem saber por onde
jamais questionaram
e lentamente voltaram ao normal
assim
como se fosse normal
lentamente
sem se perceberem
como somos todos
normais.

06 de agosto de 2017

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Metades

Duas almas doentes podem se curar?
Duas metades que se encontram
podem, em se amando, fazerem-se um?

Quanto de poesia é preciso
para acreditar no amor?
Quanto de inocência
e ingenuidade?

O amor vendido nas ruas é mais barato
e menos dolorido.
Cada pedaço de papel uma nova história,
cada senha digitada
um orgasmo sem precedentes.

Pode o amor competir com o comércio?
Pode a virtude competir com a modernidade?
Quanto de nós ainda somos o que nunca fomos?
Quanto de nós é resto dos que se foram?

Um coração despedaçado
é um coração despedaçado.
Os pedaços que se descolam morrem,
gangrenam, ficam pelo caminho.
Fica um buraco em cada pedaço que falta.
Fica um vazio em cada coisa que não foi.

Cada lágrima derramada por um romance desfeito
são lágrimas legítimas
de uma dor que não deveria ser.
Romances acabam.
Amores acabam.
Nós vamos permanecendo,
de amor em amor,
até que, enfim, acabamos também.

Em quantos pedaços pode um coração se quebrar
a fim de que ainda continue funcionando?
E quem disse que sofrimento é no coração?
Quantos cérebros morreram?
Quantas sinapses perdidas?
Tão pouco hormônio,
tão pouco ânimo.

Cara metade.
Metades que se juntam e se perfectualizam
em um ser único de amor e paixão.
Besteira!

Duas metades não podem formar um inteiro.
Apenas um inteiro dividido em dois
pode voltar a se unir.
E mesmo assim,
sempre faltam uns caquinhos.

A vida é sobre saber lidar com isso.
Mas, quem sabe?

03 de agosto de 2017