segunda-feira, 29 de outubro de 2018

E agora?

“O inimigo você elimina, o adversário você convive”

Finda as eleições presidenciais de 2018, com a vitória do capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro, fica a pergunta: e agora?

Sim, porque mesmo que você tenha escolhido o vencedor, qual o ponto principal da sua plataforma de governo mais lhe agradou? Jair Bolsonaro protocolou junto ao Tribunal Superior Eleitoral mais uma carta de intenções do que, propriamente, um plano de governo. Recheada de generalidades, não há como cobrar do candidato eleito a efetivação de sua plataforma, pois praticamente inexistente. Bordões tivemos aos montes. Mas bordões não são planos. Bordões são peças publicitárias para arregimentar maior militância.

Do outro lado, o derrotado Fernando Haddad não fugiu muito ao padrão visto em Bolsonaro. Prova disso foi a mudança de pontos específicos do plano de governo no segundo turno, visando a suavização do discurso, com o objetivo de agregar mais apoiadores a sua campanha. Não deu certo.

Vencido, Haddad discursou pela resistência, buscando se firmar como baluarte da oposição ao novo governo. Terá dificuldades nesse campo, notadamente em razão da imagem do seu partido que, galgado na luta ineficaz pela soltura de seu líder, o ex-presidente Lula, foi uma das principais bandeiras para ascensão do agora presidente eleito. O antipetismo, que já mostrou força nas eleições municipais de 2016, voltou a exibir o seu poder. Não fosse a região Nordeste, a vitória de Jair Bolsonaro seria ainda maior.

Há de se frisar o reconhecimento da derrota de forma parcimoniosa pelo candidato Fernando Haddad, mesmo com a postura enérgica demonstrada ao se declarar (como esperado) oposição. Espera-se que seja uma oposição em defesa da democracia e dos direitos do povo e não a oposição pela oposição, pela não aceitação da derrota, como fizeram os derrotados em 2014 e que resultou na crise política que hoje assistimos.

Mas a pergunta é: e agora?

Bolsonaro venceu com um discurso de extrema-direita, com promessas de extirpar os “vermelhos”, que deveriam optar por se curvar a nova política do Palácio do Planalto, com boa repercussão no Congresso, saírem do país (em uma alusão ao bordão da era militar “Brasil, ame-o ou deixo-o”) ou então serem presos. A militância mais radical, que votou em Bolsonaro por esse discurso extremado, vê-se agora legitimada e mostra-se disposta a sair às ruas com suas bandeiras antidemocráticas. Esse o perigo real para o Brasil.

Nas ruas, a comemoração veio em clima de carnaval, ato tipicamente brasileiro, como se as eleições fossem uma grande gincana escolar, onde é preciso estar sempre do lado vencedor, não importa o que esse lado represente, para poder participar da festa. De onde falo, zona sul de Ribeirão Preto (mas deve ter se repetido por todas as regiões), a euforia deu-se muito mais pela derrocada do PT que pela vitória do candidato do PSL. “Fora PT”, “Tchau PT” e outras versões de baixo calão referenciando o partido vencido, demonstravam que Jair Bolsonaro conseguiu, mais do que qualquer um, representar a insatisfação dos eleitores com os sucessivos mandatos do partido de centro-esquerda (sim, meus caro, o PT não é de extrema-esquerda como costumam propagar por aí) e os repetidos escândalos de corrupção, que roubaram os cofres públicos.

Mas e agora?

Agora são favas contadas. O Brasil tem um novo presidente que deverá governar para todos os brasileiros, indo, portanto, de encontro ao seu discurso beligerante de supressão das minorias. Se o seu bordão-mor foi “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o novo presidente precisa ser lembrado diariamente que o Brasil é feito de todos os brasileiros e não somente da sua patota de apoiadores e chegados, “os parças”, fazendo uma analogia com o grupo de puxa-sacos da maior estrela atual do futebol brasileiro. Bolsonaro precisa entender que a presidência não é a campanha, na qual ele era sempre recebido de braços abertos pelos simpatizantes. Haverá oposição e é preciso saber lidar com a oposição de forma democrática. É preciso saber que debates de ideias são o alicerce da democracia e que ele, no exercício do cargo mais importante da república, ao contrário do que fez nos debates do segundo turno, não poderá se furtar ao confronto e que “lacrar”, “mitar”, não são verbos que caibam bem a posição agora ocupada. A liturgia do cargo não deve ser contaminada pela energia do discurso panfletário de campanha. O Brasil é todos os brasileiros e é a essa massa disforme e heterogênea que o presidente deve servir, independente de qualquer diferença que possa ter.

Agora é aguardar que o bom senso e a temperança, eivados de espírito democrático, floresçam onde, até então, suas ausências eram observadas.

Que o governo governe, que a oposição se oponha, tudo regido pelos princípios democráticos, pelo respeito, pela ordem, visando o progresso.

Boa sorte, Brasil!

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