quinta-feira, 29 de março de 2018

E se chover

E se chover?
O que a gente vai fazer
das roupas penduradas no varal?
Todo o sentimento estendido no quintal,
secando ao vento de fim de verão.

E se chover?
O que faremos dessa vontade de ir lá fora
e brincar ao sol
que se escondeu
por detrás das nuvens?

E se chover?
A gente fica aqui no quarto
ouvindo os pingos musicarem nossos atos,
eu te beijo,
tu me beijas
e dormimos abraçados
ouvindo a chuva na janela.

E se chover?
Você irá me acompanhar
de mãos dadas a bailar
sob a chuva que cai
trazendo a esperança
(ainda que falsa)
de que dias melhores virão,
eu que sou tão pessimista.

E se chover
a gente vê o que faz
eu e você
e ninguém mais,
sem nada por fazer
ou tanto faz,
se chover,
se chover.

27 de março de 2018

segunda-feira, 26 de março de 2018

Como se eu fosse um rio

E é como se um rio
que corta uma grande cidade.
Eu levo a vida,
quero levar a vida,
dar cor ao mundo que atravesso,
saciar a sede dos que me alcançam.
E que meus braços se entremeiem as casas,
ruas, vielas e avenidas
e banhe os corpos cansados
renovando-lhes o ânimo,
que usem do que lhes trago para o seu deleite,
para o café do dia-a-dia,
para o arroz, feijão,
o pão nosso de cada dia.
Eu sou o rio que corta uma grande cidade
e nele despejam os seus moradores
toda a sorte de dejetos que não querem para si,
o esgoto,
o lixo,
os corpos dos assassinatos,
sofás,
pneus,
carros.
Eu quero levar a vida, o riso, a alegria,
e levo comigo o ódio,
o rancor,
a raiva,
o desprezo,
todo o lixo que não querem na vida
e que despejam sem pensar
no rio que corta a cidade.

26 de março de 2018

quinta-feira, 22 de março de 2018

Quando o comunismo triunfará

Marx, quando descrevia o advento entre os povos do comunismo, previu que este só se daria com o fim do capitalismo, após o seu esgotamento.
Durante os tempos, quiseram forçar essa chegada e deu no que deu. Ou seja, não deu.
Em breve as nações possuidoras de arsenal nuclear não mais conseguirão resolver suas desavenças pelos meios diplomáticos, a guerra última chegará, e o capitalismo se fará esgotado.
Assim, com a Terra desolada, não restará alternativa aos sobreviventes (se existirem) que não a vida pelo comunismo, sem patrões, sem classes, todos lutando única e tão somente pela sobrevivência.
Marx então desfilará triunfante sobre o mundo devastado de quase ninguém.

02 de março de 2018

segunda-feira, 19 de março de 2018

E da água faz-se vinho

E Jesus transformou a água em vinho e a festa retomou seu curso.
Mais tarde, já com o sol despontando no horizonte, Jesus teve que multiplicar as barricas, para que as donas fossem até o poço pegar mais e mais água.
Levou um tempo, dado a tremenda dor de cabeça que afetou o profeta, afinal, todos sabemos, vinho dá uma baita ressaca.

02 de março de 2018

quinta-feira, 15 de março de 2018

Cem anos

A gente brinca e ele me diz que ainda seremos parceiros
daqui cem anos.
Eu rio da sua inocência,
de achar que o tempo pode chegar assim para nós,
como se fossemos imortais.
Ele tem apenas cinco anos e, criança,
acha que cem anos pode chegar sem problemas.
Eu tenho trinta e três
e cada dia que passa
sinto como se dez anos tivesse passado.
E a cada dez dias completamos mais cem anos de parceria.
Sentirei saudades disso em breve.

02 de marços de 2018

segunda-feira, 12 de março de 2018

Durante, sem antes, e depois

O que você achou?
Não sei ainda. É tudo muito novo pra mim. Ainda me excito pensando no que aconteceu, mas não sei de onde tirei coragem.
Você sabe de onde.
Sei mesmo?
Sabe, você sabe que sabe, nunca tinha te visto tão molhada daquele jeito.
É, eu não sei, talvez tenha sido a novidade.
Novidade, sei. Você é pior do que eu, percebi isso.
Pior? Como assim pior?
Você sabe como, percebi isso logo de cara.
Mas você fez o que sempre faz, só que com outros instrumentos.
Seus mamilos estavam ficando roxos.
Eu sei, mas, eu me acostumei, de certa forma.
Sua buceta nunca ficou tão melada.
Ah, mas a situação era nova, eu gosto de testar coisas novas.
Não era nova. Eu já havia te chupado daquele jeito.
Não. Quer dizer, pode ser que daquele jeito sim, mas não naquela situação.
Te excitou a situação, foi?
Talvez.
E quando eu meti os dedos?
Você sabe que do jeito que introduziu me faz tesuda logo.
Eu sei mesmo?
Você sabe que sabe.
E o polegar no clitóris?
Polegar? Não foi o polegar, você tava usando as duas mãos?
Eu? Claro que não.
Estava! Estava prendendo o clitóris entre dois dedos. PUTAQUEPARIU, que tesão aquilo.
Você notou até quantos dedos?
Eu notei três, o médio e indicador prendendo e o polegar esfregando.
Safada!
Você que é safada! Foi sentir ele duro que caiu de boca.
E como não cair de boca num clitóris pedindo a minha língua?
Delícia!
Tesuda!
Safada!
Obrigada!
Pelo quê?
Você sabe, por me fazer gozar?
E eu não gozei?
É que...
Cale a boca, sua puta.
Adoro quando fala assim.
E eu te amo.
Eu também.

