quinta-feira, 15 de junho de 2017

Demistificando o Mundo 2: Bandido Bom é Bandido Morto?

Bandido bom é bandido morto?

O brasileiro mediano adora propagar soluções simples para problemas complexos, sempre sob a batuta de algum figurão especialista em porra nenhuma apresentador de programa ruim na TV. O Brasil, país que recebeu a visita ilustre do ET Bilu, parece não ter assimilado a sua mensagem para os terráqueos. Não buscamos conhecimento. Preferimos encher grupos em mensageiros instantâneos com baboseiras que não checamos serem verdadeiras ou não. Somos um país de canalhas. Talvez por isso sejamos governados por eles.

“Bandido tem que morrer”, “Eu que pago a comida deles”, “Eles têm muitos privilégios”, “Direitos humanos para humanos direitos”, etc. Os brados se repetem dia a dia, em todo lugar.

O sistema prisional brasileiro (e todos os outros) é um depósito de dejetos sociais. Ali estão encarcerados o que a sociedade reconhece como a escória. Mais de 622 mil indivíduos dividindo celas superlotadas, em condições sub-humanas, tomadas por facções criminosas que, surpresa surpresa, se alimentam da precariedade do sistema para crescer em número e poder.

Todos os entes federativos possuem número excessivo de presos, bem além da quantidade de vagas no sistema prisional. A superlotação é um dos principais problemas enfrentados, e o combate a esse problema, invariavelmente, é a construção de novos presídios, que logo lotam, e exigem a construção de novos presídios, que lotarão, criando um círculo vicioso sem fim. Enquanto isso, como já dito, as facções criminosas vão ganhando força. O PCC – Primeiro Comando da Capital, facção que começou nos presídios de São Paulo e hoje, por intermédio da política de distribuição da cúpula de facções por outros presídios no país, está presente em quase todos os Estados, é fruto desse disparate do Sistema.

Especialistas em criminologia afirmam que a ascensão do PCC dentro dos presídios paulistas ajudou, inclusive, na diminuição dos crimes de homicídios no Estado, algo que, por óbvio, o governo paulista rebate, afirmando ser fruto do aumento do policiamento. Na década de 1990, a taxa de homicídio no Estado era de 60 para cada 100.000 habitantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que mais de 10 por cem mil é inadmissível. Hoje, a taxa média de homicídio no Estado é de 8,75/100.000. Drauzio Varela, oncologista, que dedicou boa parte da sua carreira no trabalho com presidiários, afirma, em entrevista a Revista Veja, que tal diminuição é resultado da política da facção.
Você diz ‘Puxa, diminuiu muito’, e as autoridades dizem que foi pelo aumento do policiamento, mas o número de assaltos e furtos aumentou, algo que o policiamento também conseguiria diminuir. E, em se tratando de homicídio, há casos que a polícia não consegue conter. Você tem crimes passionais, tem o cara que está bêbado e briga no bar. Quem consegue conter isso é o crime organizado porque ele proíbe. Você não pode matar ninguém no seu bairro sem autorização ou você morre. Você não pode matar a sua mulher se descobre uma traição, porque é proibido.i
Com uma política carcerária que viola os preceitos da Lei de Execução Penal, ignorando, em muitos casos, a sua existência, o crescimento e avanço das facções dentro dos presídios é, talvez, a única certeza que se pode ter do sistema prisional brasileiro. O poder público, acostumado a lutar contra o crime organizado nas favelas e bairros pobres, parece não ter aprendido a lição que é na sua ausência, na omissão estatal, que o crime toma conta. O crime organizado ocupa o espaço deixado pelo Estado, seja na favela, seja nos presídios.

Mas aí você, pequeno gafanhoto, deve estar se mordendo de ódio e batendo raivoso em seu teclado, dizendo a si mesmo que presos devem sofrer, que eles fizeram mal a pessoas de bem, etc. Eu sei, eu também acho que devem sofrer. Mas, sofrer dentro do que a lei impõe. O cidadão deve lutar para que a Lei seja resguardada e não violada, e que ela seja razoável, senão o defensor do “bandido bom é bandido morto” de hoje pode ser o bandido de amanhã.

