quinta-feira, 29 de junho de 2017

Solidão

Solidão. Eis, talvez, o grande atributo da humanidade.

Que saudades de um cigarro que sinto quando penso nisso.

Não. Não na solidão. Na humanidade.

O cigarro, talvez, tenha sido o maior estandarde da solidão humana. Vivíamos épocas sombrias. Éramos reflexivos. Reunião era custosa. E o cigarro pairava sublime como o grande herói da geração. Geração Hollywood. Marlboro. Free. Eu, confesso, não fui dessa geração. O cigarro me caiu no colo como um remédio contra a solidão. Todo mundo fumava. Existia o intervalo pro cigarro. Eu trabalhava. E trabalhando percebi que o melhor era fumar. Tolo. E fumei. E logo estava integrado no todo, nos maiorais. Eu estava entre as cabeças pensantes e pulmões fumantes da empresa. Cresci rápido.

E logo percebi que não era pelo crescimento que fumei. Era pelo medo da solidão. E por temer a solidão, percebi que a resposta a esse medo me dava mais e mais conforto com o próprio medo. Passei a me sentir bem na minha presença. Desde que junto a um maço, ou dois, de cigarro. Do mais forte. Tragava pouco. Sério. Mas era o sabor que me embriagava (ainda mais, porque sempre estava acompanhado de alguma boa dose de álcool). Então vi que conseguia escrever muito mais. Viajar muito mais. Refletir sobre o todo mais do que quando estava sem.

Cigarro e álcool passaram a ser não só amigos, mas cúmplices. Eles mitigavam os motivos, os meandros, os detalhes. Eu só transcrevia o que me diziam. Era mero instrumento das suas vontades escusas. E sob efeito deles amei quem eu achei que amava, e escrevi dezenas e dezenas de verborrágicos versos. E chorei sobre amores imaginários. Sofri com fins imagináveis. Fiz-me absolutamente ridículo em uma ou mais ocasiões. Tudo por que eu inventava, no auge de meu surto “alcoolnicotínico”, relacionamentos de mão dupla, que só existiam na via de mão única do meu desespero. Era a solidão não se reconhecendo.

Demorei diversos e diversos fracassos para perceber que a solidão é medida que se impõe, e a vida nada mais é que uma toda solidão, permeada de momentos de companhia agradável (bem raros).

Reconheci-me, tardiamente, solitário. E quando, enfim, assim me vi, por infelicidade (que seja) do destino, vi-me de frente a uma possibilidade de fim da solidão. Não a aceitei. Embora achasse que sim. E fui vivendo a incongruência do estar em e estar fora. Entre a solidão e o amor. Entre a dor do só e a dor compartilhada do companheirismo. Não soube lidar. Não sei.

Em mim ainda paira essa máxima da solidão como bem único. Somos solitários. Nascemos assim. Morreremos assim. O resto do tempo é encontrar aliados e tentar viver o menos tempo possível em conflito. Mas, sempre estar preparado para a guerra. Sempre ter aliados que sejam inimigos de seus aliados, para o momento certo. Sempre viver sem viver. Sobreviver da forma que der. E assim sou. Fui. Serei?

Um conhecido, certa vez, em um de nossos churrascos solitários em casa, disse: “Nada melhor que cagar fumando e tomar banho bebendo”. E reconheci-me naquelas palavras. Sem pensar.

Hoje reconheço a solidão nelas inscritas, e o motivo de reconhecimento imediato. Eu sou um solitário. Um lobo fugido da matilha. Vagando sozinho em busca de espaço, de vida própria. Sem encontrar.

Cagar fumando é, quiçá, um dos ápices da reflexão solitária. Une duas das atividades mais íntimas do ser humano. Sim, porque fumar, embora, em parte, tenham transformado em uma ação social, é, em essência, um ato de rebeldia contra o social. É você e seu pedaço de papel com ervas e venenos flamejantes, fazendo cosplay de Maria Fumaça, entorpecendo o cérebro com a privação de oxigênio e se achando o último rei da Escócia. Uma cena digna de pena, mas que necessita de um certo distanciamento psicotempossocialdemagógico para reconhecer. E, ainda assim, eventualmente, admite-se a tese niezstchiana do Eterno Retorno, e volta-se a fumar. Dessa vez, sem justificativas plausíveis. É que é bom mesmo sendo uma merda.

Sobre o outro aspecto, beber tomando banho, não se fazem necessárias maiores explanações. Geralmente, locais para apoiar sabonetes ou xampús são pequenos dentro dos “boxes” de banhos. Assim, pensar a existência de espaço para duas latas ou long necks de cervejas num banho a dois é risível. E pressupor a possibilidade de divisão de uma lata ou long neck de cerveja num banho duplo é apostar na paz mundial, sem mais maiores considerações.

Talvez por isso, por pensar nisso e assim, é que me sinto triste e tão sem esperança. Nasci sozinho. Fiz-me só. Cultivei-me só. Reconheço-me assim e péssimo amigo. Não posso contar um ou dois. E assim me vejo até o fim.

Sou só. Fui só. E talvez serei. Talvez.

Só quero outra garrafa cheia.

Só mais uma garrafa.

E só.

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