segunda-feira, 12 de junho de 2017

PhD #2 - Curso de Direito

E cá estamos, mais uma vez, com o meu, o seu, o nosso “mal conhecido mas já considerado pacas”: Pitaco de hermenêutica Duvidosa. Nome este escolhido por 2 das 4 pessoas que votaram na maior e mais espetacularmente fracassada pesquisa de opinião já realizada neste país, e porque não dizer no mundo.

Neste número dois o assunto é, muito provavelmente, um dos raros que posso tratar com alguma propriedade, afinal, são treze anos de luta, trocas de instituições, perseguições (porque hoje em dia todo mundo é perseguido), provas, turmas e mais turmas, salas e mais salas, sobe e desce de escadas, trabalhos, mais provas, uma correria no fim: o curso de Direito.

Vale a pena? Como é a formação? Existe diferença entre o curso em faculdade pública e particular? Como são os colegas de classe? O que fazer depois? E os professores? Vou tentar explicar tudo como eu bem sei, deixando tudo mais complicado.

Roda a vinheta!

Curso de Direito! Esse sonho dos mais antigos, “Meu filho vai sê dotô”, “Vai sê um homi da lei”, e eram sempre, sempre, só os homens. Ser advogado, em tempos idos, era garantia de status, sinal de ascensão social para os que vinham de baixo. O sonho virou pesadelo. Hoje o Brasil detém o posto de maior número de faculdades de Direito no mundo. Temos, aproximadamente, 1240 cursos no país, contra 1100 em todo o resto do mundo[i]. Estima-se em 4 milhões os bacharéis no Brasil e já ultrapassamos a marca de um milhão de advogados, conforme pesquisa realizada em 2016.[ii] São 206 brasileiros para cada advogado.

Olhando esses números é de se pensar que talvez não seja uma boa ideia ingressar nessa área. E de fato, não é.

As faculdades de direito, na sua esmagadora maioria, são indústrias de formar bacharéis... e só! Não existem programas de incentivo à pesquisa, o corpo docente é composto por pessoas sem experiência, sem titulação, os alunos querem o diploma pelo diploma, calcado na lógica do “eu tô pagando, eu quero ter” e, muitas vezes, levam essa lógica absurda para o trato com os professores na base do “você é meu funcionário”.

Tendo convivido com diferentes turmas nesses 13 anos pelos quais passei 3 instituições (uma pública e duas particulares), posso dizer que vi de tudo. Dentre os discentes que dividiram comigo as cadeiras das salas padronizadas (são todas iguais), pude compartilhar experiências com pessoas de alto gabarito intelectual até aqueles que, já em vias de concluir o curso, mostravam-se ainda claudicantes mesmo em questões de alfabetização.

Na pública, por força da seleção mais acurada talvez, o nível de alunos se mostrava mais elevado. Ali, inclusive, a cobrança dos professores sempre foi maior. Os mimos eram raros e alguns professores beiravam à histeria tamanha dedicação e amor pelo curso. Um deles chegava mesmo a se mostrar extremamente preconceituoso contra alunos dos cursos de humanas, como história, geografia, etc. Não à toa, hoje aquela instituição figura entre as 5 que mais aprovam no Exame de Ordem[iii].

Nas particulares, quiçá pelo viés industrial que tomou o curso, principalmente após a proliferação endêmica de faculdades no país, vivenciei as mais perniciosas relações entre professores e alunos. Pressionados por resultados, os professores acabam sendo condescendentes com os alunos, forçados pelas regras mais volúveis das instituições. Vale citar aqui o fato de os professores serem obrigados a dar trabalhos extra-aulas, e estes chegarem a valer 30% da nota. Considerando a média de aprovação, tal nota equivale a 50% da média bimestral. Além disso, presenciei flagrantes desvios de condutas de professores (um deles coordenador de curso) que não só aceitavam, como recomendavam, para fins de abono de falta, a entrega de atestados médicos sem base real. Fui vítima desse ato e, por não concordar com o mesmo, acabei sendo reprovado mesmo tendo 12 faltas a menos que o limite máximo estabelecido. E média 8.

Tirantes raras e dispendiosas exceções, faculdades particulares, como dito, são indústrias de diploma. Não te darão formação necessária para o mercado de trabalho. Não vão ter oferecer o mínimo para avançares nas áreas de pesquisa. Mas, garantem o grau superior, possibilitando a chance de concursos com salários mais elevados.