E durante esse tempo todo, eu, de pau duro, apenas observava, quieto, no canto do quarto.

Acordei com sede, sentindo um calor infernal.


22 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 8 de março de 2018

Sobre saudades

Mas e a saudade, afinal o que é? Eu fico cá pensando.
Porque, sabe, eu disse pra ela outro dia "Eu não sou muito bom em sentir saudades". E, de fato, não sou.
Meu pai morreu. Eu sinto saudades dele? Senti por um tempo. Hoje não mais.
Talvez minhas saudades estejam restritas à possibilidade de reencontrar a pessoa alvo.
Eu tinha saudades do meu pai, por algum momento eu me enganava poder revê-lo, até que senti que não mais.
Das pessoas que estão vivas... sinto alguma saudade. Não toda.
Não me levem a mal. Eu não sou tão frio assim.
Vivi anos distante do meu ninho. E não voltava quando a estação migratória pedia, eu tenho essa facilidade de me fazer local de onde estou com os pés. O coração me serve para pulsar o sangue do ar que respiro.
E por isso eu não sentia vontade de estar com meus? Não, de modo algum. Mas não me fazia necessidade no sentido que fazia a outros. Eu levo os que amo comigo, não preciso estar. Eu sei ser.
De quem eu sinto saudades?
Outro dia, viajaram uns, Ela me perguntou, "não sente saudades das crianças?" e respondi de inopino "não".
"Nossa!", reprovou-me ela com seu tom.
Mas é que, de fato, eu não sentia. Fazia menos de uma semana. Eu não sei se consigo sentir saudades de uma semana. De um mês. Talvez eu nem sinta de um ano ou mais.
Talvez eu reprima as saudades e tudo se exprima em choro e lágrimas no abraço do reencontro.
Eu não sei.
Eu sinto saudades.
Eu só não sinto como acham que eu deva sentir.
Mas que, enquanto eu escrevia essas palavras, me bateu uma saudade do perfume Dela aqui no meu abraço. Ah, isso me bateu.
Que saudades Dela e, geralmente, de verdade, só Dela.


18 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

With a little help from my friends

O que a gente faz durante a vida sozinho
seria tão diferente com uma pequena ajuda de nossos amigos?
Quantos jogos desperdiçados na solidão do quarto,
enquanto os nossos se isolavam em seus colchões?
Que falta fez a presença de nossos amigos.
Que falta faz a presença de nossos amigos.

Mas hoje eu pergunto: será que existe amizade?
Todos isolados em seus dispositivos,
o contato trocado pelo toque na tela.
Que falta faz a presença de nossos amigos.

E eu só queria um abraço e um brinde.

Quem acreditará que eu um dia era cercado pelos meus,
e brindávamos refrigerantes aos quatro cantos,
copos que viraram cervejas e sorriam a vida pela vida?
Eu que hoje vivo sozinho das minhas amizades distantes,
sem calor, sem brinde, sem vida.

Ah que falta me faz a presença dos meus amigos,
os que eu jamais esqueci, que moram aqui, em mim,
como se jamais tivessem tido outra moradia.

Ah que falta me faz ter vivido com eles a vida que sonhamos,
mas a vida é um sonho às avessas e nos chama à realidade,
e hoje só podemos lamentar e sentir
a falta que faz nossos amigos.

Que esse brinde solitário chegue a todos eles
e que um dia possamos fazer cessar essa falta.

18 de fevereiro de 2018

quinta-feira, 1 de março de 2018

Questão de beleza

A beleza na miséria só enxerga quem dela saiu. É preciso estar em voo alçado para vislumbrar alguma coisa de belo no que avilta e destrói. O mesmo com as guerras, se é que é possível enxergar algo de belo em mortes deliberadas. Eventual saldo positivo de um conflito bélico só o distanciamento temporal pode mostrar. É de longe que se enxerga beleza no que nos é terrível.


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