É comum nos colocarmos fora do sistema, quando o sistema considerado é o prisional. Mas, ser “bandido” é muito mais fácil do que imaginamos. Quando se pensa em bandido, na maioria das vezes, vem à mente a imagem do traficante, mocosado na boca, sempre à espreita e pronto para correr quando a polícia aparecer. Ou o assassino frio, que mata sem dó. O assaltante que mata para roubar. E, de fato, esses são os crimes que gritam nas “ibagens” dos programas policiais.

No entanto, os presos por tráficos (que representam, na população carcerária masculina, cerca de 25% do total) são, em sua maioria, pequenos traficantes, ou, até mesmo, usuários que foram flagrados com quantidades pouco acima do “tolerável” (e essa quantidade pode ser qualquer uma, posto não existir uma definição concreta do que se considera ser quantidade para uso ou tráfico). Donos de helicópteros com meia tonelada de pasta base de cocaína não são presos no país. Esses possuem costas largas.

Em segundo lugar na lista dos crimes que mais encarceram está o roubo, bem próximo ao tráfico, com 21% do total. Latrocínio, o roubo seguido de morte, responde por menos de 4% da população carcerária. Já os presos por homicídio representam, aproximadamente, 13% da populaçãoii. Grande parte desses homicídios cometidos em situações nas quais a razoabilidade da condição humana se perde. Quantos casos de briga de bar ou discussão no trânsito você conhece que acabaram, por uma imbecilidade sem tamanho, em morte de um ou mais participantes? A teórica pacificidade do povo brasileiro é posta à prova todo santo dia.

Considerando que o tráfico de drogas não é, em si, um crime violento, embora seja equiparado a crime hediondo, temos que 38% dos presidiários brasileiros estão encarcerados por crimes de natureza violenta. Assim, 62%, ou aproximadamente, 386 mil detentos, cumprem pena por crimes praticados sem o uso de violência. São presos por crimes como violação da lei do desarmamento, furto, receptação (comprar aquele som automotivo em loja de reputação duvidosa, com preço camarada), dentre outros, que na penitenciária, superlotada, sem condições mínimas de higiene, onde dormirão no chão, conviverão, dia após dia sem ocupaçãoiii com sequestradores, homicidas, toda a gama e diversidade de criminosos possível e imaginável. Acabam aprendendo novas técnicas, mesmo por osmose, e saem, porque eventualmente todo mundo sai, pior do que entrou, comprovando que o sistema prisional não atende à sua função precípua que é a de reabilitar os detentos.

Mas, você ainda acha que bandido tem que morrer, principalmente quem mata cidadão de bem. Então vamos analisar a seguinte situação:

Você está com seu carro numa noite qualquer, num fim de semana qualquer. Pega a (o) sua (seu) namorada (o), ou então amigos e vão para uma balada. Bebem, cantam, dançam, divertem-se a valer. Pegam o carro e na volta atropelam e matam uma pessoa que estava atravessando a rua e que você, por uma distração qualquer, não pôde perceber a aproximação. Qual a pena que você merece? Aposto que não escolherá a pena de morte, certo? E sendo preso, qual tipo de penitenciária você gostaria de ficar? No Brasil só temos a do tipo brasileira. E cela especial para quem tem ensino superior é só até o julgamento final. Depois é prisão comum, como todos os bandidos que você esbraveja querer morto.

Defender a pena de morte é muito arriscado. Vários são os casos no mundo de inocência por produção de nova prova, fruto do avanço tecnológico. E em um país cujo Poder Judiciário se mostra claudicante no uso do termo Justiça em seus julgados (mesmo usando sempre), a pena capital viraria uma arma na mão do Estado que é melhor não dar a ele.

Defender a precarização das instalações criminais no país é correr o risco de, em um erro na vida, sermos vítimas desse sistema. Ninguém está livre de um acesso de fúria. Ninguém é avesso ao erro. E um ou outro pode ocasionar a inserção dentro do conceito de “bandido” com as suas consequências todas.

Portanto, bandido bom é aquele que pretende se ressocializar e o sistema precisa dar as condições para isso. Pelo bem das pessoas de bem.


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ihttp://veja.abril.com.br/entretenimento/drauzio-varella-pcc-ajudou-a-diminuir-violencia
iiPesquisa acerca do perfil da população carcerária brasileira: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/01/18/Qual-o-perfil-da-popula%C3%A7%C3%A3o-carcer%C3%A1ria-brasileira
iiiEmbora seja obrigação do Estado oferecer trabalho ao preso, e dever do preso trabalhar, não existe oferta suficiente.

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