Bandido bom é bandido morto?
O brasileiro mediano adora propagar soluções
simples para problemas complexos, sempre sob a batuta de algum
figurão especialista em porra nenhuma apresentador de programa ruim
na TV. O Brasil, país que recebeu a visita ilustre do ET Bilu,
parece não ter assimilado a sua mensagem para os terráqueos. Não
buscamos conhecimento. Preferimos encher grupos em mensageiros
instantâneos com baboseiras que não checamos serem verdadeiras ou
não. Somos um país de canalhas. Talvez por isso sejamos governados
por eles.
“Bandido tem que morrer”, “Eu que pago a
comida deles”, “Eles têm muitos privilégios”, “Direitos
humanos para humanos direitos”, etc. Os brados se repetem dia a
dia, em todo lugar.
O sistema prisional brasileiro (e todos os outros)
é um depósito de dejetos sociais. Ali estão encarcerados o que a
sociedade reconhece como a escória. Mais de 622 mil indivíduos
dividindo celas superlotadas, em condições sub-humanas, tomadas por
facções criminosas que, surpresa surpresa, se alimentam da
precariedade do sistema para crescer em número e poder.
Todos os entes federativos possuem número
excessivo de presos, bem além da quantidade de vagas no sistema
prisional. A superlotação é um dos principais problemas
enfrentados, e o combate a esse problema, invariavelmente, é a
construção de novos presídios, que logo lotam, e exigem a
construção de novos presídios, que lotarão, criando um círculo
vicioso sem fim. Enquanto isso, como já dito, as facções
criminosas vão ganhando força. O PCC – Primeiro Comando da
Capital, facção que começou nos presídios de São Paulo e hoje,
por intermédio da política de distribuição da cúpula de facções
por outros presídios no país, está presente em quase todos os
Estados, é fruto desse disparate do Sistema.
Especialistas em criminologia afirmam que a
ascensão do PCC dentro dos presídios paulistas ajudou, inclusive,
na diminuição dos crimes de homicídios no Estado, algo que, por
óbvio, o governo paulista rebate, afirmando ser fruto do aumento do
policiamento. Na década de 1990, a taxa de homicídio no Estado era
de 60 para cada 100.000 habitantes. A Organização Mundial da Saúde
(OMS), diz que mais de 10 por cem mil é inadmissível. Hoje, a taxa
média de homicídio no Estado é de 8,75/100.000. Drauzio Varela,
oncologista, que dedicou boa parte da sua carreira no trabalho com
presidiários, afirma, em entrevista a Revista Veja, que tal
diminuição é resultado da política da facção.
Você diz ‘Puxa, diminuiu muito’, e as autoridades dizem que foi pelo aumento do policiamento, mas o número de assaltos e furtos aumentou, algo que o policiamento também conseguiria diminuir. E, em se tratando de homicídio, há casos que a polícia não consegue conter. Você tem crimes passionais, tem o cara que está bêbado e briga no bar. Quem consegue conter isso é o crime organizado porque ele proíbe. Você não pode matar ninguém no seu bairro sem autorização ou você morre. Você não pode matar a sua mulher se descobre uma traição, porque é proibido.i
Com uma política carcerária que viola os
preceitos da Lei de Execução Penal, ignorando, em muitos casos, a
sua existência, o crescimento e avanço das facções dentro dos
presídios é, talvez, a única certeza que se pode ter do sistema
prisional brasileiro. O poder público, acostumado a lutar contra o
crime organizado nas favelas e bairros pobres, parece não ter
aprendido a lição que é na sua ausência, na omissão estatal, que
o crime toma conta. O crime organizado ocupa o espaço deixado pelo
Estado, seja na favela, seja nos presídios.
Mas aí você, pequeno gafanhoto, deve estar se
mordendo de ódio e batendo raivoso em seu teclado, dizendo a si
mesmo que presos devem sofrer, que eles fizeram mal a pessoas de bem,
etc. Eu sei, eu também acho que devem sofrer. Mas, sofrer dentro do
que a lei impõe. O cidadão deve lutar para que a Lei seja
resguardada e não violada, e que ela seja razoável, senão o
defensor do “bandido bom é bandido morto” de hoje pode ser o
bandido de amanhã.
É comum nos colocarmos fora do sistema, quando o
sistema considerado é o prisional. Mas, ser “bandido” é muito
mais fácil do que imaginamos. Quando se pensa em bandido, na maioria
das vezes, vem à mente a imagem do traficante, mocosado na boca,
sempre à espreita e pronto para correr quando a polícia aparecer.