Vladimir Passos de Freitas, em artigo sobre o excesso de cursos de direito no país, busca explicar o motivo de tamanha proliferação:
Mas por que tantos cursos de Direito? Parte da resposta está no aspecto econômico. O curso de Direito não exige muitos gastos, não tem laboratórios, equipamentos sofisticados. Precisa apenas de algumas salas de aula, um corpo de professores cuja remuneração, exceto nas universidades de bom porte, é baixa, e uma biblioteca. Essa não representa maiores despesas, porque pode ser comprada de herdeiros de antigos profissionais do Direito, que não têm espaço e não sabem o que fazer com milhares de livros deixados por seus ascendentes. Portanto, Faculdades de Direito propiciam bons lucros.[iv]
Agora, considerando o pós-curso. Formado, diploma em mãos. As possibilidades se abrem.
Se a vontade for partir para a advocacia privada, sendo dono do seu próprio comércio (perdoem-me os colegas e amigos que, como meu pai – e eu em breve – ,  militam nessa área, mas, é um grande comércio, de fato), então não importa o tipo, pública ou privada, da faculdade. O que vai importar é o modo como o aluno levou a faculdade. Pode ser meio piegas e fora de realidade, mas, conforme diziam e ainda ressoam pelos corredores das instituições, eu acredito que o aluno faz o seu curso. Isso vale também para os concurseiros.

Se o desejo for ingressar numa carreira de advocacia corporativa, num grande conglomerado de escritórios, então temos dois caminhos: a indicação e a formação. A indicação é o famoso “QI”, ou o que hoje se convencionou chamar de “networking”. Alguém de influência indica quem ele gosta e quer trabalhando no escritório. Já no caso da formação, o buraco é mais embaixo e aí pesa, e muito, o tipo de faculdade.

Nesse caso, a faculdade pública, ou aquelas particulares de renome, tem poder. Por que é só o nome? Não! Porque tem história por trás. Tem excelência, tem pesquisa, tem nomes. Pense assim, se fossem lhes dadas duas opções, sem quaisquer contrapartidas, qual das faculdades você escolheria: UNIP ou USP?

Parece óbvio, não?

Se você na hora de escolher o curso optou pela pública com mais bagagem e história, o que acha que acontece na hora de uma pré-seleção, quando o responsável pela escolha só tem a letra fria de currículos em mãos? Pois é.

A advocacia privada ainda sofre com a concorrência das defensorias públicas, das assessorias feitas por estagiários em faculdades de Direito, do Google, que talvez seja o maior escritório de advocacia do mundo hoje (e consultório médico). Com 206 clientes em potencial apenas, as coisas parecem não ter futuro.

Quando estagiava em outra cidade, em determinado momento do dia, os advogados desciam para o café e o bate-papo da manhã e depois da tarde. Eu, que era estagiário metido à besta, descia junto. Já há dez anos dizia-se das dificuldades da advocacia privada, mesmo se tratando de um escritório relativamente bem sucedido naquela cidade. Uma das conclusões que foi pincelada daquelas reuniões, após um dos mestres discorrer sobre a situação dos seus ex-colegas de bancos universitários é de que, mal ou bem, quem advoga, pelo menos, não passa fome. Consegue viver.

O Curso de Direito, em tempos idos, era o grande xodó, ao lado do de Medicina, das famílias abastadas brasileiras (e também das mais humildes). Todo mundo queria um “dotô” na família. Hoje é bem possível que todo mundo tenha. Se não na família nuclear, na estendida.

Mudei esse texto umas duas ou três vezes já e essa parece ser a definitiva. Tentarei concluir.

Se você busca por um curso que te dê uma visão mais ampliada da vida, do cotidiano, da realidade, o Direito é um bom caminho. Se procura ganhar dinheiro, busque outra área.

Se mesmo diante de todo o panorama aqui traçado você achar que direito é a sua praia, então estude antes e tente uma faculdade de renome, que possa te dar alguma vantagem ao final do curso. Como a grande maioria dos cursos universitários, o Direito forma desempregados, bacharéis que não tem por onde começar. Aliás, pior que a maioria dos cursos universitários, o Direito não te dá quase nenhuma opção com a simples formatura. Após o diploma em mãos é preciso batalhar por outra conquista, o Exame de Ordem, cuja taxa de aprovação gira em torno dos 15%[v], tendo alcançado 22%[vi] na sua última prova. Por isso também é importante um curso de peso, que dê bagagem suficiente para enfrentar esses desafios e não apenas um singelo pedaço de papel.

Para aprofundar a discussão, recomendo o episódio “Valer a Pena Fazer Direito?”, do podcast “Tá fazendo direito?”: http://pca.st/3WZq

E por hoje é só o que tinha por hoje.
Amanhã um pouco mais do de amanhã.
Beijo, abraço, aperto de mão ou aceno ao longe.

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[i] http://www.oab.org.br/noticia/20734/brasil-sozinho-tem-mais-faculdades-de-direito-que-todos-os-paises
[ii] http://www.conjur.com.br/2016-nov-18/total-advogados-brasil-chega-milhao-segundo-oab
[iii] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI251048,91041-Faculdades+com+maior+aprovacao+no+XX+Exame+de+Ordem
[iv] http://www.conjur.com.br/2015-set-06/segunda-leitura-excesso-faculdades-direito-implodem-mercado-trabalho
[v] http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI251031,51045-Aprovacao+no+XX+Exame+de+Ordem+e+de+15
[vi] http://www.conjur.com.br/2016-dez-25/indice-aprovacao-xx-fase-exame-ordem-fica-22

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