Ou o assassino frio, que mata sem dó. O assaltante que mata para
roubar. E, de fato, esses são os crimes que gritam nas “ibagens”
dos programas policiais.
No entanto, os presos por tráficos (que
representam, na população carcerária masculina, cerca de 25% do
total) são, em sua maioria, pequenos traficantes, ou, até mesmo,
usuários que foram flagrados com quantidades pouco acima do
“tolerável” (e essa quantidade pode ser qualquer uma, posto não
existir uma definição concreta do que se considera ser quantidade
para uso ou tráfico). Donos de helicópteros com meia tonelada de
pasta base de cocaína não são presos no país. Esses possuem
costas largas.
Em segundo lugar na lista dos crimes que mais
encarceram está o roubo, bem próximo ao tráfico, com 21% do total. Latrocínio, o roubo seguido de morte, responde
por menos de 4% da população carcerária. Já os presos por
homicídio representam, aproximadamente, 13% da populaçãoii.
Grande parte desses homicídios cometidos em situações nas quais a
razoabilidade da condição humana se perde. Quantos casos de briga
de bar ou discussão no trânsito você conhece que acabaram, por uma
imbecilidade sem tamanho, em morte de um ou mais participantes? A
teórica pacificidade do povo brasileiro é posta à prova todo santo
dia.
Considerando que o tráfico de drogas não é, em
si, um crime violento, embora seja equiparado a crime hediondo, temos
que 38% dos presidiários brasileiros estão encarcerados por crimes
de natureza violenta. Assim, 62%, ou aproximadamente, 386 mil
detentos, cumprem pena por crimes praticados sem o uso de violência.
São presos por crimes como violação da lei do desarmamento, furto,
receptação (comprar aquele som automotivo em loja de reputação
duvidosa, com preço camarada), dentre outros, que na penitenciária,
superlotada, sem condições mínimas de higiene, onde dormirão no
chão, conviverão, dia após dia sem ocupaçãoiii
com sequestradores, homicidas, toda a gama e diversidade de
criminosos possível e imaginável. Acabam aprendendo novas técnicas,
mesmo por osmose, e saem, porque eventualmente todo mundo sai, pior
do que entrou, comprovando que o sistema prisional não atende à sua
função precípua que é a de reabilitar os detentos.
Mas, você ainda acha que bandido tem que morrer,
principalmente quem mata cidadão de bem. Então vamos analisar a
seguinte situação:
Você está com seu carro numa noite qualquer, num
fim de semana qualquer. Pega a (o) sua (seu) namorada (o), ou então
amigos e vão para uma balada. Bebem, cantam, dançam, divertem-se a
valer. Pegam o carro e na volta atropelam e matam uma pessoa que
estava atravessando a rua e que você, por uma distração qualquer,
não pôde perceber a aproximação. Qual a pena que você merece?
Aposto que não escolherá a pena de morte, certo? E sendo preso,
qual tipo de penitenciária você gostaria de ficar? No Brasil só
temos a do tipo brasileira. E cela especial para quem tem ensino
superior é só até o julgamento final. Depois é prisão comum,
como todos os bandidos que você esbraveja querer morto.
Defender a pena de morte é muito arriscado.
Vários são os casos no mundo de inocência por produção de nova
prova, fruto do avanço tecnológico. E em um país cujo Poder
Judiciário se mostra claudicante no uso do termo Justiça em seus
julgados (mesmo usando sempre), a pena capital viraria uma arma na
mão do Estado que é melhor não dar a ele.
Defender a precarização das instalações
criminais no país é correr o risco de, em um erro na vida, sermos
vítimas desse sistema. Ninguém está livre de um acesso de fúria.
Ninguém é avesso ao erro. E um ou outro pode ocasionar a inserção
dentro do conceito de “bandido” com as suas consequências todas.
Portanto, bandido bom é aquele que pretende se
ressocializar e o sistema precisa dar as condições para isso. Pelo
bem das pessoas de bem.
___________
ihttp://veja.abril.com.br/entretenimento/drauzio-varella-pcc-ajudou-a-diminuir-violencia
iiPesquisa
acerca do perfil da população carcerária brasileira:
https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/01/18/Qual-o-perfil-da-popula%C3%A7%C3%A3o-carcer%C3%A1ria-brasileira
iiiEmbora
seja obrigação do Estado oferecer trabalho ao preso, e dever do
preso trabalhar, não existe oferta suficiente.
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